Em seu novo livro “Como ser leve em um mundo pesado”, Fernando Rocha partilha seu caminho para redescobrir sua essência e valiosos aprendizados
Em seu novo livro “Como ser leve em um mundo pesado”, Fernando Rocha partilha seu caminho para redescobrir sua essência e valiosos aprendizados
Entrevista

Fernando Rocha sobre a demissão da Globo: "Descobri que precisava de um propósito"

Após quase três décadas na emissora,  jornalista lança livro, conta como foi sua saída da TV e como o acontecimento foi importante para redescobrir seu verdadeiro propósito de vida em um cenário novo e cheio de possibilidades

Em seu novo livro “Como ser leve em um mundo pesado”, Fernando Rocha partilha seu caminho para redescobrir sua essência e valiosos aprendizados
Publicado em 22/11/2020 às 05h00
Atualizado em 22/11/2020 às 05h00

Durante muito tempo ele foi chamado de 'Fernando Rocha da Globo". Foi preciso ser demitido da TV - "em uma reunião que durou 3 minutos", diz - para que um novo mundo surgisse. Antes, claro, muito medo, angústia e mágoa. O novo mundo, em outras palavras, são as possibilidades de trabalho e um propósito de vida. "Agora sou meu gestor, meu funcionário e meu chefe. Eu dou as cartas, domino o meu nome", conta por telefone. 

As possibilidades fizeram com que Fernando Henrique Maciel Rocha, 54 anos, lançasse o livro “Como ser leve em um mundo pesado” (Ed. Rocco, R$ 29,90), para partilhar seu caminho de redescobrir a essência e valiosos aprendizados que o ajudaram em sua transformação pessoal e profissional. Foi necessário um ano inteiro para que ele entendesse que usar sua alegria, bom humor, energia, pensamento positivo e perseverança para ajudar a deixar o mundo menos chato era seu verdadeiro propósito. 

Quando deixou a rotina na TV, Fernando passou a gerir seu próprio tempo e trabalho – um cenário totalmente novo para ele. Com uma palestra baseada em seu primeiro livro “Na medida do possível (ou quase) – um manual sobre a vida saudável”, ele viajou pelo Brasil dividindo suas histórias e superações: dos treinos diários para a Dança dos Famosos do Domingão do Faustão até o regime-reportagem que o fez eliminar quase 20 quilos em dois meses. Neste período, criou ainda uma nova forma de se comunicar pelas redes sociais com o público que o acompanhava na TV, compartilhando desafios e fazendo entrevistas, o que também trouxe oportunidades de parcerias e projetos na internet. "Foram 10 anos, todas as manhãs, com o programa Bem-Estar sendo exibido para mais de 150 países. O público era de 2 a 3 milhões por minutos. A transformação que foi feita na vida de muita gente, essa marca eu carrego comigo", diz sobre o programa que era apresentador.  Confira a entrevista. 

Como surgiu a ideia de escrever o livro "Como ser leve em um mundo pesado"?

O livro é a ideia de um relato do que aconteceu comigo quando deixo a TV Globo depois de quase 30 anos trabalhando com o mesmo pensamento, o mesmo crachá e a mesma forma de ideias. Quando isso acabou eu encontrei uma história para contar. Achei que seria oportuno falar sobre os processos de ruptura e recomeços, o que acabou sendo muito comum no ano de 2020. A demissão aconteceu em 2019, e eu já tinha escrito um livro anterior, que era a minha experiência com o programa e a adaptação a um programa diário sobre saúde, dentro da minha capacidade de fazer as coisas como dançar, correr e emagrecer.

Que mundo pesado é esse que você se refere no livro?

É um mundo que nem sempre concorda com as coisas que fazem parte da nossa satisfação e do nosso entendimento. A vida não é perfeita e nem é do jeito que a gente imagina. Aliás, a vida é o que acontece enquanto você está ocupado fazendo outros planos, como já disse John Lennon. Esse mundo pesado foi a descoberta do meu propósito. Olhando pelo retrovisor, quando você entra nesse tombo e ruptura, procura algo para entender o que aconteceu. Fui olhando e quanto mais eu olho para trás vejo que o meu passado está cheio de situações em que eu fui leve quando a estrutura naturalmente era pesada. São diversas circunstâncias. Em toda a minha trajetória como repórter do jornalismo diário em Belo Horizonte, no Recife ou em São Paulo, a leveza sempre teve cores mais fortes e foi preponderante. Através da leveza e da alegria era como enxergava a vida e isso me ajudou a reconstruí-la quando uma parte importante dela estava em transformação.

