Publicado em 14 de dezembro de 2023 às 11:38
SÃO PAULO - Com a confiança renovada após uma série de boas notícias no campo de batalha e na política, Vladimir Putin afirmou nesta quinta (14) que a Guerra da Ucrânia só vai acabar quando a Rússia "atingir seus objetivos, que não mudaram" desde a invasão do vizinho em fevereiro de 2022.>
"Vou lembrá-lo do que estamos falando: a desnazificação da Ucrânia, sua desmilitarização, seu status neutro", afirmou ao responder uma questão na sua entrevista coletiva de fim de ano, tradição que havia sido quebrada no ano passado, sob o peso do insucesso russo na guerra naquele momento.>
Putin fundiu o evento com outro, a tomada de perguntas de cidadãos selecionados por toda a Rússia, e encheu o pavilhão de congressos Gostini Dvor ("sala de estar"), a um quarteirão do Kremlin, com 600 jornalistas — inclusive alguns ocidentais, que também têm as eventuais questões submetidas ao governo antes de fazê-las.>
Tudo isso visou dar um verniz de renovado ímpeto ao russo, não por acaso uma semana após ele dizer que irá disputar a reeleição em março, um segredo de polichinelo, mas tudo dentro do teatro político. A Ucrânia até tentou aguar o chope de festa lançando nove drones contra Moscou na madrugada, mas eles foram abatidos.>
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Putin falou como se estivesse nos dias de abertura da guerra, quando parecia que ia conquistar Kiev em horas — percepção dividida com o Ocidente, que, quando viu o fracasso tático dos russos, com tropas insuficientes e técnicas obsoletas, colocou todas as fichas na resistência de Volodimir Zelenski.>
"Sobre a desmilitarização, se eles não quiserem chegar a um acordo, então nós seremos forçados a tomar outras medidas, incluindo militares. Ou iremos concordar sobre certos termos", afirmou, dizendo que a Rússia estava pronta para isso nas conversas que ocorreram com os ucranianos em Istambul, que foram abandonadas por Kiev porque implicariam tornar o país uma área neutra entre Moscou e a Otan (aliança militar ocidental), além de prever perda territorial.>
Hoje, 20% da Ucrânia está ocupada, a contraofensiva lançada por Zelenski em junho fracassou e Putin está pressionando no leste do país, levando a uma crescente onda de desânimo entre seus apoiadores — que, nas contas do Instituto para Economia Mundial de Kiel (Alemanha), deram até outubro R$ 1,2 trilhão em ajuda aos ucranianos, equivalente a praticamente todo o PIB do país europeu antes da guerra.>
Isso levou Zelenski a voar aos EUA para pedir que o Congresso não siga bloqueando a ajuda prevista pelo governo Joe Biden para 2024, de R$ 300 bilhões, sem sucesso até aqui. Putin tripudiou da situação no campo militar, dizendo que "os brindes uma hora vão acabar", acerca das armas ocidentais dadas a Kiev.>
Putin falou pela primeira vez em número de soldados envolvidos no conflito, mas não em perdas. São impressionantes 617 mil, segundo ele, número alimentado em parte pelos 486 mil contratados e voluntários amealhados pelo Kremlin, além dos 320 mil reservistas que foram mobilizados no fim de 2022 para suprir a carência crônica de forças nas frentes.>
Antes do conflito, o Instituto Internacional de Estudos Estratégicos contava 900 mil militares na Rússia toda. No ano passado, Putin fez o número saltar a 1,2 milhão, com a ampliação da base de forças profissionais, não conscritas.>
Como a mobilização de 2022 foi muito impopular, com protestos e fuga de jovens do país, o presidente mudou de tática. Nesta quinta, reafirmou que "não há necessidade" de medidas como aquela neste momento.>
A Ucrânia contava na virada do ano, segundo o instituto, com 688 mil militares eram 200 mil antes da invasão, e toda sua população masculina de 18 a 60 anos, algo como 15 milhões de pessoas, está sujeita a mobilização.>
Houve espaço para comentar lateralmente o motim dos mercenários do Grupo Wagner contra a cúpula militar em junho, de forma lateral, com Putin dizendo que essas entidades seguem ilegais e que seus integrantes estão agora sob o comando do Ministério da Defesa. Ele também ouviu questões acerca das condições no campo de batalha.>
No mais, Putin retomou todos os temas de seus discursos sobre o conflito, que considera culpa do Ocidente devido à expansão da Otan rumo às fronteiras russas após o fim da União Soviética em 1991.>
Impedir a adesão da Ucrânia e outros países ex-soviéticos ao clube americano é um imperativo estratégico russo há muitos anos, expresso quando o russo travou uma guerra com a pequena Geórgia em 2008 e anexou a Crimeia, em 2014.>
Para temor daqueles que acreditam que Putin não se irá se satisfazer em fatiar o leste e o sul da Ucrânia num acordo de paz, apesar de usar o eufemismo "operação militar especial" para o conflito, Putin disse que ele "é uma guerra civil, porque russos e ucranianos são um só povo", enfatizando que o principal porto do vizinho, Odessa, "é uma cidade russa".>
Ele já fez isso antes, mas o tom triunfal contrasta com o recolhimento após o fracasso em subjugar Kiev em 2022. Até a desnazificação, algo fantasioso apesar de a Ucrânia ter elementos neonazistas em suas Forças Armadas, foi lembrada, com o episódio do veterano ucraniano das SS de Adolf Hitler que foi homenageado numa visita de Zelenski ao Parlamento do Canadá.>
Putin falou sobre diversos temas por quatro horas. A última questão, do colunista do jornal Kommersant Andrei Kolesnikov, era sobre o que ele diria ao Putin dos anos 2000, quando chegou ao poder. "Você está no caminho certo, camarada. Eu me advertiria sobre ingenuidade excessiva e confiança acerca dos seus ditos parceiros", afirmou ele, traído pelo mercenário Ievguêni Prigojin no motim de junho.>
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