Publicado em 10 de novembro de 2019 às 10:01
Toda vez que você ouvir o jargão raaannn, pode esperar que lá vem bas-fond! Não entendeu, né? Calma, vou explicar, em partes. Raaannn é o cartão de visitas da travesti, funkeira e influenciadora digital Pepita. >
O apelido é, na verdade, codinome da mulher trans Priscila Nogueira, de 37 anos. Carioca, suburbana com orgulho (nasceu em Marechal Hermes, Zona Norte do Rio), ela - que prefere ser chamada de travesti - ganhou fama na internet há quatro anos, após viralizar com um vídeo em que aparecia dançando funk.>
Suas pernas musculosas chamaram a atenção e, por conta dos ataques homofóbicos que sofreu na ocasião, decidiu lançar-se como atuante dos direitos da comunidade LGBTQ+.>
Daí para o sucesso foi um pulo. Priscila lançou-se como cantora de funk e gravou músicas de sucesso, marcadas pela irreverência e crítica social, como Tô à Procura de um Homem, Chifrudo (uma parceria com a drag Lia Clark) e Chama a Beleza.>
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Com mais de 700 mil seguidores nas redes sociais, lançou um programa no Instragram, Cartas para Pepita, onde recebe mensagens de pessoas com problemas sentimentais, familiares e em dúvidas sobre sua sexualidade. Abaixo, veja a participação de Cleo Pires no programa.>
Na atração, Pepita dá dicas e conselhos de superação de preconceitos, também contando um pouco de sua história na busca pela dignidade LGBTQ+.Em nova fase, Pepita acabou de lançar uma versão em livro do programa, em que selecionou alguns dos comentários que mais chamaram a atenção dos internautas.>
Em setembro,inclusive, esteve na Bienal do Livro do Rio de Janeiro para lançar Cartas para Pepita. No mesmo evento, o prefeito Marcelo Crivella mandou recolher os quadrinhos Vingadores - A Cruzada das Crianças, da Marvel, por trazer dois homens se beijando.>
Em claro exemplo de censura às artes, também exigiu que colocassem sacolas pretas nas capas de todos os livros sobre diversidade sexual, na tentativa de esconder seu conteúdo.>
Em bate-papo com A GAZETA, Pepita comentou a atitude de Crivella, mandando uma espécie de recado para o prefeito. Vivemos em uma democracia. Nossas batalhas e conquistas foram muito suadas até aqui. Movimentos retrógrados não podem ser permitidos, dispara, como se estivesse preparada para uma batalha. Ainda durante a conversa, Pepita falou sobre a carreira e direito da comunidade LGBTQ+.>
Foi uma situação lamentável, mas nós somos resistência e gosto de ressaltar as coisas positivas, mesmo em circunstâncias de retrocesso. Nesta Bienal, a comunidade LGBTQ+ celebrou um momento importante. Pela primeira vez, o evento fez uma mesa para abordar a Literatura Trans, no intuito de celebrar a pluralidade. Estamos conquistando nosso espaço e ganhando voz, principalmente na internet, televisão e literatura. Nossas batalhas e conquistas foram muito suadas até aqui e ainda temos muito pela frente. Não podemos permitir que atitudes como a do prefeito mudem a nossa caminhada.
Acho que não só para os governantes, mas a base de uma sociedade saudável tem que passar pelo respeito. Sempre penso assim: o governo precisa ser o pilar desse comportamento. Não precisamos votar no mesmo partido, gostar do mesmo time de futebol, escutar a mesma música ou ter a mesma fé, mas precisamos aceitar as diferenças.
É levantar todo dia a bandeira da resistência e ter que mostrar meu potencial como artista e demarcar o espaço que conquistei. Também tento ser o apoio para pessoas que enfrentam o preconceito e têm menos voz. Uma mulher trans pode ser o que ela quiser. Precisamos ter travesti coach, advogada, empresária... A letra 'T' ainda assusta, mas precisam saber que temos a coragem de buscar o nosso espaço.
