Publicado em 20 de setembro de 2020 às 16:16
O centro comercial de Martinsburg, na Virgínia Ocidental, é uma espécie de Disneylândia do discurso trumpista, onde não são necessários nem três minutos para achar um eleitor fervoroso do presidente americano.>
Caminhando entre lojas e supermercados, homens e mulheres desfilam camisetas com frases a favor da posse de armas e bonés que pedem para "Fazer a América Grande de Novo", slogan da campanha à reeleição de Donald Trump.>
Na manhã de segunda-feira (14), Betty Grandel estacionou seu carro com um enorme adesivo em apoio ao presidente e repetiu um discurso que poderia ter sido feito de dentro da Casa Branca.>
"Trump não deve ser julgado pela pandemia. Temos lutado contra o coronavírus, temos a melhor economia em anos, emprego e acordos comerciais que economizaram muito dinheiro aos EUA.">
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Betty diz que sua vida melhorou na gestão Trump, mas sua cruzada por valores conservadores é o que a mantém fiel a ele. Aos 70 anos, ela defende a manutenção do direito à posse de armas, que está na Constituição americana --e é uma das bandeiras de Trump--, nega que haja racismo sistêmico nos EUA e se diz contrária ao aborto, legalizado em alguns estados, mas não na Virgínia Ocidental.>
"Abortar é assassinar. Eu não pensava assim quando era mais jovem, mas agora vejo que estão matando crianças [quando fazem o procedimento]", afirma para, em seguida, acrescentar sua percepção sobre os protestos antirracismo que tomaram o país.>
"Foi uma pena que o homem negro morreu", diz Betty, em referência a George Floyd, que foi asfixiado por um policial branco em Minnesota. "Mas essa questão de brancos e negros é voltar a 1960, quando havia segregação racial e era terrível. Hoje as pessoas não ligam para a sua cor. Estão usando isso politicamente para separar as raças. Isso não é racismo, é má política.">
De maioria branca e rural --92% do 1,8 milhão de habitantes da Virgínia Ocidental são brancos e 64% vivem em áreas rurais--, o estado reflete a influência que a narrativa conservadora ainda exerce sobre parte importante da base de Trump, mesmo diante da pandemia que já matou mais de 195 mil pessoas e deixou milhões de desempregados.>
Em 2016, o republicano venceu em todos os 55 condados de Virgínia Ocidental e derrotou Hillary Clinton no estado por 67,9% a 26,2%. Em novembro, Trump espera repetir a performance, ampliando o número de pessoas que foram às urnas há quatro anos.>
No segundo maior condado da região, onde fica Martinsburg, mesmo eleitores que se dizem independentes ou que já votaram em democratas seguem o roteiro a favor das armas e minimizam a responsabilidade de Trump na crise.>
"Ninguém nunca satisfaz a todos. Qualquer coisa que Trump fizesse [em relação à pandemia], iria ser xingado", diz Tom Byers.>
Membro da NRA (Associação Nacional do Rifle), mais poderoso grupo de lobby pró-armas nos EUA, o aposentado de 65 anos se classifica como um eleitor independente que escolhe "pessoas, e não partidos" no dia da votação. Mas alguém que defende ferozmente o direito a armas, explica, vai ter sempre sua confiança.>
A poucos quilômetros dali, no subúrbio, o democrata Jim Mullen preparava cachorro-quente em sua churrasqueira enquanto tentava fazer o diagnóstico sobre o voto de pessoas como Byers.>
"A Virgínia Ocidental é socialmente conservadora. Trump aposta na raiva das pessoas, no discurso anti-aborto e a favor das armas, dos valores da família e no racismo para conquistá-las", diz.>
Para Mullen, o fato de o coronavírus não ter atingido o estado de forma grave --foram 12,8 mil casos e 275 mortes até agora-- é um elemento importante para o negacionismo trumpista na região.>
A Virgínia Ocidental não elege um democrata para a Casa Branca desde 1996, mas Mullen reclama da ausência de Joe Biden no estado.>
"Biden sabe que não tem chances aqui, mas políticos só pensam no hoje, não no amanhã. As coisas poderiam mudar devagar.">
No passado, a Virgínia Ocidental tinha prestígio entre democratas, principalmente por sua tradição sindicalista --o sul do estado era forte produtor de carvão, atividade que entrou em decadência, mudando o cenário.>
Pesquisa da WPA Intelligence mostra que Trump lidera na Virgínia Ocidental com cerca de 66% ante 31% de Biden. Nacionalmente, o democrata está na frente --50,5% a 43,5%, de acordo com o site Five Thirty Eight.>
O entregador Dave, 38, não quis dar o sobrenome, mas celebra os números e resume por que a Virgínia Ocidental deve reeleger o presidente com ampla vantagem.>
Para ele, os americanos vão perceber que as três principais crises que assolam os EUA hoje --pandemia, recessão econômica e questão racial-- não são tão graves e que o racismo só voltou à pauta com a eleição de Barack Obama, primeiro presidente negro do país.>
Dave afirma que, ao demonstrar empatia com o assassinato de Trayvon Martin, um jovem negro morto por um segurança em 2012, Obama "usou a carta racial e começou tudo isso". Na ocasião, Obama disse que Martin poderia ser ele e, meses depois, ativistas fundaram o movimento Black Lives Matter, que hoje lidera a maior parte dos atos contra o racismo no país.>
"Quando se é presidente dos EUA, não tem raça, não tem nacionalidade, não tem gênero. Trump só vê uma cor, que é verde. Todo mundo sabe disso", afirma Dave, em referência às cédulas da moeda americana. "Ele não é político, é um homem de negócios que não precisa encher o bolso.">
A Virgínia Ocidental tem só 5 dos 270 votos necessários no Colégio Eleitoral para vencer em novembro, mas reflete o discurso que mobiliza redutos conservadores no país. Em uma eleição disputada, a ampliação da base fiel de Trump será fundamental para que o republicano permaneça na Casa Branca.>
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