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A luta contra a diminuição do indivíduo e a hipertrofia dos governos

Aproximamo-nos do momento em que será criminoso, ilegal ou nocivo o que o governante decidir por criminoso, ilegal ou nocivo

  • Caio Dias
Publicado em 11/01/2021 às 14h21
Justiça
Transferimos ao Estado atribuições que causariam inveja a tiranos históricos. Crédito: Andrea Rankovic/Freepik

Em “O Espírito das Leis”, Montesquieu fala dos corpos intermediários, organizações que, parte integrante e fundamental do corpo social, atuam como garantia de liberdade contra a tirania de um governo que se pretenda maior que a sociedade em que atua. A partir do corpo intermediário básico, a família, surgem entidades autônomas, livres da influência estatal, e estas respondem aos seus integrantes e em coordenação entre si, buscando uma harmonia que deve vir de baixo para cima.

Isso se explica por algo facilmente observável: é o indivíduo, a menor célula de uma comunidade, que melhor sabe o que é sentido, vivido e percebido cotidianamente; ele possui a sensibilidade ajustada para melhor traduzir a língua da realidade.

Platão afirmava que “nada é nocivo ao verdadeiro cidadão que não seja igualmente nocivo à cidade, e nada é nocivo à cidade que não seja igualmente nocivo à lei”. Devemos indagar, até mesmo, se não viveríamos já uma fase avançada de controle social, em que a coletividade se entrega por inteiro a decisões de autoridades – por vezes autoritárias – que, garantindo possuir como meta maior a proteção dos cidadãos, estendem os tentáculos do Estado para muito além do que julgaríamos, em tempos recentes, razoável. Hoje, aceitamos essa intervenção em nossas vidas como um dado da Natureza.

Sacralizamos o poder estatal. Temos feito isso, sem trégua, nos últimos trezentos anos. Transferimos a ele atribuições que causariam inveja a tiranos históricos. O “Estado Democrático”, com satisfação e gula, lança seus braços sobre a estrutura social, e nem o menor dos movimentos há de se aventurar sem sua classificação, vigília ou juízo.

Tudo deve ser chancelado, classificado e carimbado. Quem quer que tente combater isso estará, afinal, atentando contra a democracia... E há uma constante, uma regra: onde quer que o Estado coloque seus pés, ali os pés ficam.

Qualquer dissidência é tolerada apenas na medida em que possa se restringir ao que temos de mais íntimo, e mesmo este campo está sob ataque. No tempo em que nos ajoelharmos e solicitarmos as bênçãos do agente público para sermos e agirmos nos espaços mais particulares de nossas intimidades, que indivíduo teremos construído?

A privacidade não deve ser salvo conduto para ações criminosas, claro, mas que monstro estamos alimentando quando permitimos que mais e mais ações sejam objeto de criminalização - mesmo as ações mais corriqueiras e inofensivas, as mais consagradas pelo tempo?

Aproximamo-nos do momento em que será criminoso, ilegal ou nocivo o que o governante decidir por criminoso, ilegal ou nocivo. E é contra isso, contra a diminuição do indivíduo e a hipertrofia dos governos, que todo agente jurídico – em especial o advogado – deve se levantar.

O autor é advogado

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