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Publicado em 26 de setembro de 2025 às 15:17
No último sábado (20), a influenciadora digital Virgínia Fonseca recebeu das mãos de Paolla Oliveira a coroa de rainha de bateria da Grande Rio. O anúncio, feito com pompa, rapidamente virou alvo de críticas na internet. A forma de sambar, a inclusão de passos de TikTok em sua coreografia e até a instalação de um quiosque para vender produtos da própria marca renderam comentários negativos. >
Somou-se a isso o fato de Virgínia ser patrocinadora de sites de apostas, prática que a levou a prestar depoimento na CPI das Bets, o que reacendeu o debate sobre a função das rainhas de bateria, a história desse posto e os limites entre tradição e marketing.>
Como o próprio nome indica, a rainha de bateria ocupa o lugar de destaque à frente do “coração” da escola: a bateria. Sua missão é dar visibilidade ao grupo de ritmistas e contagiar a plateia. Diferente da maioria dos desfilantes, anônimos dentro de alas, a rainha é figura pública, carregando não apenas plumas e brilhos, mas também a responsabilidade de ser o rosto da agremiação. >
Esse posto, no entanto, não nasceu com o carnaval. Nos primeiros desfiles de escolas de samba, em 1932, eram as mulheres da comunidade que sambavam em conjunto, sem destaque individual. O título de rainha de bateria só foi oficializado em 1976, quando Eloína dos Leopardos, mulher trans, artista performática e atriz, foi convidada por Joãozinho Trinta a ocupar esse espaço na Beija-Flor de Nilópolis.>
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Para Iamara Nascimento, sambista e pesquisadora de carnaval, não há uma regra única. “Até pouco tempo, algumas escolas faziam concursos internos. O critério era ter samba no pé e ligação com a comunidade".>
Atualmente é comum ver rainhas, musas e outros destaques do carnaval contribuindo com algum patrocínio para conseguirem seus postos. Iamara ressalta, no entanto, que dinheiro não garante entrega:>
“Muitas vezes as promessas de patrocínio nem se cumprem. E aí quem perde é a escola, que cedeu um posto tão simbólico para alguém sem vínculo real”.>
Nathy Messias, rainha da Unidos da Piedade, viveu o caminho tradicional dentro da escola: “Desfilo desde os sete anos e ser rainha era um sonho. Teve um momento em que a escola me deu a oportunidade de vir como musa da comunidade. Ali eu percebi que poderia conquistar o lugar onde estou hoje”.>
Para ela, ser rainha de bateria significa representatividade. “Como mulher preta e de comunidade, ocupar esse espaço é mostrar para outras meninas que também sonham com isso que é possível chegar onde queremos. Precisamos ter comprometimento com a escola e consciência da importância do posto que ocupamos".>
Para ela, a polêmica com Virgínia toca em algo sensível:>
"Isso soa como falta de respeito e de reconhecimento com quem realmente faz a festa acontecer. Todos são bem-vindos a participar, mas tirar o mérito de destaque de quem sempre esteve trabalhando para conquistá-lo não é uma boa opção", completou.>
A rainha da Piedade ainda ressaltou que isso não significa que Virgínia, assim como outras mulheres com perfil parecido com o da influencer, não possa participar do carnaval, mas, segundo Nathy, “ocupar uma posição de tanto prestígio e representatividade sem ter vivido essa trajetória e sem ter relação nenhuma com o carnaval, é, sim, uma injustiça”>
O jornalista e comentarista Jace Theodoro lembra que a imagem da rainha pode não influenciar a nota dos jurados, mas afeta a percepção popular: >
“Samba é lugar de pertencimento e traz a força ancestral do povo preto, que lutou muito para o samba ser aceito pela sociedade. O protagonismo preto tem de prevalecer, embora toda a gente seja bem-vinda. Celebridades também são bem-vindas, claro, mas é preciso respeito à escola e à comunidade que ela representa”.>
Ele também faz um alerta sobre o caso específico de Virgínia: “Não é só pela falta de samba no pé, que deve ser critério obrigatório para quem quer ocupar o cargo de rainha de bateria. O problema é a imagem que ela carrega, ligada a jogos de apostas que empurram famílias para dívidas. É um marketing negativo para a escola”.>
A Layla Bastos, rainha de bateria da Mocidade Unida da Glória (MUG), contou, em entrevista para HZ, que em muitas escolas de samba existe um mercado financeiro por trás da escolha das rainhas de bateria. >
“Por isso, eu não discordo da escolha da Virgínia como rainha, até porque a Grande Rio sempre teve famosas à frente da sua bateria. E está tudo bem, porque a gente escolhe olhar a vida do famoso, quer saber o que ele vai vestir. Eu acho que tem espaço para todo mundo, até porque não existe só uma escola de samba, existem várias.”>
Para ela, o patrocínio para a escola é muito importante, então pode sim ser um critério de escolha da rainha. “Às vezes a escola precisa daquele dinheiro. Tem gente que acha que agora o carnaval só pode ser dos negros, mas carnaval tem espaço pra preto, branco, amarelo, vermelho…".>
A figura da rainha de bateria, originalmente criada para exaltar a comunidade e a força da mulher negra no carnaval, hoje se vê em meio a disputas de patrocínio e estratégias de mídia. Para uns, é sinal da modernização inevitável; para outros, um afastamento das raízes do samba. >
O certo é que, seja em Nilópolis, Vitória ou São Paulo, carregar a coroa continua sendo mais do que sambar em frente à bateria: é representar uma coletividade que construiu o carnaval a muitas mãos. >
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