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As lições de Hamlet para o Brasil em meio à crise sanitária

Cultivar polarizações e movimentos de ódio pode até surtir algum efeito político, mas não cura epidemias e não salva vidas

  • Rodolfo Barrueco
Publicado em 23/11/2020 às 04h00
Escultura de Hamlet, personagem da peça homônima de Shakespeare, na Inglaterra
Escultura de Hamlet, personagem da peça homônima de Shakespeare, na Inglaterra. Crédito: Sheep purple/ Flickr

“Há algo de podre no reino da Dinamarca”, eternizou Shakespeare em "Hamlet", ao referenciar um ato do protagonista que a cada acontecimento parecia marchar rumo a um desfecho catastrófico. O delírio obsceno do personagem pelo poder foi a razão de sua própria desgraça. A loucura exacerbada caracterizou um registro de Hamlet, que preferia não compreender a dura realidade ao seu redor. A literatura imbatível e atemporal acena ao Brasil com pontos reflexivos para consideração.

Ao somar mais de 160 mil mortos em decorrência da pandemia que assola o mundo, o país enfrenta seríssimas questões do ponto de vista político. Uma cegueira crônica parece impedir um desfecho feliz ao fim da trama vivida. Saramago ousou, certa vez, em dizer em seu aclamado “Ensaio sobre a cegueira”, que a tortura e a aflição tangenciavam a necessidade de reflexão da natureza humana.

Mas como refletir sobre ética, moral e costumes em um país tão polarizado? Como dimensionar o valor das medidas de segurança prelecionadas pelos órgãos de saúde ou do abandono de tais medidas sem a menor preocupação pelos resultados advindos? A negligência diária dos ditames da ciência e a busca diária por subterfúgios que mascaram a cura da pandemia são algumas das razões que demonstram que já superamos qualquer obra de ficção já escrita.

Ao equacionarmos que uma pandemia é eficazmente tratada por meio de uma vacina, entender-se-á que politizar a temática, além de tratar-se de um ato de covardia, também denota um obscurantismo, carregado por interesses escusos de um grupo específico de políticos que vislumbram poder antes do interesse coletivo. Chega a beirar o desespero.

Após quase dez meses de pandemia, a retomada econômica é necessidade vital para que o país redobre o fôlego e se recupere das perdas ocasionadas pelos efeitos da crise sanitária. A vacina é uma chance para que possamos salvaguardar o interesse coletivo, ao reativarmos as forças econômicas. E, por óbvio, salvarmos vidas.

O repúdio à “vacina chinesa”, confeccionada pelo Instituo Butantan em cooperação com laboratório chinês, é a mais pura demonstração de um movimento sinofóbico com vistas a efeitos políticos populistas. Esse quadro tangencia não apenas um desgaste do relacionamento bilateral entre Brasil e China, mas também caracterizara um esforço para anulação de uma instituição seríssima que desenvolve imunobiológicos desde 1901.

Certamente ainda temos um chão para o fim da pandemia. Não podemos perder de vista que ideologias pouco racionalizadas, quando implementadas no passado, deixaram profundas cicatrizes políticas e econômicas, cujos efeitos ecoam até os dias de hoje. Estrategicamente, cultivar movimentos de ódio ou violência pode até surtir algum efeito político, mas não cura epidemias e não salva vidas. Talvez a lição que Hamlet deixa neste momento é que finais trágicos sempre podem ser evitados com um pouco de sanidade.

O autor é é advogado, empresário, fomentador do Innovation Hub do IBMEC e cofundador do Observa China - Think Tank

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