Publicado em 9 de julho de 2020 às 08:44
O governo Jair Bolsonaro enfrenta resistências no Congresso dos Estados Unidos devido à percepção de que traz riscos à democracia, aos direitos humanos e ao ambiente.>
A avaliação está na nova versão do documento de análise interna das relações Brasil-EUA feito pelo CRS (Serviço de Pesquisa do Congresso, na sigla inglesa).>
"Apesar de parecer haver considerável apoio no Congresso para formar uma parceria estratégica de longo prazo com o Brasil, muitos membros [das Casas] podem relutar em fazer avançar grandes acordos comerciais bilaterais ou iniciativas de segurança no curto prazo", escreve o especialista em América Latina Peter J. Meyer, que assina o documento.>
Isso por causa "de suas preocupações acerca da erosão da democracia, direitos humanos e proteções ambientais sob Bolsonaro".>
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O órgão, que existe desde 1914, é responsável por alimentar 435 membros da Câmara e 100 do Senado com informações sobre temas discutidos nas duas Casas. Ele capta também as posições de congressistas, mas não dita políticas.>
O CRS não é ligado aos dois partidos dominantes, o Republicano, do presidente Donald Trump, e o Democrata, do seu desafiante na eleição de novembro, Joe Biden.>
O documento, com 26 páginas, teve sua atualização publicada no domingo (6). Nele, inexiste o mundo pintado pelo Itamaraty do chanceler Ernesto Araújo, no qual a declarada admiração e a proximidade com as políticas de Trump geram frutos políticos inquestionáveis.>
Bolsonaro, desde seu primeiro discurso após vencer as eleições em 2018, elegeu o americano como ídolo e nunca perde a oportunidade de prestigiar o aliado -no sábado (4), participou da festa da independência americana na embaixada em Brasília.>
Como Meyer lembra, isso tem sido criticado internamente pelos sucessivos episódios em que Trump esnobou Bolsonaro, ainda que tenha havido progressos em algumas áreas como defesa e segurança.>
"As relações se aproximaram desde 2019, já que a política externa do presidente Bolsonaro priorizou o alinhamento à administração Trump. Mesmo assim, diferenças de políticas surgiram acerca de questões sensíveis", diz o texto.>
Entre elas, barreiras de comércio bilateral e a questão da relação com a China, adversária estratégica dos EUA.>
Desde o começo do governo, há divergências internas em relação à potência asiática. A ala dita ideológica, que tem Ernesto como expoente, quer se afastar de Pequim pelo fato de a ditadura local ser comunista e aliada do que considera globalismo.>
Outro prócer da turma, o filho presidencial Eduardo, arrumou um imbróglio diplomático quando endossou críticas à gestão da pandemia do novo coronavírus pelos chineses.>
Já setores mais pragmáticos, notadamente a Agricultura, liderada pela ministra Tereza Cristina, e militares no governo como o vice-presidente Hamilton Mourão, acenam sempre que possível ao maior parceiro comercial brasileiro.>
O próximo foco da disputa será na permissão para que a chinesa Huawei forneça infraestrutura de redes 5G no país, algo que os EUA querem impedir sob alegação de risco de segurança de dados.>
Aqui, o texto lembra que isso poderá colocar em risco os acordos de defesa e segurança estabelecidos desde que o Brasil virou parceiro militar preferencial americano, fora do escopo da Otan (a aliança ocidental).>
Também é lembrado que há uma resolução na Câmara pedindo o fim do status e de parcerias militares devido ao prontuário brasileiro de direitos humanos, ao mesmo tempo em que alguns congressistas pedem maior proximidade.>
O texto faz um resumo sintético da história política brasileira recente e busca explicar a ascensão de Bolsonaro em termos didáticos.>
Passa pela exaustão do petismo e da política tradicional, a Operação Lava Jato, o petrolão e a prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).>
"Bolsonaro buscou manter sua base política mobilizada assumindo posições conservadoras em questões culturais e atacando verbalmente a quem vê como inimigos", diz o texto.>
Ele enumera a mídia, ONGs e outros Poderes como tais inimigos, lembrando das polêmicas participações do presidente em atos antidemocráticos. Isso colocou as instituições sob "estresse adicional", diz o texto.>
"Os ataques ficaram mais estridentes desde março de 2020 devido ao amplo escrutínio sobre a resposta errática à pandemia da Covid-19 e as tentativas alegadas de interferir em investigações legais para proteger sua família e aliados [o caso apurado de interferência para trocar chefias da Polícia Federal, que tirou Sergio Moro do governo].">
O negacionismo esposado pelo presidente em relação ao novo coronavírus, que acabou por infectá-lo, é destacado também.>
"A politização da pandemia e a falta de coordenação entre diferentes níveis de governo podem ter contribuído para a resposta ineficaz do país", uma crítica que valeria para o governo Trump.>
Para desgosto das pretensões de Ernesto, o texto diz que questões internas deverão "limitar a habilidade de o Brasil assumir sua responsabilidade regional ou exercer sua influência internacionalmente nos próximos anos".>
É explorada a adoção de uma agenda liberal e de linha-dura na área de segurança pública, ambas com dificuldades de avançar.>
Como seria esperado, há três trechos do documento expressando as críticas existentes à política ambiental de Bolsonaro, dominantes na oposição democrata ante ideias semelhantes defendidas por Trump.>
Mas o texto é sóbrio, com as posições defendidas por Bolsonaro delineadas, além de contemplar argumentações de críticos e apoiadores do governo na maior parte dos temas.>
Ao fim, o Brasil do presidente sai mal na foto lida pelos congressistas. Os republicanos dominam o Senado (53 membros), enquanto os democratas, a Câmara dos Representantes (233 deputados).>
Textos como o de Meyer são usados para embasar discussões sobre transferências de recursos americanos para o Brasil ou acerca de leis que afetam as relações bilaterais.>
"As desavenças sugerem que os governos precisam engajar consultas mais extensivas e medidas de construção de confiança", diz a peça.>
Isso se "quiserem evitar o padrão histórico das relações EUA-Brasil, no qual expectativas exacerbadas dão lugar a desapontamento e desconfiança mútuas".>
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