Encontrar o propósito não é tão fácil e não acontece de um dia para o outro. Como você entendeu que usando sua alegria, o seu bom humor e a sua energia tudo ficaria mais fácil ou menos difícil?

Mais fácil ou menos difícil, é como olhar o copo cheio ou vazio. Porém sempre foi mais fácil. Legal essa comparação porque é exatamente isso. Foi um ano inteiro tentando achar erros, equívocos e explicações para algo que simplesmente é assim. É a vida e a gente que tem que entender. O entendimento disso tudo é uma coisa maravilhosa, te torna uma pessoa melhor, menos vitimista e menos culpada. Eu não quero me colocar nesse papel de vítima, porque é um lugar bem confortável para se estar, mas que não permite nenhum movimento. Eu saí desse lugar, não me coloquei como vítima, pelo contrário, situações como essa acontecem sempre. Empresas grandes como a TV Globo demitem e contratam a todo momento. Eu fui um a mais e página virada. O negócio é como eu vou fazer daqui para frente, quem sou eu a partir desse momento. Durante muito tempo meu nome foi 'Fernando Rocha da Globo' ou 'Fernando do Bem-estar'. Agora sou meu gestor, meu funcionário e meu chefe. Eu dou as cartas, domino o meu nome e tenho mais possibilidades. O tempo inteiro o livro é sobre essa descoberta.

Fernando Rocha

Jornalista

"Fui arrancado de uma hora para outra e em 3 minutos eu não fazia mais parte daquele universo. Não me preparei para uma aterrissagem, então é natural que eu vivenciasse essa tristeza e o luto"

Você se sentiu perdido nesse um ano?

Muito perdido, com medo, inseguro e com muita angústia. Um dos pilares que usei para me reerguer foi o autoconhecimeto. Ele inclui a luz e o entendimento desses sentimentos que não estão na prateleira da nossa vivência. A gente quer ser feliz, quer alegria... Mas também temos nessa tapeçaria coisas que não são muito claras, elogiadas, porém são tão importantes quanto. Foi nutrindo esses sentimentos que pude me transformar, observando a força do medo, da angústia, da tristeza e esse luto, porque convivi durante anos com amigos muito queridos e histórias que eu vivi. Fui arrancado de uma hora para outra e, em 3 minutos, eu não fazia mais parte daquele universo. Não me preparei para uma aterrissagem, então é natural que eu vivenciasse tudo isso, como a tristeza e o luto. Mas chega um momento que a página tem que realmente virar.

Como você enfrentou esses momentos negativos durante esse processo de autoconhecimento?

Entendo que eles existem, percebendo que estão em mim. E noto que é com eles que eu aprendo. Hoje, sei que lidei de uma forma muito honesta com isso e só assim consigo falar deles com tanta clareza e lucidez. Mas também sei dizer que eles têm a hora e lugar para acontecer.

Quais são os 5 aprendizados que você teve como base para escrever o livro e que carrega com você?

Elegi alguns aprendizados e vejo que eles são cada vez mais presentes na vida de todo mundo. Principalmente em 2020, em algum momento, esses sentimentos foram importantes. São eles: prestar atenção nos sinais, entender que tudo manda sinal. Quando vai chover a natureza manda sinal, desentendimentos mandam sinais. É impressionante a lista deles que estão disponíveis para gente acessar e que, por prepotência ou arrogância, a gente desconhece. O segundo é sair desse papel de vítima. Não ter medo de você, colocar iniciativa, movimento, ação, algo prático que te tire desse lugar nebuloso de coitadinho. É difícil, mas tudo isso é um exercício. Também tem a resiliência. Como está sendo importante nesse ano a gente ter resiliência, todo mundo no trabalho teve que se adaptar.

E os outros dois aprendizados?

Ria de você mesmo, tenha o auto-riso, essa autorização para rir de si mesmo. Muito legal enxergar a vida desse jeito, porque naturalmente ela vai ficar mais leve. Se cair e todo mundo rir, ria antes. Porque a piada é boa, pratique isso. O aprendizado vai tornar o problema menor. E o último, porém não menos importante, é: conheça você. É daí que partem as respostas de todas as perguntas. Olhamos muito para o exterior, falta olhar para dentro da gente.

Você entrevistou alguns personagens para o livro como a Monja Coen. O que aprendeu com eles?

Para cada um desses aprendizados eu busquei um personagem para exemplificar. São 5 entrevistas, 5 pessoas completamente diferentes, que colocam essas premissas na prática e na vida delas. Tem a ascensorista do Hospital do Câncer de São Paulo, a Sheila Nunes. Ela faz com que a vida das pessoas no elevador do hospital seja maravilhosa nesse tempo da viagem, do térreo ao 16º andar. Ela pergunta sobre as pessoas e em alguns instantes mostra que veio iluminar o mundo. Uma pessoa simples, sem recursos desses convencionais, que transforma a vida de muita gente nessa viagem que, às vezes, é cheia de tristeza. Ela fala da resiliência, teve que se reinventar muitas vezes. A Tia Dag fala sobre os sinais que a vida manda. É uma educadora, que fundou a Casa do Zezinho. Ela sempre escutou os sinais, mesmo formada criou a pedagogia dela. Foi pro Capão Redondo, um dos lugares mais violentos do país, e conseguiu transformar a vida dos meninos. E ela está o tempo inteiro prestando atenção nos sinais. Tem a história do riso, com a médica oncologista Paola Tôrres. Ela trabalha no sertão do Ceará falando sobre câncer no sistema linfático e leucemia. E tudo isso cantando, dançando, tocando violão e escrevendo cordel, num dos lugares mais áridos do Brasil. Falando da doença com leveza, riso e alegria, o que é inspirador. Tem também o psicanalista e ganhador do Prêmio Jabuti, Christian Dunker, que é um dos grandes pensadores dessa pandemia e fala sobre o papel da iniciativa. Ele teve tudo para se colocar no papel de vítima, a família veio de um pós-guerra, ele fala até de dificuldades para se alimentar, mas nunca foi vítima. Sempre teve a iniciativa como premissa e farol. E, por fim, a monja Coen, com o olhar para dentro, para o autoconhecimento, porque isso é importante, é onde estão os nossos critérios e onde a gente acessa eles. São 5 pessoas que encontraram o propósito, a essência do que estão fazendo aqui.

Fernando Rocha

Jornalista

"Os entrevistados são cinco pessoas que encontraram o propósito, a essência do que estão fazendo aqui"

Você tinha uma plano B quando saiu da TV? Por que é tão difícil encontrar o propósito?

Achava que era muito necessário, que eu precisava de um, mas não sabia o tanto que eu não tinha o plano B. Quando acontece a reunião e eu deixo de ser um funcionário da Globo, penso: 'então tá, qual é o meu plano B?' Não tinha ideia do que seria. É claro que no início é uma descoberta muito grande, bate um desespero enorme, mas fui vendo que, na verdade, naquelas circunstâncias, eu não precisava de plano B. Eu precisava de um propósito, de algo que fosse muito maior que um plano B, que fosse transcendental em relação aquele momento que estava vivendo na Globo. Aí que encaro, olho, investigo e faço a chamada escavação disso tudo, que encontro o meu propósito que sempre foi esse. Ser leve num mundo pesado. Chega um momento que absurdamente tudo faz sentido. 

Durante um tempo você ficou magoado com a TV Globo por causa da demissão?

Vários sentimentos surgiram e tive que administrar todos eles. No meio disso tudo tem mágoa, raiva, rancor e irritação. Mas hoje eu não tenho mágoa e acho que isso faz parte do jogo. A situação fez também que eu me entendesse melhor. E olhando o que aconteceu, o programa acabou. Eu saio, a Mariana Ferrão sai, o programa como ele existia acaba. Teve um tempo de vida e é uma história que acaba.

Na internet seu nome está associado a piada sobre o encontro da clara com o ovo (na abertura do programa Bem Estar, o jornalista fez uma piada sobre o assunto na presença do cardiologista Roberto Kalil Filho). Isso te incomoda?

De jeito nenhum. É a abertura do livro para falar de comunicação, de empatia e de entendimento de como a postura dos outros com relação a você pode ser mudada nesse tribunal da internet. Falo isso porque no meu ponto de vista foi um erro de comunicação. Eu não entendi o que o doutor Kalil tava passando naquele momento. Se você coloca no site de busca "Fernando Rocha clara e ovo" tem mais de 1 milhão e meio de opiniões, de pessoas dizendo que está certo ou errado, sendo que eu não perguntei para ninguém o que elas achavam. Não tenho nenhum problema em falar sobre isso, mas é bom para olhar os sinais, como eu estava, qual a minha prepotência de considerar que o médico tinha que achar graça. Quando assisto é um exercício de me tornar uma pessoa melhor. Tá aí mais um aprendizado. 

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