Publicado em 16 de outubro de 2021 às 09:48
O medo mata a mente, diz um dos mantras de "Duna", mas foi um ataque do coração que matou Arthur Jacobs, produtor hollywoodiano por trás de "O Planeta dos Macacos" e o primeiro a tentar levar o livro de ficção científica de Frank Herbert para as telonas, em 1973. >
O que já seria uma produção milionária com David Lean virou um projeto grandioso até demais nas mãos de Alejandro Jodorowsky, que não passou de um gigantesco storyboard, mas inspirou a brilhante HQ "Incal". Em 1979, nem Ridley Scott –depois de "Alien", mas antes de "Blader Runner"– conseguiu dar conta. E só depois de sete versões do roteiro, a versão cinematográfica de David Lynch conseguiu deslanchar com a aprovação do autor do livro. Mesmo assim, o filme lançado em 1984 foi um fracasso, retalhado pelo estúdio e rejeitado pelo diretor.>
"Tudo que eu amo sobre o livro ainda não estava nas telonas, e ainda havia muito a ser feito a partir da minha sensibilidade", conta ao repórter o cineasta Denis Villeneuve, diretor da mais nova adaptação de "Duna", que chega aos cinemas brasileiros na quinta-feira que vem. Mas, ciente do que tem em mãos, ele adverte que "o fracasso é parte da natureza artística".>
Considerado um dos nomes mais autorais de Hollywood, Villeneuve, de 54 anos, já enfrentou muita responsabilidade em produções como "Blade Runner 2049", de 2017, que imagina um futuro para o clássico de 1982. E, se o medo mata a mente, nada melhor que uma carta branca dos produtores e US$ 165 milhões para trazer às telonas esse trabalho com o qual o diretor sonha desde os 14 anos.>
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"O mais difícil foi agradar àquele adolescente tão arrogante e ambicioso que eu era", conta o diretor, que espera contemplar desde os fanáticos até quem nunca ouviu falar da série –e nem teria paciência para um livro com mais de 600 páginas e um glossário de conceitos próprio.>
Ambientado num futuro séculos à frente, "Duna" narra a saga de Paul Atreides, papel de Timothée Chalamet, príncipe de um feudo galático que passa a controlar o planeta-título, disputado por causa da especiaria, a commodity mais valiosa do universo, só encontrada neste deserto habitado pelo povo nativo, os Fremen, e vermes colossais.>
A alegoria desta saga que começou a ser escrita em 1965 fica mais simples se trocarmos Duna pelo Oriente Médio, e a especiaria pelo petróleo. E se você já viu algum dos blockbusters dos últimos 50 anos, sabe quão velha é a história de um "escolhido" predestinado a salvar o mundo. Não à toa, esse é um livro que inspirou de "Star Wars" a animações japonesas –mas que tem como mensagem central a ideia de um perigo real.>
"O livro de Herbert é um alerta sobre figuras messiânicas que usam a religião como uma ferramenta política", conta o diretor. "Ele previu o crescimento do fanatismo e só ficou mais atual com o tempo. Fazer 'Duna' às vezes pareceu mais um documentário sobre a realidade e sobre o futuro do que uma ficção científica".>
Para se aprofundar nesse aspecto, porém, Villeneuve ainda tem de aguardar a aprovação da chefia para continuar a trama e mostrar as reviravoltas que essa primeira parte sugere –afinal, seu filme só chega à metade do catatau.>
"É o maior filme que eu já fiz, mas é uma introdução. É como se eu tivesse feito apenas meia sinfonia. É uma aposta", constata. Quando entrou no jogo, Villeneuve não contava com uma pandemia no meio das filmagens. "A finalização a distância foi mais difícil, mas eu diria que me deu um tempo precioso para experimentar e ter certeza de que o filme ficaria do jeito que eu queria".>
Fãs até podem duvidar sobre a divisão e sobre o final algo abrupto, mas Villeneuve acredita que as transformações de Paul "no final do filme seriam demais para a audiência assimilar".>
O destino do segundo filme continua dependendo da crise sanitária e de seu efeito nas bilheterias internacionais –que já somam mais de US$ 100 milhões pelo lançamento em alguns países europeus, acompanhando a boa recepção no Festival de Veneza– e o desempenho da estreia simultânea na HBO Max americana.>
Não é o lançamento ideal exclusivo para os cinemas como sonhava Villeneuve. "Somos animais sociais, queremos experimentar coisas juntos", justifica na entrevista, mas ele acata a importância financeira do sob demanda.>
Sorte por sorte, a escolha de Chalamet para viver o "Lisan al Gaib" –uma das nomenclaturas proféticas do protagonista– teve lá seu lado fatídico. "O Timothée era o único que poderia fazer o personagem, era com quem eu sonhava. Ele é muito maduro, tem uma alma velha e, ao mesmo tempo, parece ter uns 14 anos na frente da câmera", conta o diretor sobre seu escolhido, o badalado colírio de 25 anos que já foi indicado ao Oscar.>
"Denis e eu tivemos um foco muito grande em representar a imaturidade desse jovem, e em mostrar quem é o Paul antes da cena do Gom Jabbar, e como ele era antes de entrar nessa trajetória da profecia", lembra Chalamet, falando do momento em que seu personagem passa por uma teste decisivo.>
Outro rostinho pop do elenco é Zendaya –também aos 25, já dona de um Emmy de melhor atriz por "Euphoria". Mas a turba de fãs que estiver indo ao cinema para ver a atriz talvez fique mais satisfeita se esperar por "Homem-Aranha: Sem Volta Para Casa", que sai em dezembro.>
Sua personagem aparece mais em visões que acometem Paul e, depois, só nos minutos finais do filme, com um punhado de falas. "Mesmo com a pequena participação, foi um sonho participar desse universo recriado pelo Denis", diz a atriz, que promete ter maior destaque na continuação.>
Mas não que as personagens femininas fiquem em segundo plano. Chani, a personagem de Zendaya, assume traços proféticos e fatais que só perdem para a mãe de Paul, vivida por Rebecca Ferguson.>
Membro da irmandade Bene Gesserit –algo como bruxas desse universo–, Lady Jessica desafiou as próprias superiores ao conceber um filho homem com o duque Leto, papel de Oscar Isaac, e ainda treinar o menino com os poderes dessa ordem.>
"A rebeldia da Jessica é muito atraente e gosto como o Denis a quis empoderar de forma diferente. Eu a vejo como uma mãe sem gênero, que está de vestido, mas como um símbolo de poder", diz Ferguson, sobre a personagem que tem aqui um destaque que nem o livro, nem o filme de 1984 davam a ela.>
Da mesma forma, a presença do barão Harkonnen, chefe da casa rival dos Artreide e antigo explorador da especiaria, saiu de um seboso pederasta na visão homofóbica do filme de 1984 –e que espelha a visão preconceituosa de Herbert– para um obeso imponente e sem piedade. Para dar vida a ele, Stellan Skarsgard teve de ficar sob quilos de próteses e maquiagem encarando uma preparação que demorava cerca de oito horas.>
Jason Momoa, Josh Brolin, Javier Bardem, Dave Bautista e Chen Chang completam a constelação do elenco que, em grande maioria, Villeneuve tinha em mente quando começou a conceber o projeto. Sob a maldição dos holofotes como o "escolhido" da vez, o canadense vive um cenário bem diferente de quem, há 30 anos, roubava a trilha sonora do "Duna" de Lynch para enxertar num curta documental.>
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