Um estudo hidrológico foi ignorado pela Prefeitura de Afonso Cláudio ao construir uma ponte no distrito de Serra Pelada. A estrutura acabou caindo sob o impacto de fortes chuvas que atingiram a cidade na última segunda-feira (23). A afirmação consta em uma denúncia do Ministério Público do Espírito Santo (MPES) contra o prefeito reeleito do município, Luciano Roncetti Pimenta (PP).
O documento aponta ainda que a obra foi feita sem licença em área de proteção ambiental, em local de competência federal sem autorização e em período de campanha eleitoral. Essa e outras ações contra o político devido à obra foram noticiadas com exclusividade por A Gazeta entre novembro e dezembro, antes dos estragos causados pelas chuvas.
Documentos da investigação também indicam que o prefeito tinha conhecimento, desde 2021, seu primeiro ano de mandato, de um estudo hidrológico em que constavam os riscos sobre a construção no local. Em uma mensagem enviada a um parlamentar aliado em agosto daquele ano, o próprio Luciano Pimenta citou que o uso de estrutura de bueiro celular triplo (3x3m) poderia comprometer o corpo de aterro da rodovia. No entanto, neste ano, a prefeitura usou a mesma técnica para realizar a obra da estrutura, que acabou cedendo.
O mau tempo que afetou a cidade da Região Serrana desde o último domingo (22) provocou a queda de uma barreira e fez com que a ponte fosse levada pela força das águas. A estrutura havia sido construída recentemente sobre o Córrego Lagoa, na BR 484, no distrito de Serra Pelada, zona rural de Afonso Cláudio.
O local já contava com uma ponte, mas em situação precária, com rachaduras e comportando a passagem de apenas um veículo de cada vez. As más condições foram um dos argumentos do Executivo municipal para realizar a obra. No entanto, a estrutura antiga resistiu às chuvas e, após a queda da ponte construída pela prefeitura, voltou a ser a única ligação sobre o curso d’água.
Por se tratar de uma rodovia federal, a administração do local é de competência da União, por meio do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), autarquia federal ligada ao Ministério dos Transportes, a responsável pelo estudo hidrológico. A obra para construir uma nova ponte havia sido licitada pelo órgão federal em abril de 2023, e a empresa vencedora já havia instalado equipamentos no local. A entrega está prevista para abril de 2025.
Em novembro, o caso motivou a denúncia do Ministério Público do Espírito Santo por improbidade administrativa contra o prefeito e a primeira-dama, Valéria Hollunder Klippel, que também é a secretária municipal de Meio Ambiente e foi a responsável por emitir uma dispensa de licença ambiental para a obra. Ela também foi alvo de um pedido de liminar para seu afastamento do cargo.
No processo, a administração municipal alegou que a obra foi feita fora da área de responsabilidade do Dnit, em “estradas municipais coincidentes” com o trecho da BR 484; que o local aguardava a construção da ponte há mais de duas décadas, e já ocorreram diversos acidentes, inclusive com mortes; e que um laudo da Defesa Civil Municipal atestou a necessidade da obra.
O Executivo municipal argumentou ainda que as estruturas instaladas (aduelas) eram provisórias e desmontáveis, podendo ser usadas em outro local quando a ponte definitiva fosse construída; que a capacidade de vazão de água seria superior à da antiga ponte; que a estrutura não atrapalharia a obra do Dnit; que a obra foi feita com recursos e mão de obra próprios e que seria atividade dispensável de licenciamento ambiental.
O Ministério Público, por sua vez, disse que no local não há “estradas municipais coincidentes”, apenas a BR 484, e o município não tem competência para intervir em área de responsabilidade do Dnit sem autorização prévia; que não ficou demonstrada a urgência da obra porque a antiga ponte está no local há décadas e as rachaduras não são recentes; e que a obra foi feita em período de campanha eleitoral.
