Publicado em 15 de novembro de 2020 às 10:20
O distanciamento social imposto pelo coronavírus levou à eliminação de 165 mil vagas de vendedores do varejo entre março e junho. >
Com a reabertura gradual de lojas e fábricas, o mercado laboral tem se recuperado. Mas o saldo de 18,5 mil novos postos de atendentes do comércio criados desde julho está longe de compensar a destruição dos meses anteriores.>
Essa história se repete com milhares de outras ocupações dos mais diversos segmentos econômicos.>
Segundo o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), apesar de restaurantes e bares terem voltado a funcionar, o país criou apenas 900 vagas formais de garçom desde julho, ante 46 mil eliminadas nos meses de confinamento.>
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Até na engenharia -carreira associada à escassez de talentos no país - tem faltado demanda. As 3.300 vagas de engenheiros e arquitetos eliminadas no auge da crise ainda são mais do que o triplo das 900 criadas no terceiro trimestre.>
Embora alguns segmentos -como construção civil e informática - tenham sido menos afetados ou até beneficiados, o balanço geral ainda é bastante negativo.>
As demissões ocorridas no mercado formal brasileiro entre março e junho ultrapassaram as contratações em 1,6 milhão. A cifra é mais do que o dobro das 697 mil criadas entre julho e setembro.>
É normal que a retomada após um choque brusco e intenso não seja relâmpago. Contratações e desligamentos são processos burocráticos e caros. Além disso, nem sempre a economia reage rapidamente.>
No caso atual brasileiro, porém, as projeções têm piorado, e economistas esperam um retrocesso no lento movimento de criação de vagas, levando o desemprego a disparar em 2021.>
"Se o problema fosse o país repor as quase 900 mil vagas formais perdidas desde a crise, ele não seria tão grande", afirma Cosmo Donato, economista da LCA.>
Segundo ele, o efeito pior da crise -que ainda não apareceu totalmente- se manifestará, em parte, sob a forma de mais demissões quando acabar a estabilidade de emprego garantida aos trabalhadores de empresas que aderiram aos programas de redução de salário ou suspensão de contrato de trabalho.>
Cosmo Donato
EconomistaO economista Bruno Ottoni, da consultoria iDados, concorda com o diagnóstico:>
"Sem uma retomada econômica forte, é difícil imaginar que as empresas conseguirão evitar as demissões quando seu compromisso de manter a estabilidade dos funcionários acabar".>
Existe um consenso entre analistas de que a deterioração do mercado de trabalho teria sido muito mais severa caso o governo federal não tivesse oferecido às empresas a possibilidade de reduzir salários e suspender a jornada de seus funcionários durante a crise, desde que garantissem a manutenção do emprego.>
Prorrogado até este mês, esse benefício exige como contrapartida que os trabalhadores afetados tenham estabilidade no trabalho pelo tempo equivalente ao que seus contratos foram alterados.>
O melhor cenário seria que a economia tivesse tempo de se recuperar totalmente, nesse intervalo. Um olhar restrito aos dados recentes pode sugerir que isso tem ocorrido.>
A produção da indústria e a confiança empresarial, por exemplo, já estão ligeiramente acima de seus patamares anteriores à pandemia.>
Mas, segundo especialistas, esse quadro é insustentável, pois não reflete uma economia em que a produtividade e o investimento crescem e geram um ciclo virtuoso.>
Ao contrário, a expansão atual ocorre especialmente na esteira do auxílio emergencial a famílias vulneráveis, que tem término previsto para o fim do ano. Essas transferências, que eram de R$ 600 e caíram para R$ 300, sustentaram um ritmo forte de consumo até setembro -quando indicadores como do comércio voltaram aos níveis pré-crise. De lá para cá, porém, o indicador se estabilizou.>
O auxílio emergencial, avaliam, também ajudou a conter o aumento do desemprego.>
"Provavelmente, há trabalhadores que não aparecem na estatística de desocupação porque estão recebendo o auxílio e, portanto, não têm buscado uma vaga", afirma Ottoni, que é também professor da Uerj e pesquisador do Ibre-FGV.>
Isso ajuda a explicar, segundo ele, por que a taxa de participação -que expressa a fatia da população em idade ativa ocupada ou buscando emprego- despencou nos últimos meses.>
No início de 2020, 61% dos brasileiros de 14 anos ou mais trabalhavam ou procuravam uma vaga. Nos três meses encerrados em agosto, essa média havia caído para 54,7%, menor nível registrado desde o início da série do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2012.>
Como revelou reportagem publicada pela Folha de S.Paulo, essa queda foi mais marcante entre jovens de 18 a 24 anos.>
