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Publicado em 7 de agosto de 2022 às 09:51
Em 1926, a montadora americana Ford adotou o descanso aos finais de semana, com a ideia de que isso tornaria seus funcionários mais produtivos, reduziria ausências e melhoraria a eficiência. A iniciativa acabou virando regra no mundo. >
Quase um século depois, um novo modelo, com quatro dias de trabalho, começa a ser testado em alguns países, inclusive no Brasil. A nova jornada de trabalho dá ao funcionário uma folga durante a semana.>
Para especialistas, o formato, que reduz a carga horária de 40 horas para 32 horas semanais sem alteração de salário, exige um planejamento com atenção à legislação trabalhista e à organização de cada empresa. Nesses casos, seria necessário revisar metas e tarefas diárias, já que o funcionário teria menos horas de trabalho.>
Apesar de estar mais em discussão nos últimos meses, foi na Islândia que tudo começou, entre os anos de 2015 e 2019. O país conduziu um experimento nacional, e 1% da população passou a trabalhar em escala 4×3. Após resultados positivos, o modelo acabou sendo implementado de forma permanente, sem alterações nos salários.>
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Durante a pandemia, o debate ganhou fôlego por conta do isolamento social e do home office. >
No Espírito Santo, ainda não há nenhuma companhia que tenha adotado, formalmente, a nova jornada. Já no Brasil, empresas de tecnologia como Crawly, NovaHaus, Winnin, AAA Inovação, Gerencianet e Eva aderiram à semana de trabalho com quatro dias. >
Ainda há dúvidas em relação ao funcionamento dessa jornada e aos direitos do trabalhador e do empregador. O advogado empresarial Victor Passos Costa explica que a empresa continuaria funcionando em seus dias normais, de cinco a seis dias na semana, porém, mantendo seus funcionários em jornadas reduzidas. Nesse caso, poderia ser adotado um rodízio dos trabalhadores. >
“É importante desvincular a ideia da jornada de quatro dias ao funcionamento da empresa durante a semana. A nova jornada seria com um rodízio de funcionários, uma opção da empresa para manter os dias de funcionamento”, diz.>
Do ponto de vista legal, não existe nenhuma lei que impeça a nova jornada de acontecer, mas especialistas garantem que é preciso tomar cuidados na hora de aplicar a ideia. “Havendo uma negociação coletiva com o sindicato, dificilmente o Judiciário irá negar. Os direitos do trabalhador permanecem. Talvez isso influencie no custo de vale-alimentação e transporte, pois ele estaria trabalhando menos dias”, acrescenta Victor. >
A nova jornada também poderia afetar as férias do trabalhador, conforme explica o advogado. >
"As férias são de 30 dias, porque o empregado trabalha 30 dias no mês. Se trabalhar 4 dias na semana, o que daria em torno de 16 dias de trabalho no mês, as férias podem ser afetadas. Mas tudo tem que ser negociado com a empresa", destaca. >
A CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) regulamenta os limites de horas de trabalho, sendo 8 horas diárias e 44 semanais. Então, caso o empregador queira estender a jornada durante a semana para compensar o dia não trabalhado, pode gerar um efeito contrário ao que se quer e esbarrar nas regras trabalhistas. >
Victor Passos Costa
Advogado empresariaAo decidir inserir a nova jornada em sua empresa, o empregador precisa cuidar do contrato de trabalho e tudo deve ser implementado de acordo com a lei. Alterações no salário só poderão ser feitas em convenção com o sindicato.>
Um outro ponto destacado pelos especialistas é que essa jornada de quatro dias de trabalho não se adequaria a todas as profissões. Algumas empresas, por conta do serviço que prestam ou vendem, não se encaixariam, mesmo com o rodízio de funcionários. Um jornalista ou um médico, por exemplo, dificilmente conseguiria essa mudança de horário. >
“O rodízio de funcionários é, sim, uma opção, mas há empresas que não cabem no segmento. Quando uma empresa opta por fazer isso, ela precisa estar atenta desde o processo seletivo, para ter profissionais que se adaptem a essa pressão de fazer em quatro dias o que seria feito em cinco. Não é todo mundo que vai se adaptar”, ressalta a presidente da Associação Brasileiro de Recursos Humanos (ABRH-ES), Neidy Christo. >
Ainda segundo ela, para implementar essa mudança na rotina, o trabalhador e a empresa precisarão passar por uma reorganização. “Reuniões serão reduzidas, até aquele cafezinho, que é importante, mas a gente acaba estendendo mais um pouco, precisará ser reavaliado para readequar os quatro dias de trabalho na semana”, diz.>
A empresa, em acordo com o trabalhador, irá definir em qual dia da semana será incorporada a folga. Algumas empresas que já implementaram o modelo escolheram a quarta-feira, por ficar no meio da semana. No entanto, caso seja adotado o rodízio de funcionários, cada um teria dias diferentes de folga.>
Mas por que as empresas estão optando pela jornada de quatro dias? Pelos bons resultados percebidos por quem já adotou o novo modelo.>
O principal benefício percebido pelas organizações foi o aumento de produtividade. Já para o trabalhador, o bem-estar mental e mais tempo para lazer e atividades foram sentidos. Na Islândia, os trabalhadores reportaram redução do estresse e do risco de esgotamento.>
"Em alguns países, não deu certo, como nos EUA, mas por serem muito capitalistas, tendem a priorizar o lucro. Esse tipo de modelo de jornada de trabalho quer ter os benefícios da produção, mas também se preocupa bastante com o bem-estar do empregado", reforçou a presidente da ABRH-ES. >
Uma pesquisa da plataforma de recrutamento Indeed, obtida pelo jornal "Estadão", mostra que a iniciativa é bem vista pelos brasileiros justamente pelos benefícios que poderia trazer. Segundo o levantamento, 61% dos trabalhadores do País consideram mudar de emprego em caso de problemas de saúde mental e 74% acreditam que seriam mais produtivos em uma semana de quatro dias. >
Os dados indicam ainda que 79% concordam em aumentar as horas diárias de trabalho para ter uma semana mais curta, e a maioria está disposta a apoiar a empresa na implementação do novo modelo (84%). De acordo com a pesquisa, a redução da carga também melhoraria a saúde mental (85%) e o equilíbrio entre a vida profissional e pessoal (86%). >
“Os profissionais conseguem mais tempo para o autocuidado, para a família, conseguem mais qualidade de vida, porque, ao invés de terem dois dias para resolverem tudo fora do trabalho, terão três”, ressaltou Neidy Christo. >
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