Pepita
Ativista do movimento LGBTQ+Acho que todas as histórias que compartilham comigo me levaram a esse caminho. A música e clipe de Chama a Beleza, por exemplo, criou um movimento de valorização e aceitação da própria aparência. Agora, estou lançando um clipe com a também funkeira Nininha Problemática, Quem Manda, em que celebramos a dignidade LGBTQ+. O clipe remete ao episódio histórico de Stonewall, a casa noturna que foi invadida pela polícia de Nova York, em 1969.
Costumo dizer que passei por uma metamorfose: primeiro veio a lagarta, depois um casulo e por fim virei uma linda borboleta. Assim foi a minha infância no Rio. Tenho a forte referência de minha mãe. Ela deu o meu primeiro sutiã (risos) e sempre apoiou para que eu me tornasse a mulher militante que sou. Meu pai e meus três irmãos também apoiaram a minha transição. Quando virei Priscila, minha irmã, que também é trans, virou Cadu. Somos uma família que nos apoiamos e nos respeitamos. Para os fãs, prefiro ser um ombro amigo em vez de exemplo. Acho importante eles saberem que sofri e ainda sofro preconceito. Ser famosa me dá visibilidade para expor esse tipo de situação e incentivar as pessoas a lutarem pelos seus direitos. Ser travesti é ser resistência.
Pepita
Militante do movimento LGBTQ+As pessoas sempre gostaram de compartilhar comigo suas histórias, frustrações e experiências. Acho que meu jeito espontâneo de lidar com as situações da vida, e a forma leve com que mostro isso, atrai. Minha agência, a Mynd, tinha conhecimento sobre essa interação dos seguidores, que mandavam mensagens compartilhando histórias e pedindo conselhos. Assim nasceu a ideia do programa no IGTV. Tendo como base mensagens que recebo com diversas dúvidas, questionamentos e histórias, aconselho a galera e tento ajudá-los em seus anseios e medos. O sucesso do programa, que já recebeu mais de duas mil cartas, fez com que ele ultrapassasse as barreiras da internet, virando um livro. O projeto veio para somar forças e dar mais voz à comunidade trans.
Acho que mais do que ajudar a comunidade LGBTQIA+, o programa ajuda pessoas. Hoje o programa chegou a um patamar que alcançou um público maior que minha bandeira, desde jovens até mães, donas de casa, assistem e comentam o Cartas para Pepita. A mensagem de amor próprio e aceitação que transmito no programa é muito verdadeira, e é isso que as pessoas precisam escutar, com leveza e bom humor. Saber que temos que nos amar em primeiro lugar e que podemos alcançar nossos objetivos. Eu, por exemplo, ultrapassei barreiras, afinal vivemos em um sociedade onde a mulher trans muitas vezes não se sente amada, então não é comum falarmos de autoestima, em uma sociedade que muitas vezes nos marginaliza. Fico imensamente feliz em quebrar esse paradigma com Cartas para Pepita, e poder trocar experiências e conselhos com pessoas de várias idades e sexo. Também é uma responsabilidade muito grande, e que eu faço com muita dedicação.
Infelizmente o preconceito transita em todos os lugares. Mas eu acredito no poder da mudança, desde que lutemos por ela, e é assim que vejo o movimento LGBTQIA+ na música. Ganhamos nosso espaço porque estamos lutando por ele diariamente e seremos resistência. Precisamos de um país que respeite as diferenças, é simples, tudo está no respeito e nos direitos iguais para todos.
O Cartas vai estrear a terceira temporada em dezembro. Além disso, estou preparando a minha estreia no teatro, com um monólogo de tenta desmistificar a vida de uma travesti, dando caminhos para conquistar o respeito e a dignidade. Deve estrear no início de 2020. Também fui convidada para ser umas das protagonistas da série de animação Free Girls, na qual vou dublar uma super-heroína que atua no combate à homofobia e a crimes de ódio, ao lado de Cleo Pires e de MC Rebecca. A série será exibida no projeto Cleo On Demand, no IGTV da atriz. O projeto tratará sobre temas sociais como feminicídio, LGBTfobia, arte e cultura.
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