Exame de HIV estava previsto no edital do concurso da Prefeitura de Cariacica Crédito: Divulgação/ Ministério da Saúde
Passar em um concurso público é o sonho de muitos candidatos em todo o país. Mas tanto tempo de estudo pode se tornar uma frustração quando as bancas examinadoras utilizam critérios de eliminação que beiram ao absurdo. Alguns editais de concursos públicos, por exemplo, chegam a pedir teste de HIV e exame papanicolau. Já outros eliminam candidatos se, durante a investigação social, houver registro de inquérito policial e uso de drogas ainda na adolescência. >
As exigências soam como absurdas e o resultado são ações na Justiça e movimentação de entidades para a retirada desses requisitos das regras das seleções. Advogados especializados na defesa de candidatos dizem que alguns requisitos podem até ser exigidos, desde que tenham a ver com a atividade a ser exercida. Limite de idade e de altura, por exemplo, devem estar estabelecidas por lei. >
O advogado Victor Marques explica que a Constituição Federal determina que para alguns cargos, como de militares, é possível estabelecer requisitos para que o candidato ingresse no serviço público em perfeitas condições para exercício da função. >
Qualquer exigência tem que estar ligada ao cargo. Se não influenciar em nada, não podem ser pedidos. Há alguns exageros e muitos deles acabam sendo recorrentes. Só para se ter uma ideia, as polícias militares do Espírito Santo e de Minas Gerais já eliminaram candidatos por eles terem feito cirurgia no joelho. No caso de exames de HIV, além de não afetar a função, é uma questão discriminatória e a Constituição veta qualquer tipo de discriminação, ressalta Marques. >
O advogado Victor Marques também lembra o caso de um candidato do Espírito Santo que foi eliminado do concurso da PM de 2014 por ter diabetes. A doença tratada, segundo ele, não influencia na atividade diária. A Justiça entendeu que houve discriminação e ele foi reconduzido ao cargo, destaca. >
Ainda de acordo com Marques, é necessário que uma perícia detalhada seja feita para avaliar o quanto determinado problema pode ou não atrapalhar as atividades do servidor público. >
"Um candidato a professor com problema vocal, por exemplo, pode correr o risco de seu problema agravar. No entanto, a perícia que vai determinar se ele pode ou não dar aulas. É bom lembrar que tudo vai depender de cada caso. O perito que vai dizer se a pessoa está apta ou não para o cargo. Infelizmente não é isso que ocorre e a perícia é muito superficial", afirma. >
A advogada Renata Araújo ressalta que qualquer limitação como limite de idade ou de altura precisam estar determinados por lei. >
"Tudo vai depender do cargo e de suas atribuições. No caso de policiais militares, é necessário fazer esforço físico, mas não faz sentido ter essa exigência para escrivão, por exemplo. Uma outra polêmica é a tatuagem, que já foi item de reprovação e hoje está superado. É claro que os desenhos não podem superar princípios e valores. A pessoa não pode ter, por exemplo, tatuagem de cunho nazista, ressalta Renata. >
QUEM RESPONDE INQUÉRITO NÃO PODE SER ELIMINADO
Na última semana, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que candidatos que respondem inquéritos policiais não podem ser eliminados de concursos públicos. De acordo com a instituição, os órgãos não podem impedir a participação de quem ainda não foi condenado. >
Um candidato que é parado em blitz não responde inquérito, não foi autuado e não teve processo judicial não pode ser eliminado. Da mesma forma alguém que experimentou droga na adolescência e não se tornou usuário. No entanto, é necessário ser sincero quando foi questionado sobre isso. Ele pode até eliminado do certame, mas por outras razões, pontua Marques. >
O advogado alerta que uma pessoa só pode ser eliminada de um concurso se a deficiência prejudicar a atuação. Se ela foi traficante ou usuário de droga, não pode ser um policial, diz. >
Segundo Renata, um candidato condenado só pode ser eliminado de um certame se o processo dele estiver trânsito em julgado. Ela alerta que essa regra vai valer para cargos como delegado, policial militar, oficial, entre outros. >
Dependendo do cargo, não pode haver restrição, a não ser que ele esteja respondendo a uma acusação grave. Como há recurso, ele pode ir se segurando no cargo até ser julgado. Neste caso, há decisões contra e a favor desse candidato, afirma a advogada. >
CASOS DE EDITAIS QUE TIVERAM RECLAMAÇÃO
Inquérito policial
O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que pessoas que respondem a processos ou inquéritos criminais não podem ser barradas em concursos públicos. A Corte entendeu que os editais de seleções de ingresso nas carreiras públicas ou de promoção interna não podem impedir a participação de quem ainda não foi condenado. A decisão do STF foi tomada em um recurso de um policial do Distrito Federal que foi impedido de participar de um concurso interno para o curso de formação de cabos da PM por ter sido denunciado por falso testemunho. Pelas regras da seleção, o policial que respondesse a um processo não poderia participar do certame. O caso ocorreu em 2007
Exame HIV
A Defensoria Pública do Espírito Santo protocolou na última quinta-feira (30) uma recomendação para que a Prefeitura Municipal de Cariacica não exija laudo de sorologia (HIV/AIDS) dos candidatos ao concurso da Guarda Municipal (001/2020) que está com edital aberto. A Defensoria pede que seja retirado o item em que está prevista a apresentação de laudo de sorologia para HIV/AIDS, uma vez que não fica claro se o fato será decisivo para exclusão do candidato. O município retirou a exigência e prorrogou as inscrições.
