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MPF pede intervenção judicial na Vale para garantir segurança de barragens

MPF pede intervenção judicial na Vale para garantir segurança de barragens

Procuradoria da República quer o afastamento dos executivos que são responsáveis pela elaboração e implementação de planos e políticas de segurança da empresa

Publicado em 3 de setembro de 2020 às 10:34

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Brumadinho após o rompimento da barragem
Brumadinho após o rompimento da barragem. (Corpo de Bombeiros/Divulgação)

Ministério Público Federal (MPF), por meio da força-tarefa Brumadinho, ajuizou uma ação civil pública pedindo para que seja determinada a intervenção judicial na Vale S.A., com o afastamento das funções corporativas dos responsáveis pela elaboração e implementação de planos e políticas de segurança interna da empresa.

A Procuradoria da República em Minas Gerais quer a nomeação de um interventor judicial para identificar, em até 15 dias, os diretores e demais gestores da alta administração. Em seguida, o interventor deverá assumir o trabalho das atividades designadas aos executivos afastados. 

Em nota, A Vale disse que tomou conhecimento, por meio de nota de imprensa, da ação pela imprensa. A companhia disse que não foi citada e que vai esclarecer as medidas que têm praticado para garantir segurança às barragens. (Veja nota completa no final do texto)

Segundo o MPF, será necessário que o interventor escolhido elabore um plano de trabalho de reestruturação da governança da mineradora, com metas de curto, médio e longo prazos.

Além disso, deverá ser submetido ao juízo e aprovado, a metodologia de trabalho, com medidas preventivas de desastres, de transparência, responsabilidade, uma perspectiva de desenvolvimento das atividades empresariais da companhia que seja respeitoso aos direitos humanos, visando também um meio ambiente ecologicamente equilibrado. 

A Vale também deve contratar uma empresa de auditoria independente, preferencialmente entre quatro maiores do mundo, que ficará responsável por auditar a nova governança implementada. Esses relatórios deverão ser submetidos ao MPF, à CVM e à ANM, recomendando e indicando as melhorias e incrementos vinculantes.

Ao longo do tempo, a ação explica que a Vale desenvolveu uma cultura interna de menosprezo aos riscos ambientais e humanos, e que se apropria dos lucros das operações. Assim, para a sociedade ficam os riscos e efeitos prejudiciais da corporativa mineradora sendo, portanto, uma situação de irresponsabilidade.

Isso pode ser observado com os desastres do rompimento das barragens de Fundão, em Mariana, e da mina do Córrego do Feijão, em Brumadinho. A ação cita que eram duas barragens que, “em razão do descompromisso da Vale com a segurança de barragens de rejeitos e, consequentemente, com o meio ambiente e a vida, romperam-se e causaram, num curto espaço de tempo entre elas, os dois maiores desastres sociotécnicos do Brasil”.

O MPF informa que esses desastres não são exceções, mas, que apresenta uma política sistemática de gestão de riscos que privilegia a produção e o lucro em detrimento da segurança.

Para o MPF, se não fosse uma atuação das instituições do sistema de Justiça, outras barragens iriam se romper, já que o sistema acionou planos de ação de emergência dessas barragens que pertencem à mineradora.

Mesmo assim a Vale nega que havia problemas, de acordo com os procuradores da República. Como resultado, várias pessoas foram removidas de casas que ficavam próximas às estruturas, a fim de evitar mais desastres.

FALHAS

Vários termos de ajustamento de conduta com a Vale foram feitos para as minas de Capitão do Mato, Cauê, Conceição, Gongo Soco, Mina do Meio e outras, bem como para as estruturas remanescentes das Minas Capanema, Fazendão, Córrego do Meio e Mina de Águas Claras.

Uma consultoria independente foi contratada de forma emergencial para reavaliar as informações que a empresa havia fornecido sobre a segurança dessas barragens, como a de Fundão e as da mina do Córrego do Feijão. Contudo, as consultorias detectaram falhas graves, que foram utilizadas como recomendações ou ordens judiciais direcionadas à Vale para que as corrigissem.

PROBLEMA

De acordo com a Agência Nacional de Mineração (ANM), o Brasil tem 841 barragens de rejeitos de mineração, e 441 estão inseridas na Política Nacional de Segurança de Barragens (PNSB). Destas, 145 são empreendimentos de responsabilidade direta da Vale.

SEGURANÇA

Em pronunciamento, a Vale diz seguir um sistema de governança, que é conhecido como modelo de “Três Linhas de Defesa”, desenvolvido pelo Institute of Internal Auditors (IIA). O modelo foi implementado após o rompimento da barragem de Fundão, em 2015, mas não é o que demonstra no desastre na mina no Córrego do Feijão, em Brumadinho (MG) assim como em outros inúmeros episódios.

