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Deputados aliados de Bolsonaro em SP propõem medidas na contramão de Guedes

Deputados aliados de Bolsonaro em SP propõem medidas na contramão de Guedes

Entre os textos, há iniciativas que criam mais despesas para o governo do estado, pressupõem interferência estatal na iniciativa privada, têm viés assistencialista ou estabelecem privilégios para determinados grupos e categorias profissionais

Publicado em 11 de janeiro de 2020 às 16:47

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Paulo Guedes, ministro da Economia. (Tomaz Silva/Agência Brasil )

Apesar do alinhamento a Jair Bolsonaro (sem partido) na pauta de costumes, aliados do presidente com mandato na Assembleia Legislativa de São Paulo apresentaram em 2019 uma série de projetos de lei que contrariam os preceitos liberais.

Levantamento da reportagem com base nas propostas protocoladas por deputados estaduais do PSL -partido ao qual Bolsonaro estava filiado até novembro- mostra que a bancada frequentemente destoa das bandeiras defendidas pelo ministro da Economia, Paulo Guedes.

Entre os textos, há iniciativas que criam mais despesas para o governo do estado, pressupõem interferência estatal na iniciativa privada, têm viés assistencialista ou estabelecem privilégios para determinados grupos e categorias profissionais.

A bancada paulista do PSL tem 15 parlamentares e é a maior da Casa. A maior parte deles tem o plano de migrar para a nova legenda que Bolsonaro está fundando, a Aliança pelo Brasil.

A lista de projetos na Assembleia que se chocam com a pauta liberal de Guedes é extensa. Inclui, por exemplo, a proposta do deputado Rodrigo Gambale que obriga os estabelecimentos comerciais de beira de rodovia a oferecer banheiros públicos.

O mesmo parlamentar é autor de um projeto para proibir comércios de negarem o uso do banheiro para quaisquer pessoas em todo o território paulista.

Gambale afirma não ver "tamanho prejuízo em que o Estado esteja interferindo nas empresas" com as propostas sobre o banheiro. "Não entendo como a utilização do banheiro causaria mal ao estabelecimento comercial."

Na relação de propostas que ampliam gastos para os cofres do Executivo aparecem a que prevê criar serviço de podologia gratuito (também apresentada por Gambale) e a que determina a instalação de bebedouros em parques públicos e vias de grande movimento (do deputado Tenente Nascimento).

Gambale argumenta que a proposta da podologia não é por estética, mas para quem sofre de diabetes e não tem verba para o tratamento. "O propósito é evitar custos maiores com problemas de saúde mais graves", diz.

Em sua justificativa sobre os bebedouros, Nascimento diz se inspirar em iniciativas de países desenvolvidos para evitar poluição com copos e garrafas de água. Diz que a medida fará com que o estado seja "aconchegante, hospitaleiro e adequado para atender o grande afluxo de pessoas".

Ainda contrariando a ideia do estado mínimo, há o projeto que quer obrigar o Estado a fornecer protetor solar a pessoas que fazem ou fizeram tratamento de câncer de pele (do deputado Coronel Nishikawa).

O deputado, no projeto de lei, escreve que é preciso evitar a reincidência da doença.

Na mesma toada, Tenente Nascimento sugere que o governo distribua fraldas descartáveis aos idosos e Gambale busca aprovar o pagamento de auxílio aos estudantes universitários carentes (um salário mínimo mensal para alunos das universidades públicas paulistas).

Nesses casos, os deputados argumentam, respectivamente, que a medida seria para idosos hipossuficientes e que é preciso capacitar os jovens. "Eu trabalho numa linha liberal, mas não extrema", diz Gambale.

Na área de impostos e tributos, os deputados também têm sugestões conflitantes com o liberalismo econômico.

Há uma proposta, de Adalberto Freitas, que prega isenção de IPVA (imposto sobre propriedades de veículos) para motoristas de peruas escolares, e outra que dispensa o pagamento de taxa de inscrição de candidatos de concursos públicos que sejam doadores de medula óssea ou tenham baixa renda -do deputado Major Mecca.

Mecca afirma que a diminuição na arrecadação é baixa, pois poucos candidatos atenderiam ao critério de isenção. "A preocupação com o social não é monopólio de partidos progressistas. O PSL é um partido de direita, composto por integrantes liberais e conservadores, dependendo da pauta. Deixamos muito claro que os parlamentares teriam liberdade para o desempenho de seus mandatos", diz.

O deputado Frederico D'Ávila, ligado ao setor agropecuário, apresentou projeto para isentar do pagamento de ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) "equipamentos, peças, acessórios e instrumentos destinados à irrigação".

Ele argumenta que o kit de irrigação, quando comprado de maneira conjunta, já possui isenção de ICMS e a ideia é estender o benefício ao produtor que precisa repor peças separadamente. "Muita gente deixa de modernizar seu equipamento, o que vai gerar benefícios hídricos e energéticos", diz.

