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Polícia investiga esquema de venda irregular de áreas invadidas em Itaúnas

Polícia investiga esquema de venda irregular de áreas invadidas em Itaúnas

Promessa é de terrenos grandes e terras férteis, mas áreas são privadas, fruto de invasões. A Polícia Civil investiga a ação de associações criminosas na região

Publicado em 27 de janeiro de 2021 às 13:34- Atualizado há 3 anos

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Vendedores usam quilombolas como plano de fundo para vender terrenos em Itaúnas
Vendedores usam causa quilombola como pano de fundo para vender terrenos em Itaúnas. (Manfrini Roberto/ TV Gazeta Norte)
Vinicius Zagoto
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A caminho de Itaúnas, em Conceição da BarraNorte do Espírito Santo, algumas placas anunciando a venda de lotes aparecem pela estrada. Além da proximidade com o balneário, as características descritas pelo vendedor tornam o negócio ainda mais interessante: terras férteis, terrenos enormes, nascentes e plantações de cana, laranja e limão. A área, no entanto, se trata de uma invasão e a venda está ligada à prática de vários crimes.

Em conversa por telefone com a produção da TV Gazeta Norte, o responsável por um dos terrenos justifica o motivo da venda: “Eu vou morar agora na Bahia”, afirma. E ainda oferece mais garantias sobre a compra: “É tudo certinho. Tem CNPJ, já tem a associação. Nessa associação tem um advogado, contador e tesoureiro.”

Segundo o próprio vendedor, outros conhecidos possuem terras na região. “Não só eu tenho terra lá, como outras pessoas também. Fizemos uma associação, uma sociedade”, afirma. Na conversa, o homem dá a garantia final: “Em oito meses, no máximo, você terá o documento em mãos.”

As mesmas promessas são feitas por Jorge, como se identificou outro vendedor que tem o número de telefone em um dos anúncios colocados no caminho para Itaúnas. Ele afirma ser presidente de uma associação no distrito e garante que também consegue liberar um lote para quem estiver disposto a pagar. “Nós não vendemos terra. Você vem aqui, pessoalmente, paga uma taxa e nós liberamos um pedacinho de terra”, conta.

Quando questionado pela produção sobre a existência de possíveis construções no local, o vendedor titubeia e diz que só continua a conversa se for pessoalmente: “Daqui para frente eu não respondo nenhuma pergunta para você.”

A taxa mencionada por Jorge seria um valor pago mensalmente à associação à qual ele pertence. Com esse pagamento, seria possível liberar o tal pedaço de terra e dar início à compra do terreno. "Você tem que fazer parte da associação. Tem que pagar R$  20,00 para contribuir até você receber o seu documento (do terreno). Depois de receber seu documento, (o terreno) é seu. Ninguém pode chegar lá e te cobrar nada", afirma.

MAS O QUE SÃO ESSAS ASSOCIAÇÕES?

Segundo investigações da Polícia Civil de Conceição da Barra, existem associações legítimas que protegem e defendem os direitos dos quilombolas na região. No entanto, foi possível observar, em operações realizadas desde janeiro de 2021, que alguns grupos se desvincularam e se desmembraram, dando início a associações criminosas.

A polícia informou que esses grupos dissidentes têm como pano de fundo a defesa quilombola, mas possuem, na verdade, caráter criminoso. Ao invés de discutirem judicialmente sobre as áreas destinadas aos quilombolas, provocaram a invasão e a venda irregular dos terrenos.

Em Conceição da Barra, seis comunidades quilombolas que reivindicam a posse de áreas ocupadas pela empresa Suzano Papel e Celulose. Quando conseguem o acesso documentado ao terreno, no entanto, essas pessoas não conseguem realizar a venda do terreno e ele tem que ser passado de geração a geração. 

A QUEM PERTENCE OS TERRENOS?

Os terrenos prometidos pelos vendedores ficam na estrada que liga a sede de Conceição da Barra à Vila de Itaúnas. As áreas são preenchidas por plantações de eucalipto e pertencem à empresa Suzano Papel e Celulose, com forte atuação no Espírito Santo e no Sul da Bahia.

Questionado pela reportagem da TV Gazeta, Pablo Machado, diretor-executivo de Relações e Gestão Legal da Suzano, afirma que a empresa é a verdadeira dona de toda a área onde estão os terrenos: “A Suzano cumpre a legislação brasileiro, incluindo a ambiental e a fundiária, de modo que não realiza plantios em terras devolutas ou de propriedade do governo. As áreas invadidas em São Mateus, Conceição da Barra e em Itaúnas são todas de propriedade da Suzano. Essas invasões ilegais e criminosas estão sendo debatidas no judiciário”, afirma.

INCÊNDIOS SÃO FREQUENTES NA REGIÃO

Desde outubro de 2020, diversas queimadas clandestinas vêm sendo registradas pela TV Gazeta Norte e por A Gazeta. Na época, em reportagem exibida no ES2, trabalhadores que atuam nos terrenos privados contaram que a todo momento um novo foco de incêndio surgia.

Segundo vigilantes da região, invasores colocam fogo nas plantações de eucalipto e depois derrubam as árvores para demarcar os terrenos. Eles também afirmam que além das plantações de eucalipto, os incêndios passaram a atingir até mesmo uma Área de Proteção Ambiental (APA). O prejuízo, segundo os vigilantes, fica visivelmente pequeno perto da área que foi totalmente devastada.

VENDAS DOS LOTES ESTÃO LIGADAS A OUTROS CRIMES

Segundo a Polícia Civil, existem investigações sobre a prática de crimes ambientais e furtos de madeira relacionados às invasões. O delegado de Conceição da Barra, Alysson Pequeno, afirma que, até o momento, 24 pessoas foram identificadas e intimadas a prestar depoimento, sendo que a metade já foi ouvida.

Aspas de citação

Desde outubro, tivemos grandes crimes de queimadas na região, furtos de madeira em propriedade privada e crimes patrimoniais. Sem falar de crimes contra a vida, que estariam, desde o ano passado, relacionados a brigas pelo furto de madeira

Alysson Pequeno
Delegado de Conceição da Barra
Aspas de citação

Ainda segundo o delegado, somente neste mês de janeiro, três operações foram realizadas na região e resultaram na apreensão de 15 motosserras e na redução de 90% das queimadas.

Os homens responsáveis pelas vendas dos terrenos não foram encontrados pela reportagem. José dos Santos, presidente da Associação Guimarães Barbosa (AGB), diz que a entidade ocupou e registrou uma área sem dono, onde hoje já existem plantios e casas. Segundo José, não há venda, mas a associação libera um alqueire de terra para qualquer pessoa, quilombola ou não, fazer o uso da propriedade. O responsável que ganha a área, no entanto, não pode vender e tem que devolvê-la quando desistir do uso.  Ele destacou, ainda, que é contra a invasão, pois prejudica a luta pela conquista legal da terra.

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*Participaram desta reportagem a repórter Rosi Bredofw e a produtora Maria Luiza Silva, da TV Gazeta Norte.

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