Publicado em 18 de outubro de 2022 às 16:25
Enquanto a Rússia degrada o sistema elétrico da Ucrânia próximo do inverno europeu, na nova e perigosa fase da guerra no país vizinho, Moscou elevou ainda mais a tensão nuclear que permeia a crise entre o governo de Vladimir Putin e o Ocidente.>
Em uma semana de ataques deliberados à infraestrutura energética da Ucrânia, a Rússia destruiu 30% das centrais elétricas do país invadido em 24 de fevereiro. Novas ações nesta terça (18) deixaram parte de Kiev e de outras regiões do país no escuro e sem fornecimento de água novamente.>
A acusação foi feita pelo presidente Volodimir Zelenski no Twitter, enquanto a prefeitura da capital confirmava duas mortes nesta manhã (madrugada no Brasil). Ele chamou os ataques de "terroristas", deixando "nenhum espaço para negociações com o regime de Putin".>
O prefeito de Kiev, Vitali Klitschko, pediu a moradores que conservassem energia e guardassem água potável. Já em Jitomir, o prefeito Serhii Sukhomlin disse que o blecaute e a falta de abastecimento são totais. "Os hospital estão usando geradores", afirmou ao site público Suspilne.>
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Em Moscou, o porta-voz do presidente Vladimir Putin, Dmitri Peskov, por sua vez deixou clara novamente a ameaça nuclear do Kremlin. Questionado por repórteres se os quatro territórios ucranianos anexados no dia 30 passado estavam sob o guarda-chuva atômico russo, ele foi claro.>
"Todos esses territórios são parte inalienável da Federação Russa e todos são protegidos. A segurança tem o mesmo nível da oferecida ao resto do território russo", afirmou. Ainda não se sabe, contudo, qual exatamente é a fronteira da qual ele fala, já que Moscou não controla totalmente as áreas ocupadas.>
Por outro lado, nas últimas semana houve uma estabilização aparente das linhas de frente que Zelenski havia conseguido romper em Kherson (sul) e em Dontesk (leste) - esta a província sob menor controle de Putin, com cerca de 60% do território nas mãos russas.>
Parte da dinâmica foi mudada após o ataque atribuído à Ucrânia contra a ponte que liga a Crimeia, anexada por Putin em 2014, à Rússia continental, no dia 8 passado. Dois dias depois, já com um novo comandante instalado em campo, os russos passaram a atacar alvos de infraestrutura civil com mísseis de longa distância e enxames de drones kamikaze.>
Peskov foi questionado também sobre os drones, comprados do regime aliado de Teerã, que tem um avançado programa na área. Disse que o Kremlin "ignora" o emprego de tais armas, embora haja evidência fotográfica e de imagens abundantes.>
Segundo um analista militar russo, falando anonimamente à Folha de S.Paulo, Moscou comprou de 2.000 a 3.000 desses aviões-robôs, que se jogam com uma carga explosiva sobre os alvos -daí o apelido, que remete aos pilotos suicidas japoneses da etapa final da Segunda Guerra Mundial.>
Como eles custam cerca de US$ 20 mil cada, ante até US$ 13 milhões de um míssil de cruzeiro avançado, a falta de acurácia e a facilidade de interceptação compensam. Isso do ponto de vista militar e psicológico, porque no solo o resultado é mais civis mortos, dado que a precisão dos aparelhos é mais baixa.>
Seja como for, do ponto de vista de narrativa da guerra, a nova orientação de Putin conseguiu de certa forma ganhar tempo e mudar o tom do noticiário negativo para Moscou, em termos domésticos, claro. É uma reconquista aparente de iniciativa, acompanhada pelo fim anunciado da impopular mobilização de 222 mil reservistas para o conflito.>
A outra perna dessa tática é a questão nuclear, que vinha sendo levantada desde o começo da guerra por Putin e outras autoridades. O mesmo analista militar é aderente da tese compartilhada nesta terça pelo comandante das Forças Armadas da Noruega, segundo a qual à Rússia a ameaça é o que importa.>
O preço de um ataque, mesmo com uma arma tática de baixa potência, seria politicamente impagável e traria reais riscos de uma escalada. O russo ponderou, contudo, que também achava que Putin nunca invadiria de fato a Ucrânia.>
Seja como for, Peskov manteve a chama da dúvida acesa. Ela pode iluminar, contudo, um caminho para o fim do conflito, sinalizando o que Moscou consideraria seus termos: a extirpação de 18% do vizinho, fora os 4% que já controlava na Crimeia. Kiev rejeita isso, mas a tensão e a contínua crise energética acerca do gás russo na Europa pode pressionar governos.>
A renovada ameaça nuclear vem um dia depois de a Otan, aliança militar liderada pelos EUA, iniciar seu exercício anual de simulação de ataques atômicos táticos. O Steadfast Noon se desenrola na Bélgica, Reino Unido e mar do Norte, envolvendo 60 aviões, incluindo bombardeiros estratégicos B-52.>
Para complicar, a Otan espera para os próximos dias o começo da simulação anual russa, o Grom-2022, que em outras edições envolveu várias forças estratégicas, com lançamento de mísseis e emprego de submarinos.>
Adicionando mistério ao clima carregado, o secretário de Defesa britânico, Ben Wallace, cancelou inesperadamente uma ida ao Parlamento e viajou para Washington para discutir questões de segurança. Segundo seu adjunto, James Heappey, disse à TV Sky News, Wallace "estava indo ter o tipo de conversa que... é inacreditável mesmo, o fato é que estamos em um tempo em que esse tipo de conversa é necessária".>
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