Publicado em 16 de outubro de 2019 às 14:19
Muito antes de David Benioff e D.B. Weiss enfrentarem a ira dos fãs por causa do final de Game of Thrones, Damon Lindelof experimentou a mesma coisa com o fim de Lost. "Aprendi que os fãs têm exigências. Havia coisas que eles queriam, mas também esperavam surpresas, o que é uma certa contradição. Então, não sei bem como lidar com isso", disse ele em entrevista à imprensa em Los Angeles. O temor do julgamento não parece paralisá-lo, porém. Tanto que, depois da ótima The Leftovers, ele volta com outro projeto: Watchmen, que estreia no domingo (20), às 23h, na HBO, se passa no mesmo universo da idolatrada graphic novel de Alan Moore e Dave Gibbons, mas não é uma adaptação, como foi o filme de 2009 dirigido por Zack Snyder.>
Mesmo assim, Alan Moore, que sempre se opôs a qualquer versão de sua obra, não quis nem conversa e nem é creditado na série. "Tentei explicar um pouco o que estamos fazendo, mas ele deixou bem claro que não queria nenhum contato e respeito isso", disse Lindelof. Mas ele também disse estar imbuído do espírito rebelde e punk rock de Moore. "Se alguém dissesse a Moore nos anos 1980 que não poderia fazer Watchmen porque o criador de Superman ou Monstro do Pântano não queria, diria: ?F...-se, vou fazer assim mesmo?. Então estou dizendo para Alan Moore: 'F...-se, eu vou fazer assim mesmo'.">
Mas, afinal, o que é que Damon Lindelof está fazendo na série Watchmen? O primeiro episódio abre com a reconstituição de um acontecimento de violência racial pouco conhecido: o massacre da "Wall Street" negra, em Tulsa, Oklahoma, em 1921. A Avenida Greenwood era um caso exemplar de uma comunidade afro-americana estabelecida. Ao final da carnificina, centenas de negros estavam mortos, e suas lojas, destruídas. "Foi ali que nasceu a ideia", contou Lindelof. >
Poucos anos atrás, ele começou a ler os escritos de Ta-Nehisi Coates sobre a luta pelas reparações de injustiças históricas aos negros nos Estados Unidos e só então descobriu o caso de Tulsa. "Fiquei com vergonha de nunca ter ouvido falar disso", disse. "Mas achei que podia usar em Watchmen, porque a graphic novel era extremamente política. O que, em 2019, é o equivalente ao impasse nuclear entre os Estados Unidos e a União Soviética (que é o tema do material original, passado nos anos 1980)? Para mim, inegavelmente, era a relação da questão racial e da polícia nos EUA.">
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Vendo apenas o primeiro episódio, é verdade que uma certa confusão se estabelece. Se na realidade dos Estados Unidos - mas não só - de 2019, os negros são invariavelmente alvo de agressões e assassinatos pelas mãos da polícia, em Watchmen os policiais, que agora andam mascarados para sua proteção, estão caçando supremacistas brancos. Uma delas é a negra Angela Abar, interpretada por Regina King. Os supremacistas brancos, por sua vez, declaram uma guerra à policia usando a máscara de Rorschach - o controverso personagem da graphic novel, visto como herói por muitos, mas de claras tendências fascistas.>
De cara, Lindelof foi questionado sobre a responsabilidade de mostrar a polícia ao lado dos negros contra os supremacistas brancos, o contrário da realidade. "Uma das coisas mais bacanas do Watchmen original era que não dava para saber o que era história real e o que era história alternativa", disse. "Eu espero que, ao longo dos nove episódios, as coisas fiquem mais claras. Mas esse não é um projeto tradicional de super-heróis, que derrotam alienígenas, eles voltam para casa e todos vencem. Não há derrota para a supremacia branca" (leia ao lado outros trechos da entrevista coletiva de Lindelof). >
De fato, episódios seguintes deixam mais claras as complexidades do que ele quer falar sobre as relações raciais nos Estados Unidos e o impacto profundo do trauma no tecido social de um país. >
Nesse universo paralelo, não há internet nem celulares. O presidente, desde o início dos anos 1990, é Robert Redford - ele mesmo, o ator. "Queríamos explorar a ideia do que aconteceria se um homem branco bem-intencionado fosse presidente por um longo período", contou Lindelof. "Sendo eu mesmo um homem branco, a ideia de que em meu país não haveria uma tremenda resistência à tentativa de igualar a balança de poder entre brancos e negros é ridícula." >
Uma coisa que Damon Lindelof promete é não mexer no cânone, no material original - e, na verdade, é fundamental pelo menos dar uma espiada na página da Wikipédia para entender o universo paralelo do quadrinho também, em que os Estados Unidos ganharam a Guerra do Vietnã, por exemplo. >
Alguns dos personagens originais que ainda estão vivos aparecem, inclusive Adrian Veidt (Jeremy Irons), também conhecido como Ozymandias. Mas, como a graphic novel diz, "nada nunca termina". A história continuou, o que houve antes tem consequências agora, e a série vai imaginar como.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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