• Maria Sanz

    É artista e escritora, e como observadora do cotidiano, usa toda sua essência criativa na busca de entender a si mesma e o outro. É usuária das medicinas da palavra, da música, das cores e da dança

Crônica: Sobre abrir mão do controle

Publicado em 27/08/2023 às 08h00
Mulher meditando

Só devemos ajudar uma pessoa a partir do momento em que se verificar que ela já fez alguma coisa para ajudar a si mesma. Crédito: Shutterstock

Antes, uma breve história:

"Alguém se decide afinal a saber. Monta em sua bicicleta, pedala para o campo aberto, afastando-se do caminho habitual e seguindo por outra trilha. Como não existe sinalização, ele tem de confiar apenas no que vê com os próprios olhos diante de si e no que mede com seu avanço. O que o impulsiona é, antes de tudo, a alegria de descobrir. E o que para ele era mais um pressentimento, agora se transforma em certeza. Eis, porém, que o caminho termina, diante de um largo rio. Ele desce da bicicleta. Sabe que se quiser avançar, deverá deixar na margem tudo que leva consigo. Perderá o solo firme, será carregado e impulsionado por uma força que pode mais do que ele, à qual precisará entregar-se. Por isso hesita e recua."

Humanos... Fomos acostumados às garantias. Por isso duvidamos e reclamamos mesmo quando não precisa.

Mas sabe que sobre isso, aprendi uma lição que talvez sirva a todos nós: só devemos ajudar uma pessoa a partir do momento em que se verificar que ela já fez alguma coisa para ajudar a si mesma. Simples assim.

De modo que passo a contar outra história que só vai fazer sentido se você permitir.

Diz que certo dia, um discípulo perguntou ao mestre:

"Diga-me, o que é liberdade?"

"Qual liberdade?", perguntou o mestre... "A primeira liberdade é a estupidez. Lembra o cavalo que, relinchando, derruba o cavaleiro, só para sentir depois seu pulso ainda mais firme.

A segunda liberdade é o remorso. Lembra o timoneiro que, após o naufrágio, permanece nos destroços em vez de subir no barco salva-vidas.

A terceira liberdade é a compreensão. Ela sucede à estupidez e ao remorso. Lembra o caule que balança com o vento e, por ceder onde é fraco, permanece de pé."

Ambas histórias contadas pelo mestre Bert Hellinger, falam que o maior conhecimento, ou a maior liberdade possível, exige entrega.

Demanda de nós a sutil percepção de que para avançar é preciso soltar, renunciar, deixar ir e se desapegar dos temores, das ideia preexistentes e, principalmente, das intenções (inclusive as boas).

Perceba, quando estamos identificados com nossos medos, ideias ou (melhores) intenções, estamos tentando impor à realidade algo que é nosso – ou seja, estamos fazendo esforço para alterá-la como se ela fosse um objeto, e não o contrário.

Mas não tem jeito... A ordem é preexistente. Ela precede inclusive o amor.

De modo que não adianta levar a vida em desequilíbrio dando mais do que recebe ou recebendo mais do que pode "em nome do amor". Não adianta porque cedo ou tarde a natureza corrige o engano, exatamente como faz correnteza conduzindo o caminho das águas do rio até seu destino oceânico.

De modo que liberdade significa saber navegar, digo, envergar. Porque quando finalmente aprendemos a ceder aonde somos fracos; quando nos curvamos diante da ordem da natureza; quando dançamos ao som e à luz das constelações do Universo (ó grande Mistério), aí então estaremos no caminho certo: caminho do conhecimento.

Finalmente, ter sabedoria é poder confiar, é soltar, acreditar... Deixar que a força das águas nos conduza até a outra margem.

Eis a grande travessia.

Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de HZ.

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