Além disso, na ação, o promotor Valtair Lemos Loureiro ressaltou que a implantação do tipo de estrutura usada (bueiro celular triplo 3x3m) não atende às normas do órgão federal e poderia comprometer o corpo de aterro da rodovia, e que um estudo hidrológico foi ignorado pelo município.
O MPES ainda ressaltou que foram usados maquinários de terraplanagem de uma empresa privada, alugados no valor de R$ 14.764, e outros danos pecuniários poderão ser calculados no curso do processo; que o laudo da Defesa Civil e a dispensa de licenciamento foram emitidos apenas um dia antes do início da obra.
Além disso, o documento destacou que, conforme o Código Florestal, a atividade não poderia ter dispensa de licenciamento ambiental, já que o curso d’água caracteriza Área de Proteção Permanente (APP), em que só há dispensa em exceções específicas e em zonas urbanas, enquanto o local fica em área rural; e que a dispensa de licença ambiental foi emitida pela secretária municipal de Meio Ambiente, que também é a mulher do prefeito.
Em dezembro, a divulgação da obra da ponte em período eleitoral motivou a apresentação de uma ação de investigação judicial do Ministério Público Eleitoral contra Luciano Pimenta; o vice-prefeito, Stewand Berger Schultz (PP); e Paulo Cezar Damm (PP), candidato a vereador que ficou na suplência, por utilização indevida de veículos ou meios de comunicação social e abuso de poder político e econômico.
No documento, o promotor de Justiça Eleitoral Carlos Furtado de Melo Filho pede que os três sejam condenados à inelegibilidade por oito anos e à cassação dos diplomas e mandatos. Luciano Pimenta e Stewand Schultz foram reeleitos para um segundo mandato. Paulo, com o nome de urna Paulim Damm, é o segundo suplente de seu partido, o Progressistas.
Segundo o documento elaborado pelo promotor, a construção foi amplamente divulgada em redes sociais, atribuindo ao prefeito “a execução e os méritos da obra e enaltecimento do candidato a vereador apoiado”.
“Nota-se que a obra foi utilizada como meio de influenciar o eleitorado, criando uma percepção de eficiência e preocupação com demandas antigas da população, mas com finalidades exclusivamente eleitoreiras”, avaliou o promotor eleitoral, acrescentando que a finalidade eleitoreira teria ficado demonstrada pelo fato de o Dnit já ter iniciado a obra no local, com contrato finalizado.
Entre as evidências da ação, constam uma publicação de Paulo Damm no Facebook divulgando a obra e um vídeo disseminado por ele via WhatsApp com as imagens do local da construção da ponte, sua imagem e número de urna. O promotor ainda cita que o prefeito, enquanto candidato à reeleição, fez publicações sobre visitação ao local “com vistas à sua promoção pessoal”.
Também em dezembro, a Justiça recebeu outra ação eleitoral contra o prefeito e seu vice, por abuso de poder político e econômico. A Gazeta teve acesso ao processo, que corre em segredo de justiça. A ação foi ajuizada pelo Podemos, partido do segundo colocado nas eleições municipais deste ano na cidade, em 20 de outubro. Tanto o Ministério Público Eleitoral quanto a Justiça Eleitoral consideraram que a ação atende aos requisitos legais para prosseguir.
A ação foi ajuizada pelo diretório municipal de Afonso Cláudio do Podemos, partido do candidato a prefeito derrotado Marcio Cda, que foi o segundo colocado da disputa. A sigla argumenta, entre outros pontos, que no mandato atual o prefeito teria intensificado a realização de obras, distribuição de serviços e doações em ano eleitoral ante os primeiros anos de sua gestão, desequilibrando o pleito.
O documento cita diversos casos, incluindo a construção da ponte, e cita também a distribuição de notebooks para professores de escolas públicas em ano eleitoral e a contratação de atrações musicais nacionais para um evento agropecuário divulgado durante o período de campanha eleitoral, incluindo um show realizado no dia do aniversário do prefeito.
A Prefeitura de Afonso Cláudio e os demais envolvidos foram procurados, mas não se manifestaram sobre os casos.
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