Repórter / aline.almeida@redegazeta.com.br
Publicado em 1 de julho de 2025 às 16:30
Em tempos em que se discute tanto sobre identidade, liberdade e pertencimento, o filme "Homem com H", lançado em 2025 sob direção de Esmir Filho, surge como uma resposta poética, política e profundamente humana sobre o que é viver à margem das caixinhas. Mais do que uma cinebiografia, é uma celebração da existência plural e indomável de Ney Matogrosso.
Jesuíta Barbosa entrega uma das interpretações mais brilhantes do cinema brasileiro recente. Com 12 quilos a menos e uma preparação física e vocal intensa, ele percorre, com muita sensibilidade, as várias fases do cantor, dos tempos em que incendiava palcos com os Secos & Molhados à sua carreira solo, marcada por ousadia, vulnerabilidade e uma potência cênica incomparável.
É impossível não se impressionar com a forma como Barbosa encarna Ney: os trejeitos, o olhar, a postura corporal. Mas o que ouvimos nas canções é a própria voz de Ney, reforçando que, apesar da ficção, a essência está ali.
A produção, que custou R$ 18 milhões, não economizou em qualidade. A cenografia, o figurino, a ambientação de época: tudo compõe uma estética exuberante que faz jus ao personagem retratado. Ney sempre foi uma obra de arte viva, e o filme, à sua maneira, conseguiu refletir isso com dignidade e beleza.
É verdade que a obra tem mais de duas horas de duração e ainda assim não dá conta de retratar uma vida inteira. Faltam episódios, faltam contextos. Quem conhece a trajetória do artista sente falta de momentos icônicos, como a vaia no primeiro Rock in Rio, em que Ney, atacado com ovos cozidos, respondeu chutando os ovos de volta ao público, sem perder o brilho, a purpurina e as penas. Mas talvez aí esteja uma das virtudes do filme: ele não tenta engolir o mundo, mas oferecer recortes possíveis, conscientes de suas limitações técnicas e narrativas.
O que permanece, ao fim, é algo maior do que a soma das cenas. Homem com H nos faz lembrar que Ney Matogrosso sempre foi, e continua sendo, um manifesto vivo contra a normatividade. Ele nunca se definiu como heterossexual ou gay, nunca quis pertencer a padrões de gênero, mostrou que homem pode, sim, usar maquiagem, nunca aceitou que o amor precisasse de moldes. Ele era não-monogâmico antes que isso virasse pauta e mostrou que é possível amar de verdade, sem que o outro te pertença.
O filme emociona porque respeita essa essência. Ney, com sua voz cortante e presença magnética, mostrou que é possível amar sem possuir, existir sem se definir, viver sem caber.
Homem com H merece ser visto, não apenas como um filme bem feito, mas como um espelho de tudo que ainda nos incomoda, desafia e inspira. Ney não cabe num filme. Mas este, felizmente, nos dá um vislumbre do que é viver sendo fiel a si mesmo — custe o que custar. Em uma escala com 5 estrelas, o drama biográfico merece as 5!
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rápido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem.
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta