Publicado em 29 de julho de 2020 às 17:23
O presidente Donald Trump chamou o governo alemão de "delinquente" em seu gasto com defesa e anunciou a retirada de 12 mil dos cerca de 36 mil militares americanos baseados no aliado, membro da Otan (aliança militar ocidental). >
"Eles estão lá para proteger a Europa. Eles estão lá para proteger a Alemanha, certo? E a Alemanha deve pagar por isso. A Alemanha não está pagando. Não queremos ser mais otários. Assim, estamos reduzindo nossas forças porque eles não estão pagando suas contas. É bastante simples, eles são delinquentes", disse Trump na Casa Branca.>
A queda de braço remonta à chegada de Trump ao poder, e sua reativação pode ser creditada às dificuldades eleitorais do presidente em sua campanha à reeleição. O tom virulento, contudo, gerou indignação na Europa e também em casa.>
"A redução não é do interesse da Alemanha ou da Otan (aliança militar ocidental), e não faz sentido geopolítico para os EUA", escreveu no Twitter Peter Beyer, o coordenador de relações transatlânticas do governo da chanceler Angela Merkel.>
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O senador republicano Mitt Romney, que é crítico do correligionário Trump, chamou o anúncio de "um tapa na cara de um aliado". Já o democrata Joe Biden, que por ora é favorito contra o presidente no pleito de novembro, afirmou por meio de seu escritório de campanha que irá rever a decisão se eleito.>
Politicagem à parte, a discussão sobre os gastos de defesa no escopo da Otan não é nova, apenas foi acirrada por Trump. A meta do grupo de 30 países é que todos usem ao menos 2% de seu PIB (Produto Interno Bruto) no setor -hoje são apenas 9.>
País mais rico da Europa, a Alemanha usou em 2019 1,36%, o 17º lugar entre as nações da Otan. Os EUA gastam 3,42% e responderam no ano passado por 39% do gasto militar do mundo.>
Mas esse número engana, já que os americanos têm um engajamento global. Só na defesa europeia, gastam cerca de US$ 30 bilhões anuais, enquanto todos os outros 28 membros no continente dispensem dez vezes mais combinados.>
A Alemanha abriga hoje o segundo maior contingente americano no exterior após o Japão, que tem 55,6 mil militares de Washington presentes.>
Isso reflete obviamente a natureza do pós-Segunda Guerra Mundial e a contenção da União Soviética. A crítica americana também aponta para algo que é consenso entre especialistas: a flacidez da musculatura militar alemã, com Forças Armadas pouco eficazes e relativamente grandes, 181 mil integrantes.>
Isso hoje foi atualizado para, do ponto de vista ocidental, a ameaça da Rússia de um lado e da China, do outro. Por isso, o chefe do comitê de defesa do Parlamento alemão, Norbert Röttgen, disse ao site Politico que a retirada "vai enfraquecer a aliança".>
O secretário de Defesa, Mark Esper, deu números para dizer que a Europa não ficará desguarnecida. Dos 12 mil soldados, 6,4 mil voltarão aos EUA, mas os 5,6 mil restantes serão realocados no continente.>
Isso animou membros ao leste, os mais preocupados com as ações russas por terem sido parte da órbita de Moscou na Guerra Fria e por terem assistido à excisão da Crimeia da Ucrânia, em 2014, sem resistência além de sanções econômicas por parte do Ocidente.>
O presidente lituano, Gitanas Nauseda, disse à agência Reuters que seu país quer receber reforço de tropas. Uma ex-república soviética, a Lituânia fez crescer seu gasto militar de 0,9% do PIB em 2014 para 2,03%, dentro da meta da Otan, em 2019.>
Os gastos subiram após a Crimeia e com as ameaças de Trump de abandonar a defesa europeia: em 2014, apenas três países batiam a meta, ante nove agora. O temor de Moscou é grande do Báltico até a Romênia, passando pela rival histórica Polônia.>
Na Rússia, analistas tendem a considerar o episódio da Crimeia único, ao lado da guerra contra a Geórgia em 2008, porque em ambos os casos o que estava em jogo era a absorção política de vizinhos que servem de tampões estratégicos entre território russo e ocidental.>
De fato, de 1990 até a grande expansão de 2004, a Otan sempre adquiriu aliados a leste, aproximando-se das fronteiras do Kremlin.>
Isso explica, após um início de governo em 2000 com movimentos de abertura ao Ocidente, a crescente hostilidade e assertividade demonstradas pelo presidente Vladimir Putin sobre as intenções da Otan.>
Apesar de ter modernizado suas forças, o esteio do poder russo é o mesmo dos tempos soviéticos: ser uma superpotência nuclear, posto dividido com os EUA.>
A Ucrânia, que ainda enfrenta uma guerra civil congelada com separatistas pró-russos, tem aumentado o número de exercícios militares com a Otan, mas não ousa aliar-se formalmente ao grupo.>
O secretário-geral da aliança, Jens Stoltenberg, foi diplomático com o maior sócio do clube (US$ 658 bilhões dos quase US$ 1 trilhão gasto em 2019) e disse que o plano americano foi discutido detalhadamente com a Otan.>
Segundo Esper, as remoções de tropas começam em algumas semanas e, ao todo, custarão algo na casa de "um dígito de bilhão de dólares".>
Ele não foi tão agressivo quanto o chefe em relação aos alemães, mas disse que "como o país mais rico da Europa, a Alemanha pode e deve pagar mais por sua defesa".>
O mau humor dos americanos se estende também pelas relações ambíguas de Merkel e Putin. Os países são grandes sócios energéticos, e Berlim compra a maior parte de seu gás (35%), petróleo (40%) e carvão (30%) de Moscou.>
Ambos os países estão finalizando o gasoduto Nord Stream 2, que transportará 80% do produto russo à Europa -onde cerca de um terço do consumo de gás vem do país de Putin. Os EUA já determinaram sanções econômicas a empresas ocidentais envolvidas no projeto e em outros no setor, gerando grande desconforto político.>
No auge da Guerra Fria, havia mais de 200 mil soldados americanos na então Alemanha Ocidental. Contingentes similares de Moscou se posicionavam no lado oriental do país, reunificado em 1989 -dois anos depois, o império comunista viria a desabar.>
O país é um dos principais centros de apoio logístico a operações dos EUA em regiões como a África e Oriente Médio. Ele sedia, em Spangdahlem, 24 caças F-16 C/D, que serão transferidos para a Itália, assim como cerca de 2.000 militares.>
Essa mudança visa reforçar o flanco mediterrâneo da Otan, ameaçado pelas guerra civis na Líbia e na Síria, onde o país-membro Turquia está envolvido, assim como a Rússia. A Itália, contudo, é um dos membros que menos contribui com a aliança, apenas 1,22% de seu PIB.>
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