Publicado em 28 de junho de 2025 às 07:00
Luiz Edmundo Araújo>
Não é de hoje que a comunidade LGBTQIAPN+ abraça a arte como forma de resistência, e vice-versa. Na década de 1980, artistas como Ney Matogrosso, Cazuza e Lulu Santos já utilizavam suas canções para abordar sexualidade, identidade, respeito e aceitação. No Espírito Santo não é diferente: a arte e a cultura sempre se fizeram presentes na ocupação de espaços por pessoas LGBTs. É notório, e inesquecível, a presença de casas como a Boate Queens, Eros, Move Music e tantas outras responsáveis por levar à sociedade capixaba mais conhecimento sobre a cultura LGBT no começo dos anos 2000. >
“Quando eu comecei a fazer show, as drags e o público LGBT eram presos em guetos, só podiam frequentar ambientes ‘GLS’, hoje em dia LGBTQIAPN+. Acho que fomos, sim, um pouco responsáveis por essa abertura hoje, para o público poder ir a qualquer lugar e sofrer menos preconceito. E, quando sofrer, ter a lei a seu favor”, disse a drag queen Angela Jackson.>
Para celebrar o Dia do Orgulho, lembrar conquistas e evidenciar o quanto é preciso continuar avançando na busca por direitos e ocupação de espaços, A Gazeta ouviu as histórias de três artistas LGBTs capixabas que transformam sua arte em resistência e são referência por onde passam. >
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Karolina sempre teve contato com a arte. Desde criança já mostrava que iria se arriscar para os lados da música, brincando com o violão que ganhou aos oito anos. Acontece que essa brincadeira se tornou coisa séria — talvez até mais séria do que a pequena Karolina poderia imaginar—, e a Karolla começou a comandar a cena. Marcando presença em palcos não só no Espírito Santo, mas também em outros estados e até fora do país, Karolla acumula prêmios em sua estante, chama atenção por onde passa e é referência para quem a conhece e se enxerga nela. >
A música surgiu de maneira profissional na vida de Karolla ao mesmo tempo em que ela vivenciava um momento de empoderamento e entendimento sobre si mesma. Há mais de cinco anos na estrada, a DJ abusa do pop, funk e das brasilidades nas suas apresentações, além de sempre incluir artistas LGBTs, pretos e capixabas na hora de construir seus sets. De lá para cá, ela reconhece as conquistas e maior presença de artistas LGBTs nos palcos do Estado e do Brasil a fora, mas afirma que ainda está longe de atingir o que seria considerado ideal. >
Seja enquanto Karolla ou Karolina, ela deixa claro o porquê de chamar tanta atenção por onde passa. Não tem como ficar parado quando ela sobe no palco com seu estilo único, seus óculos marcantes e sua presença inconfundível. Quando Karolla coloca a mão nos fones de ouvido e começa o set, é sinal de que a noite está só começando.>
Uma das precursoras do movimento drag no Espírito Santo, Angela Jackson acumula 25 anos de carreira e muitas histórias. Uma de suas primeiras apresentações foi inspirada na cantora Britney Spears. Ela conta que, por ser muito alta, as pessoas acharam a performance engraçada, o que lhe mostrou uma oportunidade de misturar seu lado drag com o humor. >
“Percebendo que o pessoal achou engraçado, eu comecei a mudar meu estilo e fazer o caricato. Depois, como eu já tinha uma experiência anterior com a música, comecei a fazer paródias, que me tornaram uma artista conhecida nacionalmente”. >
Com tantos anos de estrada, a artista já transitou e se apresentou por diversos espaços na cena capixaba, nacional e internacional. Acompanhou de perto o processo de aceitação das pessoas e a ocupação de novos espaços por artistas LGBTQIAPN+. Hoje seu foco é no stand-up comedy e, apesar de ter sempre casas lotadas por onde passa, ainda enxerga preconceito em algumas pessoas, até naquelas que vão prestigiá-la. “Você vem ao meu show, morre de rir, se diverte, sai com o queixo doendo de tanto rir. Mas, na hora de ir embora, você pensa: ’não vou tirar foto com a Angela, porque, se alguém vir, vai me recriminar”, conta. >
