Desastre fiscal brasileiro abre as comportas para as tragédias da chuva

Não é necessário muito esforço para perceber o quanto a falta de racionalidade do gasto público é prejudicial para a própria organização urbana, o que, em última instância, acaba levando às catástrofes sociais decorrentes das chuvas

Publicado em 15/02/2020 às 04h00
Atualizado em 15/02/2020 às 04h01
Iconha, a cidade mais atingida pela enchente que afetou o Sul do ES. Crédito: Fernando Madeira
Iconha, a cidade mais atingida pela enchente que afetou o Sul do ES. Crédito: Fernando Madeira

Não chega a ser um spoiler: quem já assistiu ao filme “Parasita”, longa sul-coreano que reinou no Oscar deste ano e fez história como a primeira produção de língua não inglesa a levar a categoria principal, pôde sentir uma familiaridade incômoda com as cenas da enchente que afetou diretamente os protagonistas, residentes nas zonas periféricas de Seul.

O Brasil lamentavelmente se espelha naquelas imagens, com a água suja levando o pouco que os personagens possuíam. Tanto lá quanto aqui, é a própria vida da população mais pobre que se esvai com a correnteza.

E, quando se fala em consequências trágicas das chuvas no Brasil, o verão de 2020 tem sido assustador, com temporais devastadores, principalmente na Região Sudeste. São Paulo foi o cenário mais recente da calamidade, repetindo o caos urbano que tomou conta de cidades de Minas Gerais e Espírito Santo neste início de ano.

Nesses eventos recentes, as águas tiveram ainda mais força quando encontraram pelo caminho a inabilidade gerencial histórica do poder público, na qual a palavra “prevenção” tenta preencher inutilmente os discursos vazios. Demagogia pura e simples.

Principalmente porque o planejamento de grandes obras capazes de minimizar os estragos causados por fenômenos naturais exige comprometimento político e, principalmente, investimentos, cada vez mais escassos no abismo fiscal em que o país ainda se encontra. 

O jornalista Carlos Alberto Sardenberg contextualizou o problema com precisão em sua coluna no jornal O Globo: “Atrasar pagamento de salários e aposentadorias é um desastre político. Parar, atrasar ou suspender o início de uma obra é fácil. Tem um custo político limitado e sempre pode ser amenizado com promessas”.

É fácil ver essa premissa no próprio orçamento público. O governo paulista, exemplificou Sardenberg, reservou R$ 163,8 bilhões para despesas com pessoal, aposentadorias e pensões, enquanto R$ 10 bilhões ficaram para a infraestrutura, onde entram projetos de controle de enchentes. O que mostra que o Estado brasileiro não passa de um grande RH.

Não é necessário muito esforço para perceber o quanto a falta de racionalidade do gasto público é prejudicial para a própria organização urbana, o que, em última instância, acaba levando às catástrofes sociais decorrentes das chuvas.

Por mais que os extremos climáticos testemunhados neste início de 2020 já venham sendo alertados desde o início deste século, dentro das previsões dos modelos de mudança climática divulgados à exaustão em painéis internacionais, o que ainda pode fazer a diferença é a qualidade da gestão.

Administradores públicos não podem seguir com ouvidos moucos quando estudiosos alertam que essas manifestações extremas do clima já podem ser consideradas o “novo normal”. O passado não é mais parâmetro, é hora de começar a lidar com o imprevisível.

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