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Publicado em 3 de novembro de 2024 às 07:00
Nas ruas e praças das periferias, onde as palavras muitas vezes não são ouvidas, nasce uma revolução que utiliza a voz como sua principal arma. O ritmo das palmas sincronizam com batidas de corações ansiosos e as vozes que ecoam histórias, dores e alegrias. É o Slam, um movimento que transcende o simples ato de recitar poesias, transformando versos em armas poderosas de resistência e identidade.>
No Espírito Santo, essa febre cultural tem ganhado cada vez mais espaço, revelando talentos e proporcionando um palco onde cada palavra tem peso e cada rima, um propósito. Recentemente, no Museu Capixaba do Negro (Mucane), a jovem Adrielly Franklin, de 21 anos, foi campeã do Slam ES, maior competição de poesia falada do Espírito Santo. Ela irá representar o Estado na competição nacional Slam BR, que neste ano acontecerá no município de Camaçari, na Bahia. >
O evento, realizado pelo coletivo Xamego com recursos do Governo do Estado, reafirmou a cena da poesia falada no Espírito Santo, destacando a força e a representatividade dos poetas locais. A cultura Slam chegou de mansinho no Brasil e está se tornando uma das grandes formas de expressão e resistência da cultura urbana. >
Para entender mais sobre essa cultura, HZ entrevistou Monyque Assis Suzano, que é especialista em oralidades e cultura Slam. Monyque é natural de Cariacica, é graduada em Letras, mestra em Linguística e, atualmente, cursa doutorado em Curriculum and Instruction na University of Minnesota, em Minnesota, nos Estados Unidos.>
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A simplicidade das regras e a informalidade do evento permitiram que diversas vozes, especialmente de comunidades marginalizadas, encontrassem um espaço de expressão. O nome "Slam" remete à batida, simbolizando o impacto que essas poesias têm sobre o público, desafiando as normas tradicionais da literatura.>
Monyque conta que, no Brasil, o Slam foi trazido pela pesquisadora Roberta Estrela D’Alva em 2008, através do "ZAP! Slam", que promovia encontros mensais em São Paulo. “Com sua chegada no Brasil, esta modalidade se expande à comunidades de periferia, demonstrando aspectos de uma cultura resistente e que prestigia as experiências de vida dos participantes e nela reescreve narrativas que, por muito tempo, tentaram não evidenciar, como a da ancestralidade dos povos africanos no Brasil”, afirma.>
A modalidade se espalhou pelo país, chegando ao Espírito Santo em 2015 com a criação do Slam Botocudos, organizado por John Conceito. Esse coletivo homenageia os povos indígenas Botocudos, os primeiros habitantes legítimos do território capixaba. Monyque conta que o Slam é um evento comunicativo que se dá pela competição, mas, acima disso, devido a seus temas, trata-se também de transmissão de saberes e manutenção de heranças culturais afro-diaspóricas e indígenas.>
A batalha de Slam segue algumas regras: primeiramente, cada poeta tem um tempo limitado, geralmente de três minutos, para apresentar seu poema. O respeito a esse tempo é crucial, pois poemas que excedem o limite podem receber penalidades na forma de dedução de pontos, o que incentiva os participantes a serem concisos e impactantes em suas performances.>
A originalidade é outra regra fundamental. Os poemas apresentados devem ser criações próprias, refletindo a autenticidade e a voz única de cada poeta. Isso assegura que o Slam seja um espaço de expressão pessoal e criativa, onde os participantes compartilham suas experiências e visões de mundo.>
Para manter o foco na performance verbal e corporal, o uso de acessórios, figurinos ou objetos de cena é proibido. Da mesma forma, não é permitido o uso de instrumentos musicais ou música de fundo, fazendo com que os poetas dependam exclusivamente de sua voz para transmitir suas mensagens. Isso ressalta a pureza da arte do Slam, onde a habilidade de cativar o público está na força das palavras e na expressividade do poeta.>
O julgamento das performances é feito por um painel de jurados, frequentemente composto por membros do público, que avalia cada apresentação com base em critérios como conteúdo, entrega e impacto emocional. As notas geralmente variam de 0 a 10, e a média das notas dos jurados determina a pontuação final de cada poeta. Esta avaliação democrática e participativa ajuda a refletir a diversidade de opiniões e gostos do público.>
Nos últimos anos, a cena do Slam no Espírito Santo tem crescido e se diversificado. O Slam Xamego, um dos maiores coletivos de Slam capixaba, começou com um público pequeno e agora atrai mais de 120 pessoas por evento. Filipe Soul, um dos organizadores do Xamego, acredita que o crescimento do movimento está relacionado à identificação das pessoas e ao espaço acolhedor que se tem em uma batalha.>
“Como o Slam tem o intuito de dar voz às minorias, seu crescimento foi inevitável. Todas as pessoas que tinham algo a dizer encontraram um espaço onde elas seriam ouvidas. E como cada pessoa tem sua perspectiva, os pontos trazidos agregaram ao movimento, transformando-o em algo grande e plural”, contou.>
O Slam tem alcançados outros espaços para além das ruas, como teatros, escolas e museus. Para Filipe, isso é um sonho realizado. “Estar em diversos espaços é um grande passo para todos que desfrutamos do movimento. É quebrar uma enorme barreira, pois deixamos de ser um movimento marginalizado e ocupamos espaços que nos fizeram acreditar que não eram para nós”, afirmou.>
Mas, nem tudo são flores no Slam capixaba. Adrielly Franklin, campeã estadual, destacou alguns desafios enfrentados pela cena no Espírito Santo. “Como mulher preta, vejo que há uma escassez de mulheres, o que gera uma trajetória muitas vezes solitária”, Porém, segundo ela, o principal desafio é a falta de investimentos na cultura. “Isso faz com que em muitos momentos a cena fique prejudicada por não conseguir continuar promovendo edições com qualidade. Com isso, muitos coletivos acabam sendo desativados e os organizadores se sentem totalmente abandonados pela cultura”, completa.>
Filipe Soul enxerga um futuro promissor para a cena de Slam no estado. “O próximo passo é alcançar um maior nível de profissionalização. Com mais editais e projetos voltados para a cultura, o movimento pode crescer ainda mais, atingindo novos espaços e públicos”>
Adrielly Franklin, com grande alegria e responsabilidade, se prepara para representar o Espírito Santo na competição nacional. “O meu desejo é levar a potência, a cumplicidade e o sorriso que os poetas do ES sempre carregam consigo. Espero poder atravessar as pessoas com tudo o que aprendi no meu estado. Que através de mim as pessoas possam conhecer um pouco do talento que os nossos carregam! E que esse momento seja memorável para tantos rostos, processos e sonhos sendo vividos”, completou.>
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