Publicado em 7 de novembro de 2022 às 08:00
É quase senso comum imaginar que as crianças e os adolescentes, nativos digitais das gerações Z e Alpha, não tenham muito contato com os livros nos dias de hoje. Hiperconectada e curiosa, essa turma consome conteúdos com a rapidez que os dedos deslizam pelas telas dos tablets e celulares. >
Mas, para a surpresa de muitos, é justamente o TikTok - aplicativo famoso pelos vídeos curtos de dança e humor - que está ajudando a consolidar uma nova geração de leitores assíduos. As resenhas com indicações de livros viraram febre na plataforma, composta, em sua maioria, por adolescentes e jovens. >
O fenômeno, que se repete em vários países, é conhecido como BookTok. Por meio de vídeos criativos, usuários compartilham opiniões sobre os livros, criam listas de autores preferidos, fazem leitura de capítulos e até encenam personagens. >
Para se ter uma ideia, os booktokers, como são chamados os amantes da literatura na plataforma, estão por trás do êxito comercial recente de várias obras, entre elas “Vermelho, Branco e Sangue Azul” (Casey McQuiston), “A Garota do Lago” (Charlie Donlea), “Mentirosos” (E. Lockhart) e “Torto Arado” (Itamar Vieira Junior). Todas estão na lista dos livros mais vendidos em 2021, segundo levantamento da PublishNews, e todas foram sucesso de crítica e indicação no TikTok.>
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Presencialmente, o impacto pode ser visto nas livrarias, que criaram prateleiras com títulos que bombam no TikTok. Na última edição da Bienal Internacional do Livro de São Paulo, realizada em julho, booktokers e escritores alçados à fama pelo aplicativo levaram milhares de adolescentes para os corredores do evento. >
É fato também que as resenhas literárias não são uma novidade na internet. A prática, inclusive, ainda resiste em outras plataformas, como blogs, Instagram e YouTube. Mas para a pesquisadora Natália Huf, doutoranda em Jornalismo pela Universidade Federal de Santa Catarina, o sucesso desses conteúdos no TikTok pode ser explicado pela maneira como o próprio aplicativo funciona. >
Enquanto o Instagram cria bolhas por afinidade, a partir das pessoas que o usuário segue, o TikTok prioriza os conteúdos. “Você não depende do número de seguidores para fazer um vídeo viralizar e alcançar mais pessoas. Todo mundo é usuário e criador de conteúdo ao mesmo tempo”, ressalta.>
Isso acontece porque os algoritmos do aplicativo são “educados” pelos usuários a mostrar conteúdos que estão alinhados aos seus interesses. Se você fizer uma pesquisa sobre a saga Harry Potter, por exemplo, o TikTok sugerirá mais vídeos relacionados ao mesmo assunto e também temas semelhantes. >
“As outras redes sociais demandam que o usuário faça uma busca mais ativa pelos assuntos. Já no TikTok, é só ir rolando a tela para cima que os vídeos aparecem. É mais dinâmico e orgânico”, explica Natália. O perfil dos usuários também é outro diferencial.>
Natália Huf
Doutoranda em Jornalismo pela Universidade Federal de Santa CatarinaPara a neuropsicopedagoga Geovana Mascarenhas, os vídeos do TikTok são bons aliados na formação de novos leitores e podem ser usados, inclusive, na sala de aula. No entanto, pais e professores precisam filtrar esses conteúdos previamente. “É importante verificar também se o livro indicado tem uma linguagem apropriada para a faixa etária da criança ou do adolescente”, pondera.>
Em um vídeo de 55 segundos, Patrick Torres (@patzzic), de 22 anos, conta uma história aparentemente chocante. “O meu vizinho espancou a namorada dele outro dia… A polícia veio aqui e tudo”, começa o relato, todo feito em primeira pessoa.>
Parece fofoca de bairro, mas é, na verdade, o enredo do clássico “O Estrangeiro”, de Albert Camus, publicado em 1942. Somente esse vídeo já foi visto mais de 5 milhões de vezes e tem quase 900 mil curtidas no TikTok. >
A estratégia de apresentar a história do livro como se a pessoa tivesse presenciado todos os fatos narrados, mas sem entregar o desfecho, é conhecida como “fofoca literária”. Bastante utilizado por booktokers de outros países, o estilo se popularizou no Brasil somente em 2021, tendo Patrick como um dos precursores. >
O jovem, que também é escritor e estudante de Medicina, hoje tem mais de 300 mil seguidores no TikTok. A publicação dos vídeos começou em abril de 2021. “Resolvi ler 30 livros em um mês e precisava de um espaço para falar sobre eles”, conta. >
Filho de uma professora que sempre o incentivou a ler e apaixonado pela obra de Machado de Assis, o estudante não abre mão de falar sobre os clássicos, especialmente os brasileiros. >
“As pessoas ainda associam a leitura de Machado de Assis ao ambiente escolar, e isso pode ser um pouco desagradável quando feito por obrigação”, observa. Para driblar essa resistência, principalmente entre os mais jovens, é preciso mostrar que o hábito da leitura pode ser construído de maneira divertida e descomplicada, e é isso que os booktokers têm feito. >
“Nosso papel é mostrar a acessibilidade da leitura, que é possível inseri-la no cotidiano. O jovem pode e deve ler e conversar sobre livros para além do ambiente escolar ou acadêmico. A leitura também é um entretenimento de qualidade”, reforça. >
Com o sucesso no TikTok, Patrick foi chamado para falar sobre literatura em escolas e seus vídeos são usados por professores. Ele também criou o podcast “Nas horas vagas, Machado de Assis”, em que lê contos do renomado escritor. >
Crie um clube do livro
Falar sobre um livro que está “bombando” no TikTok é um ótimo pretexto para a criação de um clube de leitura na escola.
Organize idas a eventos literários
Frequentar estandes de livros ajuda a manter o interesse pela leitura. Não é à toa que a presença de escritores e booktokers famosos entre os jovens está crescendo nos eventos literários.
Não comece pelos clássicos
É normal que os jovens deixem de lado os clássicos e está tudo bem. Use as hashtags #booktok ou #booktokers para conhecer novos autores e ficar por dentro do que faz sucesso entre os mais novos.
Estimule a criação de conteúdo
Que tal incentivar a produção de resenhas literárias no TikTok? A atividade pode ser feita em grupo e o aplicativo conta com diversos recursos de áudios e vídeos para tornar o processo de edição mais criativo.
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