Publicado em 14 de maio de 2020 às 16:42
Fabricante do antiviral remdesivir, que apresentou resultados modestamente positivos no tratamento contra a Covid-19, o laboratório americano Gilead abriu mão da patente sobre o medicamento para facilitar seu acesso em 127 países. O Brasil, porém, foi excluído da lista. >
Em comunicado divulgado na terça-feira (12), a empresa disse que assinou acordos de licenciamento voluntário com cinco companhias farmacêuticas especializadas na produção de genéricos, todas com sede na Índia ou no Paquistão.>
"Pelo acordo de licenciamento, as empresas têm direito de receber transferência de tecnologia do processo de manufatura do remdesivir para que a produção possa escalar mais rapidamente", afirmou a Gilead no comunicado.>
>
O efeito esperado da decisão de abrir mão da patente é acesso mais fácil e barato ao medicamento nos locais contemplados.>
As empresas que assinaram o acordo com o laboratório são Cipla, Ferozsons, Hetero, Jubilant e Mylan. Elas poderão fixar o preço do produto genérico para venda nos países em que atuarem, a maioria nações pobres de América Latina, Ásia e África.>
A lista também inclui alguns países de renda média, potências regionais e Estados emergentes, como África do Sul, Egito, Nigéria, Índia, Indonésia, Paquistão, Tailândia e Ucrânia.>
Países ricos ficaram de fora. Na América do Sul, apenas Guiana e Suriname foram incluídos.>
O laboratório afirmou à reportagem que a decisão sobre os países contemplados pelo licenciamento voluntário foi baseada na lista do Banco Mundial que define países de baixa e média renda, "com a inclusão de algumas exceções".>
Não houve explicação específica da razão pela qual o Brasil ficou de fora.>
O acordo vale enquanto a Organização Mundial da Saúde mantiver a classificação da crise do coronavírus como pandemia, ou até que surja uma vacina ou remédio mais eficaz para a doença.>
Concebido inicialmente para casos de ebola, o remdesivir apresentou bons resultados no tratamento à Covid-19, reduzindo os prazos de internação de doentes em média em quatro dias.>
Em 1º de maio, a FDA, agência norte-americana que regula medicamentos, autorizou o uso emergencial da droga para tentar amenizar os efeitos da pandemia no país, líder de casos e mortes pelo vírus.>
No Brasil, o uso do remdesivir ainda não é permitido. Segundo a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), houve uma primeira reunião com a Gilead no último dia 6 de maio para discutir a comercialização do antiviral no mercado brasileiro.>
"A Gilead tem vários ensaios clínicos em andamento para o remdesivir, com dados iniciais esperados nas próximas semanas. Caso o benefício do medicamento se comprove, a Anvisa possui mecanismos para garantir o acesso célere do medicamento à população", afirmou a agência em nota.>
O laboratório informou que "o plano global de submissão para remdesivir, incluindo o Brasil, está em fase de discussão interna". Não há prazo para uma definição.>
Para Pedro Vilardi, coordenador do Grupo de Trabalho sobre Propriedade Intelectual, a Gilead levou em conta apenas interesses mercadológicos, ou seja, o lucro que poderá ter vendendo diretamente o produto no Brasil.>
Segundo ele, poderia ter sido considerado o fato de que o Brasil, mesmo sendo um país de renda média, tornou-se um dos epicentros mundiais da pandemia nas últimas semanas.>
"A boa vontade do laboratório não funciona para garantir acesso equitativo para as populações. O que a gente esperava é que, no maior desafio de saúde do século, o laboratório tivesse um comportamento diferente", afirmou ele.>
Segundo Vilardi, o fato de a empresa ter decidido manter a exclusividade na comercialização do medicamento no Brasil, quando autorizado pela Anvisa, significa risco grande de escassez do produto.>
"A Gilead dificilmente será capaz de produzir sozinha o remdesivir para o Brasil, porque Europa e EUA ainda estão enfrentando a doença e demandarão o medicamento em grande quantidade", afirma.>
Embora os resultados apresentados pela droga sejam modestos, qualquer redução de tempo de tratamento numa situação de sistemas de saúde à beira do colapso faz diferença, diz ele.>
Com apoio do Grupo de Trabalho sobre Propriedade Intelectual, coletivo de organizações da sociedade civil, um projeto de lei foi apresentado na Câmara por 11 deputados federais de 8 partidos diferentes para quebrar patentes de medicamentos e insumos necessários ao combate à pandemia. O projeto ainda não entrou em pauta, no entanto.>
A Gilead ainda não definiu o preço do remédio. Um tratamento em geral dura entre cinco e dez dias.>
Procurado, o Ministério da Saúde afirmou que se reuniu com o laboratório em 8 de maio, mas não foi comunicado da exclusão do Brasil da decisão de abrir mão da patente sobre o remdesivir.>
A pasta diz que "tem acompanhado diariamente todas as publicações científicas e evidências sobre tratamentos para pacientes com Covid-19, inclusive no que refere aos processos para possível disponibilização dessas tecnologias no SUS".>
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rápido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem.
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta