> >
Jim Morrison, o xamã sexy do rock, é assunto de livros nos 50 anos de sua morte

Jim Morrison, o xamã sexy do rock, é assunto de livros nos 50 anos de sua morte

Biografia, coletânea de textos e HQ põem em perspectiva legado do vocalista da banda The Doors, músico que preferia ser poeta

Publicado em 28 de março de 2021 às 15:00- Atualizado há 3 anos

Ícone - Tempo de Leitura min de leitura
Retrato do cantor Jim Morrison
Retrato do cantor Jim Morrison. (Reprodução)

"Índios espalhados sangram na estrada da aurora/ Fantasmas se aglomeram na frágil mente da criança."

Os versos que Jim Morrison recita em "Peace Frog" fazem parte da mitologia que o vocalista da banda The Doors difundiu em torno de sua figura. São como uma imagem fundacional de seu panteão de xamãs, soldados anônimos, selvas de dor, cavalos afogados e meninos insanos esperando a chuva de verão.

Natural, portanto, que a cena, que Morrison dizia ter testemunhado na infância após o capotamento de um caminhão no Novo México, ocupe as primeiras páginas de "Ninguém Sai Vivo Daqui", biografia que Jerry Hopkins e Danny Sugerman escreveram sobre o cantor. Enquanto o carro do pai se afastava do cruzamento, o espírito de um dos índios acidentados deixou o corpo e ocupou o do pequeno Jim, ele costumava dizer.

O livro ganha nova tradução no embalo dos 50 anos da morte do vocalista, que teve o corpo encontrado numa banheira em Paris, em julho de 1971. Não houve autópsia e ele foi enterrado no cemitério Père-Lachaise num cortejo que incluiu cinco pessoas, entre elas a cineasta Agnès Varda.

Capa do livro JIM MORRISON: NINGUÉM SAI VIVO DAQUI
Capa do livro JIM MORRISON: NINGUÉM SAI VIVO DAQUI. (Divulgação/Belas Letras)

Para marcar a data, ainda haverá o lançamento de "Morrison Hotel", graphic novel de Leah Moore que presta homenagem à banda, e, em junho, uma coletânea com todos os poemas, letras, anotações e diários deixados pelo intérprete de "Light My Fire", com metade do material inédito.

As obras põem em perspectiva o legado do roqueiro que preferia ser poeta e que, embora tivesse despontado junto com os hippies, compartilhava muito pouco com eles além da aversão a cortar o cabelo.

Enquanto seus colegas de San Francisco cantavam sobre coroas de flores, ele flanava por ruas decadentes de Los Angeles escrevendo letras sobre incesto, parricídio e assassinos à espreita na estrada. Não é à toa que Francis Ford Coppola, seu colega no curso de cinema, escolheu a sua música "The End" para embalar a viagem aos confins do pesadelo de "Apocalypse Now".

Morrison, mostra a biografia, era um cara bem culto. Bom aluno, leitor voraz, tinha uma paixão por Nietzsche, por Rimbaud, por Byron, por Hieronymus Bosch e, sobretudo, por Kerouac --amava o Dean Moriarty, de "Pé na Estrada", e se inspirou nele quando foi da Flórida à Califórnia de carona. Também gostava de Brecht, Aristóteles, Aldous Huxley e William Blake. Tudo coube no liquidificador de referências eruditas que levou para suas letras.

Capa do livro MORRISON HOTEL: GRAPHIC NOVEL
Capa do livro MORRISON HOTEL: GRAPHIC NOVEL. (Divulgação/Z2 Comics)

Em meados dos anos 1960, acabou enveredando pela música um pouco por acidente ao mostrar seus escritos ao amigo Ray Manzarek, que se tornaria tecladista do Doors. A eles se juntaram o guitarrista Robby Krieger e o baterista John Densmore, que se conheciam do curso de meditação.

Morrison via no rock uma oportunidade de extravasar seus interesses pelo comportamento das multidões. O gênero sempre foi ancorado na performance, mas o cantor buscava nele algo eminentemente teatral --no sentido da catarse próxima ao transe defendida por Antonin Artaud.

