• Maria Sanz

    É artista e escritora, e como observadora do cotidiano, usa toda sua essência criativa na busca de entender a si mesma e o outro. É usuária das medicinas da palavra, da música, das cores e da dança

Crônica: Alívio

Publicado em 31/07/2023 às 11h39
Maria Sanz: cronista fala sobre amizades, abraços e aeroportos

Maria Sanz: cronista fala sobre amizades, abraços e aeroportos. Crédito: Shutterstock

Quando o táxi parou na fila dupla, diante da porta do aeroporto, Malena deu um salto, bateu a porta e arrancou puxando a mala. Depois de quase atropelar um senhor que andava com uma calma filosófica, deixou cair a jaqueta no chão, mas nem percebeu e foi correndo para a fila de despacho de bagagem.

Afobada, ofegante, meio suada, sentiu-se ridícula, parada entre aquelas pessoas que calmamente aguardavam a vez e que, por pura distração, passaram a examiná-la de cima a baixo.

Ajeitou os cabelos, tentando controlar a respiração, e apanhou na bolsa o celular para conferir a hora. De repente, um rapaz de óculos espelhado tocou seu ombro: "Você deixou cair", mostrando a jaqueta jeans, bordada com uma rosa no meio das costas.

"Nossa! Nem vi cair, muito obrigada!". "Não foi nada", ele disse. E ficou ali, atrás dela na fila.

Malena amarrou a jaqueta na cintura, olhou para o rapaz e disse: "Ei, você se importa se eu te der um abraço?".  E ele, entre assustado e lisonjeado, assentiu com um sorriso.

Ela deu nele um abraço de verdade e sentiu um cheiro bom de banho tomado, misturado com perfume de homem e amaciante da camisa preta que ele usava. Depois ela se soltou do abraço dizendo, "Obrigada. Juro, precisava". Ele ficou vermelho (amarelo, azul e roxo), "Tudo bem, acho que eu também", disse bem baixinho, olhando para baixo.

Bastou. De repente, Malena estava mais calma, com um novo pressentimento de que tudo ia dar certo naquele dia.

Devagar, os dois engataram uma conversa que começou sobre "o mau hábito de viver atrasado"; continuou até o balcão do café do embarque, quando já falavam sobre "This is Us", o seriado; e seguiu até a aeronave, quando, após convencerem os comissários a remanejar seus lugares, sentaram-se juntos e seguiram o assunto... Física quântica, John Mayer, cachorros, gatos, e daí para baixo.

Sem perceber, disseram muito sobre a vida e suas histórias até ali; sobre os medos, as expectativas, e descobriram-se completamente diferentes e parecidíssimos ao mesmo tempo. Descobriram-se livres e desimpedidos, descobriram-se famintos (de vida).

É difícil descrever a magia (mesmo para uma espectadora fantasiosa como eu). Sei dizer que aconteceu... Ninguém podia supor, não tinha como ser planejado. Foi uma literal obra do acaso. Não tem o título de um filme que diz "o amor acontece"? (Malena passou a descobrir o sentido daquilo).

Na verdade, depois daquele voo, quando cada um foi para o seu lado, ela sentiu uma coisa estranha, uma vontade de repor um pedaço que nunca tinha faltado antes. Uma vontade urgente de contar para ele sobre o motorista de táxi que a havia levado até o hotel, um argentino que amava Elvis e tinha o carro todo decorado com dados.

Não fazia sentido sentir aquilo, mas era fortíssimo. Você sabe, não há quem explique. Enfim, distraídos pelo papo, esqueceram de trocar telefone, só Instagram.

E assim, no meio da tarde, passeando pela Vila Madalena, com a cabeça literalmente nas nuvens e um aperto no peito, Malena parou para tomar um chá. Pela vigésima vez, apanhou o celular, abriu o aplicativo e, finalmente, lá estava a bolinha azul no desenho do aviãozinho de papel que fica no canto superior direito. Tão precioso, digo, preciso... Era ele (ela sabia).

Pronto... quem é vivo conhece esse alívio.

Este vídeo pode te interessar

Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de HZ.

A Gazeta integra o

Saiba mais
Aeroporto Bem estar Fique bem
Viu algum erro?

Se você notou alguma informação incorreta em nosso conteúdo, clique no botão e nos avise, para que possamos corrigi-la o mais rápido o possível