O juiz Carlos Alexandre Gutmann, afastado cautelarmente no último dia 15 pelo Tribunal de Justiça do Espírito Santo (TJES), prestou depoimento nesta sexta-feira (23) na sede do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), em Vila Velha. Ele é um dos nove investigados pelo Ministério Público do Espírito Santo (MPES) sobre a suposta venda de sentença no Fórum da Serra.
O depoimento começou por volta das 13h e durou cerca de duas horas. Ao deixar o local, Gutmann negou qualquer participação no esquema. "Meu nome foi usado e não tenho nada a ver com isso", afirmou.
Gutmann foi o juiz responsável por assinar, em 2017, a decisão que beneficia o empresário Eudes Cecato, que pagou, de acordo com o MPES, por meio de intermediários, para que a sentença sobre a propriedade de um terreno em Pitanga, na Serra, fosse favorável a uma de suas empresas. É o que aponta o pedido de abertura de inquérito encaminhado pelo MP ao TJES, que autorizou as investigações.
O suposto esquema foi descoberto a partir da investigação do assassinato da médica Milena Gottardi. O ex-marido dela, o ex-policial civil Hilário Frasson, foi denunciado como mandante do crime. O executor confesso, Dionatas Alves Vieira, mencionou em depoimento que Hilário orientou que a médica fosse morta na Serra, onde ele teria um "juiz amigo".
A partir deste fio, o MPES passou a tentar identificar quem era o juiz amigo de Hilário e, a partir da quebra do sigilo telefônico do ex-policial, chegou ao diretor do Fórum da Serra, o juiz Alexandre Farina, também afastado pelo TJES. Farina e Hilário atuaram, segundo as investigações, como intermediários entre o empresário Eudes Cecato e o juiz Carlos Alexandre Gutmann.
Em conversas por um aplicativo de mensagens, publicadas por A Gazeta, Farina demonstrou preocupação com atrasos em pagamentos e a falta de discrição entre os envolvidos, que poderiam deixar pistas que o ligassem à suposta vantagem indevida. Em uma das mensagens, Farina disse a Hilário que a decisão foi feita "a quatro mãos", dando a entender que também estava elaborando a sentença com Gutmann.
O MPES afirma que há indícios de ocorrência dos crimes de corrupção passiva, corrupção ativa e exploração de prestígio. A investigação estava sob sigilo, que foi derrubado pelo TJES no dia 15, após a suspeita de vazamento de uma operação para o cumprimento de mandados de busca e apreensão em relação a outros dois investigados.
Os juízes são investigados em um processo criminal e, se condenados, podem ser presos. Paralelamente, eles também podem responder a um Procedimento Administrativo Disciplinar (PAD), que pode resultar em sanções administrativas, como a aposentadoria compulsória.
A defesa do juiz Alexandre Farina afirmou que foi surpreendida com o julgamento que definiu o afastamento do magistrado e reforçou, por nota, "o compromisso do magistrado em colaborar com a Justiça, a fim de esclarecer todos os fatos que se encontram em apuração".
Já no sábado (17) a defesa enviou nova nota, à TV Gazeta, "A decisão do tribunal pleno foi uma surpresa para todos nós, tendo em vista que o inquérito visa apurar fatos de 2017 e que, portanto, não possuem contemporaneidade para uma medida tão drástica como uma cautelar penal. De toda sorte, como ainda não foi nos dado acesso e nem intimados, não temos condições de analisá-la de forma mais acurada, mas assim que uma coisa ou outra acontecer iremos tomar as medidas necessárias. O juiz Alexandre Farina Lopes continua à disposição da Justiça capixaba, da mesma forma como sempre se portou nesses mais de 18 anos dedicados à magistratura, ou seja, com todo o respeito necessário ao Tribunal de Justiça do Espírito Santo", diz a nota assinada pelos advogados Rafael Lima, Larah Brahim, Mariah Sartório, Kakay, Roberta Castro Marcelo Turbay, Liliane Carvalho, Álvaro Campos e Ananda França.
Por meio de nota, o juiz Carlos Alexandre Gutmann negou qualquer irregularidade e destacou que não há conversas dele com os demais investigados entre as transcrições contidas na investigação. Veja a nota de Gutmann na íntegra:
"Tenho um histórico pessoal e profissional de reputação ilibada. Diante das investigações em curso e dos fatos recentemente divulgados, venho a público esclarecer que tenho 18 anos de uma carreira profissional irrepreensível e honrada, que está sendo subitamente maculada e colocada sob suspeita em razão da aparição de meu nome em diálogos dos quais jamais participei. Garanto que não há e não surgirá uma única comunicação minha com os demais investigados que possa ser associada a tratativas, negociações, favores indevidos ou infrações de deveres funcionais.
Nesses últimos difíceis dias, tenho recebido mensagens de apoio de pessoas das mais diversas áreas do Direito, entre juízes, membros do Ministério Público e da Ordem dos Advogados do Brasil. São profissionais que me conhecem e confiam no meu trabalho. A todos eles, e também a mim, escandaliza a menção a meu nome. O único elemento concreto que me diz respeito é a sentença a que se referem as conversas. Proferi decisão consciente, com embasamento legal e jurídico, confirmada posteriormente, à unanimidade, pelos Excelentíssimos Desembargadores da Segunda Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Espírito Santo, a respeito dos quais certamente não paira qualquer suspeita (Processo 0020366-58.2016.8.08.0048).
Sou o principal interessado na completa elucidação dos fatos, e da maneira mais ágil. Por isso, desde o início, coloquei-me prontamente à disposição para todos os esclarecimentos perante quaisquer autoridades em quaisquer instâncias. Tenho confiança de que a Justiça vai apurar todos os fatos, considerando todo o meu histórico pessoal e profissional de reputação ilibada. A Justiça, com competência e sensibilidade, vai chegar à verdade, distinguindo entre onde existem fatos e onde existem apenas aparências e conjecturas."
O advogado de Hilário Frasson no caso Milena Gottardi, Leonardo Gagno, afirmou que o ex-policial não foi notificado a respeito de uma suposta participação na venda de sentença, como aponta o MPES. Na última segunda-feira (19), Hilário prestou depoimento ao órgão, mas o advogado disse que não foi informado e que vai encontrar Hilário para ter acesso ao processo sobre a venda de sentença.
A defesa de Eudes Cecato disse que desde que o empresário ficou ciente dos fatos investigados prontamente acatou todas as demandas indicadas e se colocou à disposição para colaborar com as investigações. "Sendo assim, registra seu mais alto interesse em contribuir para o esclarecimento de todos os fatos, de maneira que a Justiça seja feita", escrevem os advogados Fernando Ottoni e Clécio Lemos em nota enviada à reportagem.
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