Se no início ainda cantava de costas para o público, aos poucos ele foi se soltando, se contorcendo ao microfone com suas justíssimas calças de couro. Era o xamã obsceno ou o xamá elétrico, como a imprensa se referia à figura magnética que transformou o Doors numa mistura de banda intelectual e sexual.

Amparada por entrevistas com quem o cercou ao longo de seus 27 anos, a biografia sustenta, com algum exagero, que Morrison foi o mais genuíno representante da geração que implodiu os valores dos progenitores nos anos 1960.

De fato, o primogênito de um rígido almirante e de uma dona de casa viu os pais pela última vez anos antes do estrelato e nem os quis receber quando tentaram se encontrar com ele num show. Costumava dizer que era órfão. Os versos freudianos sobre matar o pai e foder a mãe em "The End" só contribuíram para preservar essa imagem.

Capa do livro THE COLLECTED WORKS OF JIM MORRISON: POETRY, JOURNALS, TRANSCRIPTS AND LYRICS
Capa do livro THE COLLECTED WORKS OF JIM MORRISON: POETRY, JOURNALS, TRANSCRIPTS AND LYRICS. (Divulgação/HarperCollins)

Rebelde, sim. Mas violento, às vezes doce, arrogante, cruel, caótico, pretensioso e, principalmente, alcoólatra.

Assim como os contemporâneos de sua cena, Morrison também tomou muito ácido, fumou muita maconha e cheirou um bocado de cocaína --em especial no seu casamento com Patricia Kennealy, que acabou com ambos transando ensanguentados.

Mas parece não haver página no livro que não descreva o músico segurando uma garrafa de uísque, tropeçando ou vomitando. Bebia porque seus ídolos bebiam, depois passou a beber para aliviar as pressões da fama e, enfim, para domar a depressão.

Em 1967, ano do primeiro disco do Doors, ele ainda era o "Dionísio do surf", com torso esquálido e costelas sobressalentes. Um pouco depois, já adotava camisas para fora da calça para disfarçar a pança.

Mas até lá já tinha virado escravo da imagem sexy inicial. E, incomodado com um público que mais queria ver o circo pegar fogo do que apreciar sua arte, se rendeu ao confronto.

Chamou de idiotas os espectadores de um show em Miami, falou palavrões, ameaçou baixar a cueca (ninguém tem certeza se de fato fez) e ajudou a destruir o palco. Foi processado por indecência num caso midiático que se arrastou por meses e fechou a porta de casas de shows para a banda.

Pegou um avião até Paris e não voltou a Los Angeles, "cidade noturna de anjos perdidos", como cantava. Na França, comme d'habitude, conheceu espeluncas, se embriagou e talvez tenha provado heroína antes de morrer. Dizia a amigos, após a morte de Janis Joplin e Jimi Hendrix, que ele seria "o número três". De fato foi.

Antes, tentou matar a persona roqueira. Como poeta, fazia questão de assinar como James Douglas Morrison. Não deu certo. Hoje, 50 anos depois, a capa da aguardada compilação de seus escritos ainda traz, em letras enormes, o nome Jim Morrison.

SERVIÇO

  • JIM MORRISON: NINGUÉM SAI VIVO DAQUI
  • Preço: R$ 84,90 (440 págs.)
  • Autor: Jerry Hopkins e Danny Sugerman
  • Editora: Belas Letras
  • Tradução: Renato Rezende

  • MORRISON HOTEL: GRAPHIC NOVEL
  • Preço: R$ 118 (144 págs.)
  • Autor: Leah Moore
  • Editora: Z2 Comics

  • THE COLLECTED WORKS OF JIM MORRISON: POETRY, JOURNALS, TRANSCRIPTS AND LYRICS
  • Preço: R$ 296 (584 págs.)​
  • Autor: Jim Morrison

Este vídeo pode te interessar

Editora: HarperCollins

Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rapido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem

Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta

A Gazeta integra o

The Trust Project
Saiba mais