Quando jovem, Angela tinha medo de ser quem ela era, por ser de família cristã, mas sempre quis ser artista. Começou sua vida na arte fazendo cover do Michael Jackson — por isso o nome Angela Jackson —, depois montou uma banda de rock, mas foi na arte drag que ela se encontrou. Sua primeira vez montada foi em uma festa de interior, usando peças emprestadas das amigas. >
Hoje, a capixaba reconhece a importância de ser uma referência para as novas gerações, que se inspiram e sentem acolhimento na representatividade que ela transmite. “É frequente chegar alguém, principalmente mais novo, e me dizer que foi graças ao meu trabalho que ela conseguiu se reconhecer e se aceitar".>
Uns a conhecem como Rycka, outros como Radhija — e, em todas as faces da sua vida, ela demonstra a força que possui. Seu processo de transição se deu após a cura de um câncer no intestino, que a fez repensar sobre sua vida e entender que era o momento de seguir sendo como de fato se sentia e se identificava. “Foi um momento que eu quase vim ao fim da vida e percebi que precisava continuar o meu ciclo, já que tive uma nova oportunidade, sendo quem eu realmente era. Foi nesse momento que me entendi uma mulher trans”, conta Rycka. >
Já a drag Radhija surgiu em 2020, a partir da busca pela expressão da sua feminilidade, e mostrou a Rycka — que na época ainda não havia passado pelo processo de transição — que essa feminilidade não era apenas teatral e performática, mas sim algo que atuava em si mesma diariamente. Foi durante um carnaval que ela se montou como drag pela primeira vez e já fez sucesso logo de cara. Na ocasião, ela foi chamada para subir em um dos blocos que estavam desfilando, interpretou em libras uma música de Glória Groove e seu vídeo foi parar nas redes sociais, sendo compartilhado pela própria cantora. Foi nesse momento que ela entendeu que Radhija havia chegado para ficar.>
Na visão de Rycka, a comunidade LGBTQIAPN+ vem conseguindo se colocar na cena artística nos mais variados espaços e estilos, algo que antes era invalidado por grande parte da sociedade, principalmente a heteronormativa. Uma cena que antes era muito seletiva e fechada para corpos e expressões de arte que fugiam do que era tradicional, tem se aberto para novos olhares. “Nós também somos arte, nós também somos fazedores de cultura, de movimento, de empreendedorismo, de trabalho para pessoas LGBTQIAPN+. A gente também gera conteúdo, renda, empoderamento e vivência dentro da sociedade”, afirma. >
Por ocupar espaços de destaque, principalmente na noite capixaba, Rycka é uma referência no meio artístico e LGBTQIAPN+ como um todo. Sobretudo as gerações mais jovens se inspiram e apoiam que, muitas vezes, não encontram nem dentro de suas casas. >
A própria escolha do dia 28 de junho para celebrar o Dia Internacional do Orgulho LGBTQIAPN+ está relacionada à resistência da comunidade através da arte e de espaços de acolhimento. Na década de 1960, nos Estados Unidos, era comum bares e locais frequentados pelo público LGBT sofrerem forte repressão da polícia e da sociedade. Clientes eram revistados, agredidos e até presos, sem ter cometido crime algum. >
Mas no dia 28 de junho de 1969, durante uma ação policial no bar Stonewall Inn, em Nova York, os frequentadores do local resolveram se levantar contra esses abusos e deram início a uma rebelião que durou dias e ficou conhecida como a Revolta de Stonewall.>
Anos a frente, junho começou a ser conhecido como o mês do Orgulho LGBT, com passeatas e eventos para relembrar e homenagear a resistência de Stonewall, e o dia 28 foi escolhido como Dia Internacional do Orgulho LGBTQIAPN+. >
Seja na música, na comédia ou na performance, a arte e a luta do movimento LGBTQIAPN+ caminham lado a lado na busca por igualdade de direitos e ocupação de espaços que, historicamente, não eram direcionados a este público. Nas palavras de Karolla, Angela e Rycka, “ainda há muito o que avançar”. Mas, em datas como essa, é importante celebrar e reconhecer as conquistas que permitiram à comunidade ter voz para continuar resistindo e lutando pelo seu maior direito: existir. >
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