Ciência e bom senso: urgências para enfrentar o caos da Covid-19

A única forma de pautar as decisões com sensatez é conhecendo a dinâmica da epidemia entre nós

  • Lauro Ferreira Pinto e Reynaldo Dietze
Publicado em 05/04/2020 às 14h00
Atualizado em 05/04/2020 às 14h00
Covid-10 no Mundo
Covid-19 no Mundo. Crédito: Freepik/Montagem Fernando Madeira

Brasil e o mundo enfrentam uma pandemia cujas proporções e impacto só são comparáveis com a gripe espanhola em 1918. Debates inflamados surgiram nos últimos dias sobre tipo de isolamento, real gravidade da doença e se as medidas propostas não podem causar mais mortes e danos que a própria epidemia. Embora sejam compreensíveis a polarização e formação de tribos, a pandemia não dá tempo para decisões erradas e pode cobrar caro eventuais correções de rota, se feitas de modo intempestivo.

Em primeiro lugar, é necessário deixar claro que o novo coronavírus não pode, neste momento, ser considerado como “mais uma gripe”, como a causada pelos vírus da influenza. A primeira vacina para influenza foi produzida em 1933, portanto há 87 anos, e existem medicamentos para o seu tratamento. As epidemias sazonais de influenza ocorrem todos os anos, com mutações variáveis do vírus, que são sempre incorporadas nas vacinas utilizadas nas campanhas anuais de vacinação. Já existe, portanto, um grau de imunidade entre os indivíduos, o que impede que os surtos epidêmicos anuais se transformem em uma pandemia, como a que estamos vivenciando.

O novo coronavírus (SARS-CoV-2) é da mesma família do vírus da SARS (Severe Acute Respiratory Syndrome) que surgiu também na China no final de 2002, provocando uma epidemia de aproximadamente 8.000 casos com menos de mil óbitos. A partir de 2004 não houve mais notificação de casos em todo o mundo, muito provavelmente porque o vírus não se adaptou aos humanos de forma tão eficaz como este novo vírus. Portanto, praticamente toda a população do planeta é susceptível à infecção pelo novo coronavírus.

A gripe espanhola de 1918 matou mais do que as duas guerras mundiais, em uma época em que não havia a mobilidade e a tecnologia de que dispomos atualmente. Em 1927, a população mundial era de 2 bilhões de pessoas. Hoje somos mais de 7 bilhões. A China inovou na estratégia de contenção da disseminação do vírus com o isolamento total de regiões inteiras, como foi o caso de Wuhan, o epicentro da epidemia. Essas medidas extremas foram tomadas com o único intuito de desacelerar a progressão da epidemia, de forma a não paralisar o sistema de saúde do país com a ocupação integral dos leitos de terapia intensiva disponíveis.

IMPACTOS SUBESTIMADOS

Em segundo lugar, estamos cercados por exemplos de cidades/países que subestimaram o impacto da epidemia e tiveram seus ricos e sofisticados hospitais em colapso. A saturação do sistema de saúde e a sobrecarga dos leitos de terapia intensiva têm levado a terríveis opções éticas de priorizar pessoas com maior expectativa de vida para salvar. No entanto, a superlotação de leitos de terapia intensiva compromete, miseravelmente, o atendimento de pessoas com 20- 50 anos também, que têm infartos do miocárdio, trauma, urgências as mais variadas, e casos graves de Covid-19, para os quais passa a não haver leitos disponíveis.

Desde Wuhan na China e agora em vários países da Europa, a alternativa usada tem sido a tentativa de supressão da epidemia, com objetivo de reduzir a menos de 1 a média de casos secundários que cada pessoa infectada gera (R), com isolamento social estrito e extenso, deixando apenas atividades essenciais em funcionamento, garantindo suprimento, segurança e atendimento à população.

Epidemiologistas ingleses sugerem que essas medidas duras sejam tomadas precocemente, quando existem até 0,20 mortes/100.000 habitantes. Elas trarão menor benefício quando implementadas tardiamente, quando ocorrem 1,6 mortes/100.000 habitantes. Uma dúvida para a qual não há resposta fácil é na situação em que essas medidas foram tomadas mais precocemente ainda, sem mortes, mas com casos oriundos de circulação em regiões vizinhas. Outra questão é quando relaxar as medidas, que não podem ser mantidas indefinidamente, com consequências socioeconômicas insuportáveis.

Uma alternativa que é posta na discussão é adoção de medidas de mitigação (e não supressão) que focam em reduzir e não interromper as cadeias de transmissão. A estratégia de mitigação implica em isolar casos suspeitos e familiares em casa (de preferência com testes disponíveis) e isolamento social dos idosos e pessoas com risco de doença mais grave.

Segundo os epidemiologistas, esta estratégia deve reduzir demanda por serviços de saúde e mortes em 2/3, ou seja, para ser implantada exige ampliação imediata de leitos e respiradores, ou também irá gerar caos e colapso dos serviços de saúde. Mesmo considerando que no Brasil há um número significativamente menor de idosos que na Europa, há um número expressivo de idosos em habitações superpovoadas, com duas ou três gerações, o que torna a implementação da medida mais desafiadora, com equivalente estresse dos serviços de saúde, segundo o mesmo time de epidemiologistas ingleses. Enfim, defender isolamento somente de idosos em áreas de transmissão comunitária é assumir risco de colapso de sistema de saúde.

Não podemos descartar possibilidade de medidas de supressão/mitigação se alternarem, dependendo da evolução da epidemia. Condutas podem ser diferentes nos diversos locais com situações epidemiológicas distintas.

Países que foram mais bem sucedidos no controle da epidemia precisam de vigilância constante com testes, porque, enquanto não houver vacina e tiverem populações suscetíveis, estão sujeitos a segundas ou novas ondas de infecções.

REALIZAÇÃO DE TESTES

De qualquer forma, a única forma de pautar a decisão com sensatez é conhecer a dinâmica da epidemia entre nós. Para isso é URGENTE um esforço brutal na realização de testes de diagnóstico. Testes sorológicos serão bem-vindos e poderão ser usados em populações específicas onde está ocorrendo a epidemia, por exemplo em hospitais na linha de frente, para conhecer a extensão da contaminação, o percentual de assintomáticos.

Mas a urgência é de testes moleculares que possam ser usados além dos casos graves, na força de trabalho essencial exposta, com sintomas, e na monitoração de suspeitos, seus contatos, na circulação do vírus em comunidades do interior que possam estar ativas sem isolamento.

Até surgir uma vacina ou tratamento muito eficaz é possível que eventuais flexibilizações do isolamento feitos com todas as condicionantes descritas acima tenham que se fazer em outro patamar, sem aglomerações, com distância mínima de 1 metro e monitoração constante. Precisamos também de mais equipamentos de proteção para que os profissionais de saúde possam cumprir sua missão com menos risco. Máscaras, respiradores, leitos e testes são nossas urgências. E debates com bom senso, porque a epidemia não permite desaforos.

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