Um vídeo de caráter homofóbico, pedindo voto para a mudança que entroniza na Constituição a definição de casamento como algo entre homem e mulher, está provocando críticas na Rússia.
A peça foi divulgada em redes sociais pelo grupo Patriota, uma ONG que tem Ievguêni Prigojin como principal nome. O empresário é um aliado próximo do presidente Vladimir Putin.
No vídeo, um rapaz chega a um orfanato em 2035 para adotar um garoto, deixando as assistentes sociais enlevadas. Quando todos saem do prédio, o menino pergunta "Onde está a mamãe".
"Aqui está sua nova mãe, não fique chateado", o pai responde. Aí, um outro homem, com roupas femininas, sai do carro e oferece um vestido para o garoto, deixando as assistentes em choque.
A alteração legal proposta por Putin no começo do ano, e aprovada pelo Parlamento, visa permitir ao presidente que volte a se candidatar ao cargo em 2024 e, se reeleito, em 2030, estendendo potencialmente seu reinado, iniciado há 20 anos, até 2036.
Em 1º de julho, apesar de a Rússia ser o terceiro país com mais casos de Covid-19 do mundo, um referendo irá decidir sobre a adoção da medida. Mas o russo colocou outros itens, inclusive um artigo que define casamento como uma instituição heterossexual, além de estabelecer a Rússia como um país temente a Deus.
O casamento gay já é proibido na Rússia. Em 2018, um casal de homens conseguiu registro em Moscou a partir de uma brecha legal, validando sua certidão obtida na Dinamarca. Marchas de orgulho LGBT acontecem cada vez menos, já que desde 2012 são reprimidas em locais como a capital russa.
Isso tudo faz parte da guerra cultural que Putin, hoje em seu quarto mandato, acirrou a partir de sua volta ao Kremlin após um período como premiê de 2008 a 2012.
De lá para cá, a Rússia tornou-se muito mais assertiva no cenário internacional, como a anexação da Crimeia em 2014 mostra, e Putin buscar reforçar sua noção de identidade nacional.
Valores da Igreja Ortodoxa viraram questão de Estado, com a proximidade da hierarquia eclesiástica do Kremlin. Um dos pontos atacados por ambos é a homossexualidade, cuja promoção é tratada por Putin como um sinal da decadência ocidental.
Assim, em 2013 Putin fez passar leis criminalizando o que chama de "propaganda gay para menores", algo amplamente criticado no Ocidente. Enquanto há clubes LGBT mais ou menos disfarçados em grandes centros como Moscou, em regiões como a Tchetchênia a repressão é brutal.
O líder opositor Alexei Navalni postou uma crítica ácida à peça no Twitter, e a rede social VKontakte, o Facebook russo, está em polvorosa.
A pressão contra a união homossexual e a adoção de crianças por casais do mesmo sexo encontra bastante eco na sociedade russa.
Pequisa do Centro Levada, instituto de opinião pública independente e criticado pelo Kremlin, mostrou que em 2018 83% dos russos viam a homossexualidade como repreensível. Dez anos antes, eram 76% e, em 1998, 68%.
O porta-voz do Patriota, Nikolai Stoliartchuk, divulgou uma nota negando que haja homofobia no vídeo. Disse que apenas está defendendo a família segundo valores russos.
Prigojin, o patrono do grupo, é conhecido como o "chef de Putin", porque uma empresa sua fornecia refeições e banquetes no Kremlin.
Sua proximidade, contudo, é maior. Ele é acusado de fomentar o Grupo Wagner, organização militar que fornece mercenários para operações de Moscou em locais como a Síria e a Líbia. Ele nega tais laços, que o levaram a sofrer sanções econômicas e criminais dos EUA.
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