Muito afetados também por demissões, os trabalhadores dessa faixa etária podem ter desistido de buscar temporariamente uma vaga porque suas famílias -ou eles próprios- vêm recebendo o auxílio.>
Com a suspensão do benefício, eles tendem a retomar a busca por uma ocupação.>
Esse movimento, somado ao provável aumento das demissões nas empresas, tende a provocar uma disparada na taxa de desemprego.>
Uma indicação de quanto a desocupação pode aumentar é dada pela evolução ainda contida das demissões no mercado formal.>
Nos 14 meses anteriores a março deste ano, ocorria uma média de 1,3 milhão de demissões por mês no país. Embora esse número tenha tido expressivo avanço em março e abril, desde então -após a criação do programas de suspensão de contrato ou redução de jornada e salário- ele caiu e se estabilizou em um nível cerca de 16% abaixo do período pré-pandemia.>
A expectativa de analistas é que esse ritmo de desligamentos tenha forte aumento no início do próximo ano, contribuindo para uma elevação na taxa de desocupação, hoje em 14,4%, segundo o IBGE.>
A iDados espera que o desemprego, hoje em 14,4%, chegue a 17,3% em março de 2021. A projeção, que era de um aumento para 16,6%, acaba de ser revista.>
Segundo Donato, da LCA, a própria crise sanitária pode contribuir para uma nova piora do mercado de trabalho.>
"A crise está muito profunda, tem uma nova onda de Covid-19 na Europa. Isso vai afetar de forma negativa o cenário global, atingindo o Brasil", afirma o economista.>
A LCA projeta que o país retome o nível de emprego registrado em fevereiro (93,7 milhões de trabalhadores ocupados, incluindo o mercado informal) apenas em novembro do próximo ano.>
"O viés para 2021 é de baixa. O risco de terminarmos o ano que vem com saldo na geração de empregos que não supere o patamar pré-crise é concreto", afirma Donato.>
Ele ressalta que a frágil situação fiscal do governo dificulta a postergação do programa de auxílio de renda a curto prazo. O ministro Paulo Guedes (Economia) já disse que, caso a pandemia se agrave no país, o auxílio emergencial será prorrogado, mas em um patamar inferior ao atual.>
Cosmo Donato
EconomistaNa sexta-feira (13), Guedes reconheceu que é difícil manter o ritmo de criação de vagas que houve no terceiro trimestre do ano.>
"Foram 100 mil [vagas abertas] em julho, 200 mil em agosto e 300 mil em setembro. O ritmo está tão forte que talvez seja difícil manter", afirmou o ministro, em evento virtual promovido pela Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), após dizer que o país está saindo da recessão.>
As perspectivas são agravadas ainda pelo enfraquecimento do mercado informal após a pandemia.>
A informalidade funciona como um "colchão" de segurança para o trabalhador CLT que é demitido. Esse efeito foi bastante marcante na recessão de 2014 a 2016, quando o número de trabalhadores atuando por conta própria ou sem carteira assinada disparou.>
Neste ano, porém, essa válvula de escape parece ter sido bloqueada. Desde a eclosão da pandemia, o mercado informal encolheu. Apenas no trimestre encerrado em agosto, a queda foi de mais de 25%.>
Em parte, isso pode ser consequência da saída temporária e voluntária de trabalhadores autônomos do universo laboral, enquanto recebem o benefício emergencial pago pelo governo.>
Mas há também mudanças em curso no comportamento dos consumidores, que podem ter um impacto negativo duradouro -ou até permanente- sobre o mercado informal.>
Uma delas é a tendência a evitar contato pessoal em consequência do risco de contágio pela Covid-19. A outra é a provável continuação do consumo crescente pela internet.>
Esse segundo movimento tem outros efeitos colaterais sobre o mercado de trabalho.>
A demanda por profissionais com formação em tecnologia tem aumentado.>
No auge da pandemia, foram eliminados 645 postos formais de profissionais de informática. Mas, diferentemente do que ocorre com outras profissões, desde julho a demanda por esses profissionais registra forte alta, levando a um saldo positivo de 7.700 vagas criadas no terceiro trimestre.>
O problema é que as máquinas e a inteligência artificial também substituem trabalhadores. No Brasil, isso já vinha levando à destruição de vagas como as de auxiliares em escritórios e assistentes administrativos, e essa tendência ganhou fôlego neste ano.>
Por isso, segundo especialistas, a única forma de o Brasil alcançar um ritmo saudável e sustentável de criação de emprego é superar os problemas que, nos últimos anos, têm limitado os investimentos.>
"É provável que o governo precise adotar ou prorrogar medidas emergenciais que atenuem o efeito do aumento do desemprego em 2021. Mas, a médio prazo, a única solução é o crescimento econômico", afirma Ottoni.>
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