Publicado em 17 de agosto de 2021 às 16:31
A esquadrilha de aviões de ataque leve A-29 Super Tucano da brasileira Embraer operada pela Força Aérea do Afeganistão vive uma saga desde que o Talibã acelerou a tomada do país, consolidada com a ocupação de Cabul no domingo (15). >
Dos 23 aparelhos que estavam em território afegão, ao menos 14 foram levados para o Uzbequistão, e um deles caiu durante a operação. Os restantes têm destino incerto, segundo avaliação do Departamento de Defesa dos EUA colhida pela reportagem. >
O que é certo é que pelo menos um dos aviões está nas mãos do Talibã, segundo informações da inteligência militar americana. No Twitter, emergiu uma foto feita na base aérea de Mazar-i-Sharif com talibãs à frente de um aparelho. >
O avião que caiu foi abatido pelas defesas antiaéreas uzbeques, segundo agências de notícias russas, ou se chocou com um caça MiG-29 do país, que o acompanhava. Seja como for, os dois pilotos afegãos do Super Tucano sobreviveram e estão em um hospital em Termez, capital da província de Surkhondario. >
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A aeronave fazia parte de um grupo de 22 aviões e 24 helicópteros militares que escaparam entre o sábado (14) e o domingo, dia da queda do governo de Ashraf Ghani. Eles violaram o espaço aéreo uzbeque em busca de refúgio e é provável que tenham sido pilotados à revelia dos superiores dos aviadores. >
Os aviões brasileiros foram produzidos nos EUA pela Embraer e entregues à sua parceira local, a Sierra Nevada, que os forneceu ao governo. Eles foram adquiridos por US$ 428 milhões, em um lote de 20 em 2011, que começou a operar cinco anos depois, e em outro de 6 unidades, por US$ 130 milhões em 2017. >
O fato de alguns Super Tucano e pelo menos 91 helicópteros terem ficado para trás não significa necessariamente que agora eles voem pela Força Aérea do Talibã. Alguns fatores concorrem para isso. >
Primeiro, no caso dos caças brasileiros, pilotos. Desde que começou a fornecer os aviões para os afegãos, Washington tratou de formar aviadores e técnicos. O programa terminou em novembro passado com cerca de 30 pilotos e 90 homens de apoio capacitados. >
Como eram um dos principais diferenciais das Forças Armadas afegãs na luta contra os insurgentes, por sua operação em ambientes hostis e específica para operações contra alvos pequenos e móveis, os Super Tucano passaram a ser alvo de uma campanha particular do Talibã. >
Pelo menos 7 dos 30 pilotos foram mortos em atentados, assim como familiares de outros militares, o que gerou um clima crescente de tensão, com relatos de deserção. Ainda assim, os EUA prometeram em julho entregar mais três aeronaves para Cabul, o que evidentemente não irá mais acontecer. >
Além disso, os afegãos podem ter sido orientados pelos americanos a desabilitar sistemas de armas, que são controlados por software, dos aviões. Eles podem até voar dessa maneira, mas atirar é outra história, que passa também pela existência de munição suficiente. >
Em junho, o Parlamento afegão fez um relatório dizendo que faltavam bombas com guiagem a laser no inventário da Força Aérea, devido ao alto uso contra os talibãs. >
Por fim, aviões precisam de manutenção constante e preventiva, que no Afeganistão era feita pelos poucos técnicos e por muitos subcontratados americanos - a Embraer não trabalhava diretamente no país. Essa torneira estará fechada para o Talibã. >
O que não significa que o butim militar herdado pelos militantes islâmicos não seja enorme. Uma das crises da avaliação errada do avanço militar talibã é que os americanos não tiveram tempo de proteger ou retirar todo o material bélico que tinham no país. O governo americano previa um cerco a Cabul para daqui a 30 dias, mas a capital caiu duas semanas depois do início da ofensiva final. >
Além disso, os estimados US$ 90 bilhões gastos com equipamentos para as forças aliadas afegãs agora foram apropriados. Assim, é possível ver caminhões blindados patrulhando ruas em Herat e picapes da polícia nacional afegã com talibãs na caçamba em Cabul. >
Havia uma força considerável de blindados, 1.013 unidades, nas mãos do governo derrubado, além de 775 peças de artilharia - enquanto os militantes costumam confiar mais nos seus fuzis AK-47 e nos RPG (lançadores de granada propelida por foguete). Novamente, todo esse equipamento precisa ser operado, mas o grau de complexidade é infinitamente menor do que aquele de caças ou helicópteros modernos. >
Nesta segunda (16), com a poeira ainda densa no ar dos eventos do domingo, o Talibã informou que pretende oferecer anistia total a soldados afegãos que tenham lutado contra o grupo fundamentalista, desde que se filiem a ele. >
Como os ocupantes americanos não eram exatamente populares entre as tropas, e o medo de represálias está se espalhando pelo país, é bem provável que a adesão seja maciça. O Talibã poderá ter o que nunca teve, nem em sua encarnação como governo (1996-2001): um Exército de fato. >
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