Bem mais escassos, os projetos imbuídos do espírito liberal incluem um texto de Leticia Aguiar que institui o Programa Voucher Educação. Pela proposta, o Estado ofereceria vagas para crianças e adolescentes na rede particular de ensino com base em critérios de meritocracia.

A pedido da reportagem, a professora Fernanda Mansano, do Instituto Ludwig von Mises Brasil, que promove o liberalismo, analisou alguns dos projetos mencionados e afirma que eles vão contra a cartilha de Guedes. Para ela, prevalece nas propostas a ideia de que o Estado é que tem que resolver tudo.

"Por que em vez de obrigar uma empresa a fazer algo, o Estado não reconhece e premia aquela que faz? Quando você obriga, essa obrigação vai gerar custo. Certamente vai aumentar o preço da cerveja porque o estabelecimento tem que deixar o banheiro limpo", afirma.

A proximidade com a orientação do governo Bolsonaro sobe muitos níveis, no entanto, quando são analisados os projetos de lei dos deputados estaduais do PSL que tocam em temas caros ao presidente, como pautas de comportamento, questões de gênero, bandeiras conservadoras e revisionismo histórico.

Nesse quesito, Douglas Garcia é um dos mais produtivos. É de autoria dele projeto que "veda a exposição de crianças e adolescentes a danças que aludam a erotização precoce", além de propostas para garantir o respeito a símbolos cristãos e para combater a "intolerância ideológica".

Douglas é ainda o autor da ideia de estabelecer 31 de março como o Dia Estadual da Restauração das Liberdades Democráticas. Pelo texto, a data seria convertida em comemoração do golpe militar de 1964, que o deputado classifica como revolução.

O parlamentar também tem no seu rol de projetos um que, ao menos em tese, agrada aos defensores do livre mercado: uma lei que assegura a produção, fornecimento, consumo, comércio, uso e distribuição de canudos de plástico.

Ao buscar garantir a fabricação e circulação dos tubinhos, Douglas satisfaz o anseio liberal de autorregulação do mercado, mas frustra a guerra ambientalista em torno do produto.

Também é de Douglas a proposta de proibir a apreensão de veículos inadimplentes, que evoca princípios liberais. "O Estado não pode meter a mão na propriedade privada dos outros", diz.

Segundo Douglas, os deputados do PSL na Assembleia agem de forma independente, sem receber orientação do governo Bolsonaro para seguirem uma linha liberal na economia e conservadora nos costumes.

"Sempre me identifiquei como conservador. E liberdade de mercado é um dos princípios dos conservadores", afirma o deputado, que milita pelo Escola sem Partido, por exemplo.

É quando se trata de temas ligados a policiais militares ou ao funcionalismo de modo geral, porém, que os parlamentares do PSL abandonam o liberalismo rumo ao corporativismo. A bancada tem em sua formação militares, policiais, agente federal e delegado.

Apesar de Bolsonaro ter patrocinado uma reforma da Previdência federal, a bancada do PSL resiste à proposta do governador João Doria (PSDB) para replicar o projeto no estado -principalmente por ser prejudicial aos servidores públicos.

Para o cientista político Carlos Melo, a postura da bancada indica "contradição com o alegado liberalismo do governo, mas não com o presidente".

O professor do Insper diz que os deputados repetem no âmbito paulista a dissonância entre as políticas de Guedes e a mentalidade de Bolsonaro, que até a campanha de 2018 pendia mais para o estatismo e o corporativismo.

"Havia uma agenda à procura de um candidato. Sem ter nada a dizer sobre economia, como ainda hoje confessadamente não tem, Bolsonaro se deixou cooptar pelo liberalismo de Guedes, mas não foi por amor."

Melo arrisca afirmar que, "na cabeça do presidente há mais concordância com essa agenda do PSL paulista ou com a bancada da bala do que com o suposto liberalismo de seu governo".?

PROPOSTAS POUCO LIBERAIS DA BANCADA DO PSL EM SP

Deputado Rodrigo Gambale

- Estabelecimentos comerciais de beira de rodovia devem oferecer acesso a banheiros;

- Estabelecimentos em geral não podem negar uso do banheiro para cidadãos em território paulista;

- Oferecimento de serviço de podologia gratuito.

Deputado Tenente Nascimento

- Instalação de bebedouros em parques públicos e vias de grande movimento;

- Distribuição de fraldas descartáveis a idosos.

Deputado Adalberto Freitas

- Isenção de IPVA para motoristas de peruas escolares.

Deputado Frederico D'Ávila

- Isenção de ICMS para equipamentos, peças, acessórios e instrumentos destinados à irrigação.

O PSL NA ASSEMBLEIA DE SP

15

deputados

Gil Diniz

é o líder da bancada

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