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Candidatos sem nem um voto receberam até R$ 15 mil do fundo eleitoral no ES

Candidatos sem nem um voto receberam até R$ 15 mil do fundo eleitoral no ES

Fundo eleitoral é abastecido com dinheiro público para campanhas. Entre os que contaram com a verba estão nomes que renunciaram ou foram barrados pela Justiça. Tem também quem não recebeu nem o próprio voto

Publicado em 7 de dezembro de 2020 às 16:11

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Urnas eletrônicas
Seis candidatas no Espírito Santo não receberam voto nem delas mesmas. (Carlos Alberto Silva)

As eleições municipais de 2020 no Espírito Santo tiveram candidatos que não receberam nem um voto. No entanto, suas campanhas contaram com dinheiro do fundo eleitoral, recursos públicos destinados pelos partidos. Para os 44 candidatos que ficaram nessa situação no Espírito Santo, foram repassados, ao todo, R$ 116,2 mil. Os valores variaram de R$ 45,12 a R$ 15 mil.

Desse total, 38 nem apareceram nas urnas: 26 foram barrados pela Justiça e 12 renunciaram. Outros 6 chegaram até o fim das eleições, mas não tiveram nem um voto. Isso significa que nem eles votaram em si mesmos.

As informações foram levantadas pela reportagem a partir de dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Foram consideradas as receitas arrecadadas pelo fundo eleitoral, sem contabilizar os recursos do fundo partidário. Também entraram na conta apenas os valores de doações feitas em recursos financeiros, ou seja, dinheiro, efetivamente.

Há a possibilidade, nas eleições, de serem feitas doações em recursos estimados, que é quando o doador empresta bens ou serviços para a campanha e atribui um valor. Essas doações não foram consideradas no levantamento.

No Espírito Santo, o candidato que recebeu o maior valor do fundo eleitoral, mas não teve nem um voto foi Roberto Paulucio (Cidadania), candidato a prefeito em Muniz Freire, com R$ 15 mil, mas ele renunciou à candidatura.

A arrecadação total da campanha foi de R$ 27.729,92, mas Paulucio também recebeu doações em recursos estimados do partido Podemos e doações de pessoas físicas. Ele possui R$ 25.159,39 em despesas de campanha contratadas.

À Justiça Eleitoral, ele justificou que a decisão de renunciar deu-se "por razões pessoais" e destacou que tem ciência "que a renúncia não o desobriga do dever de prestar contas de campanha eleitoral pelo período que efetivamente esteve com a candidatura deferida".

Paulucio explicou à reportagem que os recursos que recebeu foram efetivamente gastos com a campanha e que ele renunciou a uma semana da eleição, pois o vice de sua chapa desistiu da candidatura, o que lhe tirou a possibilidade de concorrer.

"Eu fui obrigado a desistir. A gente estava fazendo campanha de acordo com os recursos que chegaram do fundo. O que recebemos foi usado para esse trabalho. Tanto para a minha campanha quanto a dos vereadores. Mas tomei essa rasteira", declarou.

Ele afirmou ainda que todos os gastos estão registrados em sua prestação de contas e que não houve má-fé de sua parte.

Outro candidato nesta situação foi Dr. José Gotardo (Avante), que disputava a Prefeitura de Conceição do Castelo e também renunciou. Ele havia recebido R$ 10 mil do fundo eleitoral. Além desse valor, arrecadou R$ 4 mil de uma pessoa física e R$ 35 dele mesmo, totalizando R$ 14.035,00. As despesas contratadas dele ficaram em R$ 9.189,90.

No documento do termo de renúncia, o candidato afirmou que a decisão foi "por questões de foro íntimo e para evitar instabilidades nas eleições do município". A reportagem não conseguiu contato com o candidato.

Assim como Gotardo, o atual prefeito de Água Doce do Norte, Jacy Donato (PV), recebeu R$ 10 mil do fundo eleitoral, mas renunciou à candidatura, ficando, portanto, com zero voto.

No entanto, ele não chegou a ter despesas contratadas e nem a gastar o dinheiro. Jacy, primeiramente, teve a candidatura barrada pela Justiça Eleitoral, que considerou que no dia 4 de abril, seis meses antes da eleição prevista até então para outubro, ele estava morando nos Estados Unidos e não tinha mais domicílio eleitoral na cidade do Noroeste capixaba.

Jacy era vice-prefeito de Paulo Márcio Leite (PSB), mas abandonou a cidade e morava havia quase dois nos Estados Unidos. Após a morte do prefeito, vítima da Covid-19, em julho de 2020, o vice, já no Brasil, assumiu o comando da cidade. Ele deve permanecer em Água Doce e concluir o mandato em 31 de dezembro.

O fato de um candidato ter recebido dinheiro do fundo e não ter tido voto não significa por si só uma ilegalidade. É preciso haver uma análise, pela Justiça e pelo Ministério Público, de cada caso.

MULHERES SEM NEM UM VOTO

Entre os seis candidatos que efetivamente disputaram as eleições e apareceram nas urnas, mas não tiveram votos, todos são mulheres. Quem recebeu mais dinheiro do fundo eleitoral foi Cristina Barbosa (Solidariedade),  candidata a vereadora em Cariacica, que ganhou R$ 1.080 do partido. Ela teve uma despesa de R$ 750 na campanha. A reportagem não conseguiu contato com Cristina.

Entre os 44 candidatos, há 24 mulheres e 20 homens. Pela lei, os partidos são obrigados a ter no mínimo 30% de candidatos de um gênero e 70% de outro. Na prática, às mulheres é destinado o menor percentual. Em eleições anteriores muitas das candidaturas femininas foram apresentadas para cumprir apenas os requisitos legais ou ainda para que o dinheiro destinado a elas fosse, na verdade, usado por outros candidatos, sendo identificadas como candidaturas laranjas.

O QUE ACONTECE

O fato de candidatos terem recebido recursos públicos do fundo eleitoral e não terem disputado as eleições, por terem sido barrados ou renunciado, ou não terem recebido nem um voto pode se tornar alvo de investigação por parte do Ministério Público Eleitoral, que é o "fiscal da eleição", como explica o advogado e  membro do Instituto de Direito Político Eleitoral e Administrativo (IDIPEA) Alberto Rollo.

"Tudo isso é indício de fraude eleitoral. Principalmente aqueles que receberam recursos na campanha, gastaram e depois renunciaram, ou quem teve o registro deferido e disputou, mas não teve votos. Pode haver desvios para outras finalidades. Mas também há aqueles que realmente fizeram a campanha, mas não puderam concorrer. Os candidatos vão precisar ter nota fiscal, mostrar que gastaram o dinheiro da forma correta", explicou.

O Ministério Público pode entrar com ações questionando um possível uso irregular do fundo eleitoral até seis meses após a prestação de contas feita pelos candidatos. 

Ainda segundo o advogado, se os candidatos receberam os recursos, mas não gastaram, por terem tido a candidatura barrada ou renunciado, eles têm como devolver o dinheiro. "O fundo eleitoral é depositado em uma conta especial. Como ela vai ser fechada, o candidato pode devolver para o partido que, ao prestar contas, pode devolver para a União", destacou.

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