Exame papanicolau
Em 2018, o Estado de São Paulo foi proibido de exigir exames invasivos de candidatas aprovadas em concursos públicos. A liminar, concedida pelo juiz José Gomes Jardim Neto, da 15ª Vara da Fazenda Pública de São Paulo, impediu que fossem obrigatórias colposcopia, colpocitologia oncótica (papanicolau) e mamografia. Os exames, previstos por uma resolução de 2015 da Secretaria estadual de Planejamento e Gestão e feitos pelo Departamento de Perícias Médicas do estado, foram questionados pela Defensoria Pública paulista, sob o argumento de que a imposição fere a isonomia entre homens e mulheres. A ação afirmou também que a exigência fere os princípios da legalidade, razoabilidade e proporcionalidade porque o objetivo do exame é admissional. O mesmo exame também foi pedido no concurso de 2015 do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), mas a Justiça Federal suspendeu a exigência.
Cirurgia de joelho
Em março de 2019, a juíza da 16ª Vara Cível da Capital, Maria Ester Cavalcante Manso, determinou que o Estado de Alagoas, por meio da Polícia Militar, reconvocasse para realizar o Teste de Aptidão Física (TAF), aprovado no concurso para soldado combatente em junho de 2018. O candidato teria sido reprovado no exame médico por causa de uma cirurgia no joelho, realizada 8 anos antes dos exames e que já estaria recuperado. Caso semelhante também ocorreu nos certames das PMs de Minas Gerais e Espírito Santo. Ter cirurgia no joelho não vai interferir nas atividades de um policial. Com a tecnologia de hoje, a recuperação é rápida e o joelho pode estar melhor do que um que não passou pelo procedimento. Podemos citar como exemplo os jogadores de futebol, que podem voltar a jogar poucos meses depois da cirurgia, ressalta do advogado Victor Marques.
Diabetes
No concurso da PM do Espírito Santo realizado em 2014, um candidato foi eliminado por ter diabetes. A Justiça entendeu que a doença tratada não influencia na atividade diária. Ele foi reinserido no certame.
Tatuagens
Muitos candidatos foram desclassificados de algum certame por terem tatuagens. Eles entraram na Justiça e conseguiram retornar ao certame. Diante disso, o Supremo Tribunal Federal (STF) entendeu que a proibição de tatuagem em concurso público é inconstitucional. Segundo instituição, a banca examinadora não pode, simplesmente, estabelecer regras que proíba a participação do candidato tatuado. Nesse sentido, as regras contidas no edital devem, sempre, seguir o que diz a legislação. Editais de concurso público não podem estabelecer restrição a pessoas com tatuagem, salvo situações excepcionais, em razão de conteúdo que viole valores constitucionais, diz a declaração do STF. No entanto, há algumas limitações para as tatuagens, que não podem ferir valores constitucionais e dos órgãos administrativos. O candidato ter uma suástica tatuada ou ainda pleitear uma vaga na Polícia Militar, por exemplo, e apresentar o símbolo de organizações criminosas na pele.
Aparelho ortodôntico
No concurso da PM de Minas Gerais, um candidato foi eliminado por usar aparelho ortodôntico. Ele conseguiu comprovar na Justiça que o uso da correção não era motivo de exclusão.
Uso de drogas
A Justiça Estadual suspendeu a eliminação de um candidato do concurso de soldados da PM do Espírito Santo, que foi desclassificado por ter usado drogas no passado. Ele foi reintegrado. O candidato, que foi aprovado nas etapas de provas objetiva, redação, aptidão física e testes psicotécnicos, tinha sido eliminado na fase de investigação social. O concorrente foi considerado contraindicado para a vaga por ter utilizado entorpecente no passado, quando entrou na faculdade. Foi o próprio candidato que admitiu à banca ter usado pontualmente na época - ele não chegou a ser detido ou responder criminalmente pelo ato.
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O QUE DIZ A LEI
Constituição
A Constituição Federal estabelece a igualdade de todos perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, sendo vedada a diferença de critérios de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil.
Limitação
Eventuais limitações estabelecidas como critério de admissão em cargos públicos devem estar estabelecidas em lei.