> >
Brasil se abstém em votação na ONU contra discriminação de mulheres

Brasil se abstém em votação na ONU contra discriminação de mulheres

Durante as fases de negociação ocorridas nesta sexta (17) o país se alinhou a nações ultraconservadoras como Egito, Paquistão e Arábia Saudita

Publicado em 17 de julho de 2020 às 17:24

Ícone - Tempo de Leitura 0min de leitura
Organização das Nações Unidas (ONU)
Organização das Nações Unidas (ONU). (Divulgação | Facebook)

O Brasil decidiu se abster nesta sexta (17) na votação de um relatório do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas sobre discriminação contra mulheres e meninas.

A resolução, que busca estabelecer parâmetros para eliminar o preconceito, foi proposta pelo México e orienta os Estados a tomarem medidas para solucionar o problema, incluindo possíveis impactos da pandemia sobre as mulheres.

Na fase de negociações, a representação brasileira alinhou-se a nações ultraconservadoras como Egito, Paquistão e Arábia Saudita. O Brasil sugeriu mudanças ao texto em conjunto com esses países -- mas durante a fase de votação de emendas preferiu se abster.

Rússia, Egito e Arábia Saudita sugeriram cinco emendas ao relatório final. Elas suprimiriam as orientações para que os países reconheçam jovens defensoras de direitos humanos, promovam a educação sexual universal, garantam os direitos reprodutivos, assim como o acesso aos serviços e à informação sobre saúde sexual e reprodutiva durante a pandemia do novo coronavírus.

A maior parte dos países votou contra, e nenhuma delas foi aprovada. O Brasil se absteve nas cinco oportunidades, inclusive na votação de emenda russa que incluía sugestão dada pela própria delegação brasileira durante as negociações.

A emenda propunha a supressão de um trecho que orienta os Estados a garantir acesso a informações e serviços de saúde sexual e reprodutiva na resposta à pandemia.

Ao deixar de votar, o Brasil se juntou a Líbia, Congo e Afeganistão, entre outros países ultraconservadores em questões de gênero.

Segundo Camila Asano, diretora da Conectas Direitos Humanos, o Itamaraty tentou "se esconder atrás da estratégia de abstenção".

O problema é que, segundo ela, a abstenção em tanto peso prático - já que influencia o resultado se o placar for apertado - quanto simbólico.

"A diplomacia de Bolsonaro passou vexame duplo. Fracassou no seu objetivo de barrar a resolução e condenou o Brasil a ficar nos registros históricos da ONU como país que se absteve junto com Líbia, Afeganistão e Qatar em votações sobre direito das mulheres", afirmou Asano.

Na fase de negociações, o Brasil também se juntou a países ultraconservadores e pediu a eliminação de três parágrafos inteiros.

Em um deles, o país se juntou à Rússia contra trecho que reafirma que o acesso das mulheres aos direitos humanos inclui "direitos e saúde sexual e reprodutiva, livre de coerção, discriminação e violência."

Em outro, se juntou a Egito, Paquistão, Nigéria, Bangladesh, Rússia, Bahrein, Arábia Saudita, Suazilândia, e Indonésia para ir contra o reconhecimento de que os "indívíduos têm múltiplas identidades, atributos e comportamentos", e que isso resulta em diferentes tipos de discriminação, aumentando a vulnerabilidade das mulheres.

No terceiro item, alinhou-se a Egito, Paquistão, Iraque, Bangladesh, Rússia, Bahrein, Arábia Saudita e Qatar pedindo a eliminação do reconhecimento de diversos direitos das mulheres em relação à contracepção, ao aborto (em países que ele é permitido por lei) e a programas de prevenção a gravidez e doenças sexualmente transmissíveis.

As sugestões brasileiras não obtiveram sucesso, e nenhum dos três parágrafos foi excluído do texto final do relatório.

Um deles chegou a ser modificado, mas, em vez de ser excluído, teve seu alcance ampliado.

Com as emendas derrubadas, o relatório foi adotado por consenso.

Nas considerações finais, Sérgio Rodrigues, representante da missão permanente do Brasil junto à ONU, afirmou que a luta contra a discriminação contra mulheres e meninas é uma prioridade para o governo brasileiro, e que a resolução ressalta a importância de abordar as "múltiplas formas interconectadas de discriminação".

Rodrigues elogiou ainda o destaque dado ao papel fundamental das famílias no texto final e reiterou a posição do país em relação à linguagem sobre saúde sexual e reprodutiva.

"Em nenhuma circunstância, o texto deve ser interpretado como promoção e apoio ao aborto como método de planejamento familiar", afirmou.

"O Brasil promove políticas de saúde sexual e reprodutiva integrais, dentro da estrutura bem estabelecida na legislação nacional", completou.

No ano passado, a Folha revelou que diplomatas receberam instruções oficiais do comando do Itamaraty para que, em negociações em foros multilaterais, reiterem "o entendimento do governo brasileiro de que a palavra gênero significa o sexo biológico: feminino ou masculino".

A teoria de gênero estabelece que gênero e orientação sexual são construções sociais, e não apenas determinações biológicas. Já para segmentos da direita, a "ideologia de gênero" é um ataque ao conceito tradicional de família.

Este vídeo pode te interessar

Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rapido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem

Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta

A Gazeta integra o

The Trust Project
Saiba mais