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Morosidade da Ufes em meio à pandemia é inexplicável

Universidade demorou cinco meses para decidir adotar ensino a distância, modelo que não é o ideal, mas é o possível. Desde maio tinha em mãos pesquisa que mostra que 96% dos seus alunos têm acesso à internet em casa

Publicado em 14/08/2020 às 06h00
Atualizado em 14/08/2020 às 14h12
Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), em Goiabeiras
Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), em Goiabeiras. Crédito: Ufes | Divulgação

Em 17 de março, dia em que o novo coronavírus matou o primeiro brasileiro, o ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta alertou que o país teria 20 semanas extremamente duras pela frente. Embora não fosse possível àquela altura prever qual seria a dinâmica da pandemia na América Latina, um cenário duro já era antevisto por especialistas para o Brasil pelo menos até este mês de agosto. Foi também naquele 17 de março que a Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) suspendeu as aulas presenciais. E é somente agora, após 150 dias, que a instituição decide adotar aulas remotas para os seus mais de 24 mil alunos.

A medida é obviamente necessária, visto que o Brasil ainda sofrerá por mais tempo do que o inicialmente projetado. Com mais de 100 mil mortos, o país está estacionado em um longo platô, com mais de mil óbitos diários, de onde não é possível vislumbrar a luz no fim do túnel. A questão é que, mesmo cumprindo toda a saudável liturgia de debates com a comunidade acadêmica, planejamento e treinamento, a Ufes poderia e deveria ter agido com mais celeridade. Não deixa de ser curioso que a universidade, com 20 de anos de experiência em ensino à distância, demore cinco meses para ampliar a modalidade na hora em que ela se mostra inevitável e emergencial.

Os desafios impostos à educação nesta pandemia são imensos. Em um país em que um quarto da população não tem acesso à internet e em que metade não possui computador, a adoção de atividades on-line é certamente um obstáculo para as tão almejadas qualidade do ensino e equalização de oportunidades. Mas não é alternativa descartável, tanto que foi essa a saída tomada pela Ufes após intensa discussão, com a criação de um grupo de trabalho e inúmeras discussões com câmaras e conselhos superiores. A resolução era inescapável, por isso surpreende a demora.

Desde maio a instituição têm em mãos, por exemplo, os resultados de uma consulta com a comunidade acadêmica que aponta que 96% dos alunos e 99% dos professores têm acesso à internet em casa. Entre os que responderam à pesquisa, 73% dos estudantes afirmaram que o ambiente em que moram tem as condições adequadas para participar de aulas on-line. Apenas 4% do corpo docente afirmou que não teria condição de exercer nenhuma atividade remota.

A letargia em adotar o ensino não presencial não é circunscrita à Ufes. Das 69 universidades federais do país, 38 continuam com as atividades suspensas e outras 12 mantêm apenas atividades parciais. Em todo o Brasil, são 564 mil universitários sem aulas e sem perspectivas, e a falta de coordenação nacional é cristalina.

MEC, que lavou as mãos sobre apoio didático e reorganização de calendário escolar para os níveis fundamental e médio, sob gestão de Estados e municípios, também permaneceu alheio ao drama do ensino superior, sob sua alçada constitucional. Quando a pasta foi questionada sobre apoio às instituições, deu de ombros. Afirmou que “cabe às universidades a elaboração do seu plano de trabalho, bem como a produção de suas aulas e a capacitação de profissionais”.

As federais têm autonomia didática e administrativa, mas não é razoável que tenham que criar 69 planos diferentes de retomada, se enfrentam um desafio comum. Curiosamente, quando lançou um plano de biossegurança no mês passado, o mesmo MEC foi muito mais plausível, ao apontar que estava “lançando diretrizes gerais, que podem apoiar a essas redes, eventualmente com uma ou outra mudança que eles queiram implementar”. Por que a mesma estratégia não foi adotada desde o início, para todos os dilemas que afligem o ensino superior nesta pandemia?

A adoção de atividades remotas nem de longe encerra as discussões. A luta de estudantes dos ensinos fundamental e médio neste período deixa claro que o ensino remoto, elaborado às pressas para suprir uma demanda emergencial, não é o modelo ideal. Mas é a ferramenta disponível em um momento de crise. De imediato, há os obstáculos óbvios de disponibilizar pacote de dados, aplicativos e equipamentos, que vão exigir recursos e cooperação de governos, agências públicas de fomento e iniciativa privada. Depois, será preciso elaborar políticas para minimizar os danos à aprendizagem dos alunos e aos projetos de pesquisa e extensão. 

Os desafios estão postos podem pressa . Espera-se que a Ufes não demore outros 150 dias para tomar decisões que interferem na vida de 30 mil pessoas diretamente, entre estudantes, professores e servidores, e no desenvolvimento de todo o Espírito Santo. Uma instituição com a importância da Ufes, com um corpo científico respeitado, precisa ser mais ágil e assertiva. Deve aproveitar-se de todo o conhecimento e experiência acumulados ao longos dos seus mais de 60 anos de existência para apresentar soluções nas horas de bonança, mas especialmente nos momentos de incerteza.

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