Após o rompimento da barragem em Brumadinho, autoridades da investigação informaram diversas falhas nas linhas de defesa que não possuíam a independência necessária para agir e prevenir desastres. As autoridades descobriram que, a maioria dos aspectos de segurança são aplicados em segurança do trabalho e não totalmente concentradas no que diz respeito à segurança das estruturas de rejeitos.

“Vigora na Vale um verdadeiro sistema de irresponsabilidade corporativa: o que, à primeira vista, pode transparecer uma só omissão quanto aos procedimentos e ao trato dos riscos das atividades empresariais, ao olhar mais acurado e investigativo revela um sem número de ilegalidades reiteradamente cometidas no âmbito de uma das maiores mineradoras do mundo. Quem paga a conta: as pessoas atingidas, o estado e a sociedade brasileira. Quem deve estar blindado de responsabilidade: os membros do alto escalão empresarial (irresponsabilidade organizada)”, diz a ação.

Segundo a força-tarefa MPF, a intervenção é a única medida possível para modificar essa situação. “Tudo quanto demonstrado nesta ação conduz à inevitável conclusão de que o sistema de governança adotado hoje pela Vale tem gerado extensos e profundos danos à sociedade, além de caracterizar uma atuação desrespeitosa aos direitos humanos, entre os quais o direito ao meio ambiente”.

DIVIDENDOS

A ação pede, como medida coercitiva (art. 139, IV, do CPC), a vedação do pagamento de dividendos ou juros sobre o capital próprio, até que seja declarado pelo interventor a plena colaboração da empresa com as medidas de intervenção, tal como as dificuldades, problemas ou atraso no cumprimento das medidas de reestruturação.

O MPF também pede a Agência Nacional de Mineração (ANM) e a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) sejam obrigadas a supervisionar e fazer as recomendações necessárias à implementação do plano de governança proposto e desenvolvido pelo interventor, apresentando semestralmente ao juízo relatório com os resultados das suas avaliações. 

O que diz a Vale sobre a ação

A Vale informa, nos termos da Instrução CVM nº 358/2002, que tomou conhecimento, por meio de nota de imprensa, de ajuizamento de ação civil pública pelo Ministério Público Federal, com um pedido de intervenção judicial na Companhia para garantir a segurança de barragens. 

A companhia não foi citada do feito e apresentará sua manifestação nos autos do processo, no prazo legal. A Vale esclarece que as atuais práticas de gestão de suas estruturas minerárias refletem as melhores referências globais do setor. 

Em linha com o contínuo aprimoramento dessas práticas, conforme o seu desenvolvimento no mercado, a Vale implementou mudanças ao longo dos últimos 18 meses para fortalecer ainda mais a segurança de seus processos operacionais e de gestão de suas estruturas geotécnicas. Dentre as medidas adotadas nesse período, a Companhia destaca: 

- Criação de três Comitês Independentes de Assessoramento Extraordinários do Conselho de Administração, para Apoio e Reparação, Apuração e Segurança de Barragens, sendo que este último será mantido até 2021. 

-Antecipação do plano de descaracterização das estruturas a montante, um dos principais marcos para reduzir o nível de risco da Companhia. 

- Criação da função de Engenheiro de Registro (EoR), na figura de empresas externas responsáveis por realizar a inspeção regular de segurança das barragens da Companhia e os relatórios técnicos mensais, em linha com as recomendações da Mining Association of Canada (MAC), pela Canadian Dam Association (CDA) e pelo Comitê Independente de Assessoramento Extraordinário de Apuração. 

- Construção de novas estruturas de contenção a jusante das barragens a montante, já concluídas para a barragem Sul Superior e em conclusão para a B3/B4. 

- Nova análise técnica do histórico e das condições atuais de todas as suas barragens. 

- Aumento significativo de seus investimentos em gestão de barragens e implementação de um novo Sistema de Gestão de Rejeitos, que é altamente aderente aos novos padrões internacionais do International Council on Mining and Metals (ICMM). 

-Aprovação de uma nova Política de Gestão de Riscos e a criação de cinco Comitês Executivos focados no tema, sendo um específico para riscos geotécnicos . Reforço das linhas de defesa, com destaque para a segunda linha, através da criação da Diretoria Executiva de Segurança e Excelência Operacional, em junho de 2019, que delineou seu plano de trabalho para os próximos dois anos e está conduzindo uma avaliação de risco global da Companhia.

- Instalação do Comitê de Auditoria e da Diretoria de Compliance para reforçar a governança de riscos e controle.

- Celebração de 14 Termos de Compromisso com o MPMG com ações focadas em segurança de barragens e contratação de auditores externos de suas estruturas geotécnicas em favor do MPMG. A Vale permanece firme em seus propósitos de reparar integralmente os danos causados pelo rompimento da barragem de Brumadinho e garantir a segurança de nossas pessoas e ativos. A companhia continuará a colaborar com o Ministério Público e com todas as investigações em curso.

Outro lado

Com informações da assessoria do MPF e da Vale.

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