Publicado em 18 de julho de 2022 às 08:47
Muito mais difícil do que produzir uma obra deslumbrante é repetir a mágica. É o caso da cantora Lizzo, que na sexta (15) lançou seu quarto disco da carreira, "Special", depois de passar dois anos isolada em casa, "rebolando e fazendo smoothies", como ela própria diz na letra de "The Sign", que abre o novo álbum.>
Considerada uma das maiores revelações da música americana de 2019, Lizzo não precisa de muito para arrancar elogios do público. Dona de um vozeirão sedutor que alcança notas graves e agudas com facilidade, a flautista ganhou fama com músicas que fogem da mesmice do mainstream e unem elementos do rap, do soul, do R&B e do pop com bastante identidade.>
"Cuz I Love You (Deluxe)", disco que consagrou Lizzo e lhe rendeu oito indicações e três estatuetas do Grammy, em 2020, é uma prova de que a cantora sabe bem como produzir uma obra-prima que, acima de tudo, transborda originalidade.>
O mesmo, no entanto, já não pode ser dito de "Special", que, apesar de ser bom, deixa lacunas, com algumas faixas que ficam limitadas à entediante caixinha do "mais do mesmo".>
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Sob produção de Ricky Reed, Mark Ronson, Max Martin e Benny Blanco, o álbum engata com "The Sign", que traz um refrão chiclete, acompanhado de uma harmonia dançante e letra engraçada, o que, aliás, é comum na composição da artista. Mas a totalidade da faixa é pouco significativa e soa clichê.>
Em sequência, "Special" traz o hit "About Damn Time", que é febre no TikTok desde o lançamento, em abril deste ano, e dá um frescor na carreira de Lizzo com uma estética sonora com traços da disco music gênero que se encontra em outras faixas e vive hoje um revival, na voz de cantoras como Dua Lipa e Beyoncé, batidas que remetem ao som suingado de "Lose Yourself Dance", do Daft Punk, uma flauta em destaque e um groove à la discoteca. É uma das ótimas faixas do álbum.>
Logo depois, porém, a obra afunda numa atmosfera fraca, com melodias pouco desenvolvidas, chegando até mesmo a soar cansativa. Em "Grrrls", Lizzo acrescenta uma leve pegada rapper ao pop e aposta numa letra feminista que debocha de "Girls", canção dos Beastie Boys que foi lançada nos anos 1980 e tem versos misóginos. A ideia é criativa e instigante, mas mal executada, resumindo-se a uma letra verborrágica e uma harmonia pouco envolvente.>
Algo semelhante acontece nas faixas "2 Be Loved (Am I Ready)", "I Love You Bitch" e "Special". Na primeira, sintetizadores produzem um som que transita entre o pop, o new wave e o rock, enquanto versos sobre amar e ser amado expressam de forma bem-humorada a sensação de sentir um friozinho na barriga num romance. A canção até tinha potencial, mas não foi suficientemente explorada, sobrando uma música sem originalidades.>
A segunda, que é um soul com letra divertida e estética de fim de festa, é básica e traz repetições em excesso. Novamente, fica a ausência da conquista.>
Já a terceira, que dá nome ao disco, embala num groove político, com versos que variam entre boas sacadas e clichês como "Could you imagine a world/ Where everybody's the same?", ou "Você pode imaginar um mundo/ Onde todos são iguais?", num aceno crítico a conceitos como racismo, gordofobia e autoestima. Apelativa, a letra ecoa um quê motivacional cafona. O arranjo, porém, é mais cativante do que o das faixas anteriores.>
O melhor do disco vem mesmo depois, com músicas realmente incríveis com exceção para "Birthday Girl", que parece ter saído de um filme adolescente da Disney.>
Ao som de guitarra rasgada e vocais de soul, "Break Up Twice" traz um sample de "Doo Wop (That Thing)", de Lauryn Hill, muito bem adaptado, num R&B magnético que faz seu corpo ser rapidamente fisgado. A faixa remete ainda a um estilo Amy Winehouse, o que é explicado pela produção de Mark Ronson, que já trabalhou com a britânica.>
"Everybody's Gay" se joga em sintetizadores que põem a era disco para reverberar no corpo do ouvinte, faz referências a "Thriller", de Michael Jackson, e seduz em poucos instantes. Já "Naked", que tem metais bem harmonizados, ritmo mais lento e clima intimista, oferece boas doses de sensualidade, atiçando o desejo pelo replay.>
Com um vocal marcado por notas agudas, "If You Love Me" é uma gostosa balada romântica com traços de gospel, pop e soul. E "Coldplay", como o nome sugere, é repleta de referências líricas à banda britânica do hit "Yellow" cujos versos são aqui sampleados e esbanja criatividade.>
Ainda que tenha músicas incríveis, "Special" traz uma Lizzo numa versão mais comercializada, sem grandes ousadias a oferecer. O álbum deixa um pouco de lado os vocais rasgados que são marca da americana e oscila entre o extraordinário e o sem graça.>
A cantora que despontou com o hit "Truth Hurts" tem uma trajetória que aguça expectativas alheias, o que é fruto principalmente de seu primeiro álbum, "Lizzobangers", de 2013, quando vivia uma fase rapper calcada no hip hop dos anos 1990 e 2000, e de "Cuz I Love You", de 2019, quando conquistou de vez os holofotes por uma obra fascinante que não hesita em ousar.>
Mas, em "Special", vemos a cantora exibir um trabalho aquém do esperado. E saber que Lizzo é capaz de ir além é talvez a parte mais frustrante.>
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