Publicado em 20 de outubro de 2022 às 17:26
Cidadãos da Venezuela têm se consolidado desde 2019 como a principal mão de obra migrante que ingressa no mercado de trabalho brasileiro, em um cenário que reflete a migração em massa gerada pela crônica crise econômica e humanitária instaurada no país vizinho.>
Com isso, há um redesenho do perfil da última década - venezuelanos estão substituindo nacionais do Haiti e do Paraguai, que, ao menos desde 2011, eram os que mais ingressavam nos postos formais.>
De janeiro a abril, venezuelanos foram responsáveis pelo maior saldo de admissões líquidas - cifra que já subtrai o número de demissões - de uma única nacionalidade nos últimos onze anos: 9.100.>
Com isso, representam 74% do total de admissões de migrantes no mercado formal, segundo relatório do Observatório das Migrações Internacionais (OBMigra). Para efeitos de comparação, no mesmo período a cifra para haitianos foi de 1.116; para paraguaios, de 640.>
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A explicação é multifatorial. Entra na conta o volume expressivo de venezuelanos que buscam refúgio no Brasil, ingressando em especial pela região Norte. O cenário se agravou em 2016 e, no primeiro quadrimestre deste ano, venezuelanos somaram mais de 80% das 17.775 solicitações de refúgio no país.>
Há também os esforços da gestão pública - ainda que com críticas - para levar imigrantes ao mercado de trabalho, especialmente por meio da estratégia de interiorização, que leva venezuelanos que ingressam por Roraima para outros estados com apoio de agências da ONU.>
Encontrar uma vaga no mercado formal, no entanto, não anula as dificuldades. A vulnerabilidade social com que chegam ao Brasil faz com que muitos aceitem empregos mal remunerados e com condições precárias, diz João Carlos Jarochinski, professor do mestrado em Sociedade e Fronteiras da UFRR (Universidade Federal de Roraima).>
"Comparados com outras nacionalidades, venezuelanos têm um cenário de formação com grau de estudo mais elevado", explica. "Mas a nossa dificuldade em pensar em políticas de revalidação de diplomas e reinserção de profissionais qualificados faz com que sejam oferecidas a essas pessoas um tipo de tarefa laboral pouco remunerada.">
A remuneração média mensal de nacionais da Venezuela no mercado brasileiro nos primeiros quatro meses do ano foi de R$ 1.596, uma das mais baixas em comparação com outras nacionalidades. Há 11 anos, o valor era de R$ 8.701, mostram dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) compilados pelo OBMigra.>
A diferença, explica Jarochinski, reflete a mudança no perfil da migração. Se no início da década passada ainda emigravam para o Brasil setores da elite e da classe média, muitos ligados ao setor petrolífero, hoje emigram cidadãos das camadas mais pobres e vulneráveis.>
A desigualdade, como ocorre em todo o mercado formal, é refletida quando o assunto é gênero. Levantamento do projeto Moverse, ligado à ONU Mulheres e apoiado pelo governo de Luxemburgo, mostrou que o rendimento médio de pessoas da Venezuela interiorizadas é de R$ 1450. Para venezuelanas, é de R$ 1.177 - 20% a menos.>
Os imigrantes estão principalmente no setor de frigoríficos, no trabalho doméstico e no setor de serviços, diz o professor da UFRR, serviços com pouco valor agregado em termos de salário. Muitas vezes, substituem a própria mão de obra migrante, majoritariamente de haitianos, que tem deixado o país.>
O fator também pesa na balança para entender a mudança no perfil da atuação de imigrantes no mercado formal. Bases de dados e especialistas têm constatado a saída de haitianos do país desde 2019. No primeiro quadrimestre daquele ano, cerca e 5.800 cidadãos do país centro-americano solicitaram refúgio no Brasil.>
No mesmo período deste ano, foram 66, ainda que a nação enfrente grave crise econômica, política e social - a queda nas cifras, porém, também representa o rescaldo da pandemia de Covid, quando o volume de migrações diminuiu para todas as nacionalidades.>
As razões por trás da saída de haitianos ainda estão sendo estudadas por especialistas. Jarochinski afirma que a crise econômica, agravada pela Covid, é um fator de peso pelo perfil da migração haitiana, de envio de remessas de dinheiro para parentes que ficaram no país.>
Também há o que o docente chama de hipermobilidade: haitianos têm redes em outros países além do Brasil, como Chile e EUA. Se aqui a situação vai mal, muitos enfrentam rotas perigosas para outros destinos.>
"Já para muitos venezuelanos, essa é a primeira experiência migratória. Eles saem pela com alto grau de vulnerabilidade, e há certo receio de tentar nova migração", diz ele. Mas o perfil, salienta, pode mudar.>
Com a crise venezuelana e a formação de um "país de dependentes" - com predominância de crianças e idosos, fora da idade economicamente ativa - o cenário econômico pode, em breve, forçar nacionais da Venezuela a buscar outras rotas de migração, onde, aos poucos, eles consolidam novas redes de apoio.>
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