Decisão sobre volta do horário de verão exige menos “achismos” e mais estudos

Prática de adiantar o relógio em uma hora não pode se limitar a nova polarização, entre os que amam e os que odeiam a mudança de horário

Publicado em 21/11/2022 às 02h00
Anoitecer na Baía de Vitória, no Centro da Capital
Anoitecer no calçadão da Avenida Beira-Mar, em frente à baía de Vitória. Crédito: Vitor Jubini

Basta se aproximar o período mais quente do ano para ser retomado um debate corriqueiro: o horário de verão deve ou não ser adotado no Brasil? Abolida no país desde 2019, depois de ter sido rotina por 34 anos consecutivos, essa medida tornou-se tema de discussão mais uma vez a partir de uma enquete realizada nas redes sociais do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva. Nela, 66% se mostraram favoráveis à prática, enquanto 34% disseram ser contra a troca de horário.

Enquetes, porém, não devem ser consideradas como instrumentos de rigor científico para a tomada de decisões desse tipo. É provável que a mesma pergunta, feita nas redes sociais do atual presidente, Jair Bolsonaro, tivesse um resultado diametralmente oposto, por exemplo. Deve-se, portanto, sair de dentro da própria bolha e, por meio de estudos sérios, buscar argumentos que sustentem ou não a adoção do horário de verão no país.

Existente em vários países, o horário de verão foi adotado pela primeira vez no Brasil no governo Getúlio Vargas, entre 1931 e 1932. Mas a prática só se tornou permanente de fato a partir de 1985, com o objetivo de reduzir o consumo de energia no então horário de pico, das 18 às 21 horas.

Ao adiantar os relógios em uma hora, entre os meses de outubro e fevereiro, durante a primavera e o verão, a ideia é aproveitar por mais tempo a luz do dia. Com isso, torna-se possível postergar o uso de lâmpadas e eletrodomésticos nas residências, garantindo uma redução na utilização de eletricidade durante o horário de pico.

Depois de atingir até 5% de economia na demanda por energia no período noturno, a medida foi perdendo força ao longo das décadas, em função da mudança de hábitos da população e dos setores produtivos, bem como dos avanços tecnológicos.

O pico de consumo de energia, que antes era à noite, passou para a tarde, entre 15 e 16 horas, devido ao aumento no uso de ar-condicionado por empresas e pelo comércio. Nas residências, as lâmpadas incandescentes deram lugar às de LED, mais eficientes. O que tornou menos relevante a redução do uso de eletricidade no período noturno.

 Números do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) apontam que, em 2013, essa economia havia sido de R$ 405 milhões, com uma queda de 2.565 megawatts (MW) no consumo de energia. Em 2017, os índices despencaram para R$ 145 milhões e 2.185 MW, respectivamente. Dados que serviram de argumento para o governo Bolsonaro suspender a adoção do horário a partir de 2019.

O impacto econômico pode existir para alguns setores, a partir da expectativa de um comportamento diferente da população durante o horário de verão. Ainda assim, há divisão de opiniões. O Sindicato dos Restaurantes, Bares e Similares do Espírito Santo (Sindbares) e a Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel) dizem que a mudança é bem-vinda, por estimular as pessoas a irem em busca do happy hour, o que aumenta o consumo nesses estabelecimentos.

Outros donos de bares, porém, disseram a A Gazeta que são contra a medida, porque os benefícios se restringiriam aos estabelecimentos situados próximos à orla, onde há aumento de circulação de pessoas em busca de aproveitar os dias mais longos.

A esses argumentos contrários, podem se juntar as avaliações de médicos e especialistas em saúde. Há quem aponte que a mudança no horário provoca alterações no funcionamento do relógio biológico. Isso levaria a problemas durante o sono e causaria falta de atenção ao longo do dia.

Diante de tantos fatores, qualquer decisão sobre a volta ou não do horário de verão deve ser tomada com base em estudos mais profundos. Além dos já citados custos para a economia, problemas de saúde ou benefícios comportamentais, deve-se também levar em consideração, por exemplo, os impactos para a segurança pública e o trânsito. É importante verificar se há redução no número de assaltos e homicídios com o maior aproveitamento da luz do dia. Ou se o número de acidentes cai no período de vigência dessa medida.

Do contrário, em vez de uma decisão séria, o país estará apenas alimentando mais uma polarização infrutífera. Uma disputa entre os que amam e os que odeiam o horário de verão, baseada em argumentos vazios, que se sustentam apenas em “achismos” ou enquetes frágeis de redes sociais.

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