Publicado em 14 de setembro de 2020 às 08:13
Depois das altas dos alimentos e da construção civil nos últimos meses, o consumidor pode se deparar em breve com outro item mais caro no comércio: as roupas. >
O preço do algodão subiu no campo, encareceu para a indústria e começa a atingir os produtos têxteis. As negociações de tecidos para a temporada do outono/inverno de 2021, que começam a ser realizadas agora, já estão sendo feitas em patamares de preços até 40% maiores do que há um ano.>
O setor, que praticamente paralisou as atividades no início da pandemia, foi pego de surpresa com a volta dos consumidores às compras. Em julho, por exemplo, segundo o IBGE, as vendas de tecidos, vestuário e calçados subiram 25,2% na comparação com o mês anterior. Em 12 meses, porém, o setor ainda registra queda de 19,7%.>
Parte da demanda foi impulsionada pelo auxílio emergencial de R$ 600 pago aos mais pobres, que agora será reduzido para R$ 300.>
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Isso não quer dizer, porém, que as compras de roupas voltarão a cair: a Associação Brasileira da Indústria Têxtil (Abit) considera haver uma demanda reprimida entre consumidores de maior poder aquisitivo.>
Eles gastaram menos nos primeiros meses da crise, fizeram poupança e devem retomar as compras em breve, especialmente com os trabalhadores voltando do home office (quase 10 milhões de brasileiros deixaram o isolamento rigoroso desde julho, segundo o IBGE) e quando as aulas forem retomadas.>
O resultado é que os empresários precisaram ir atrás da matéria-prima num momento de algodão caro, poucos insumos disponíveis no mercado e menos oficinas funcionando, já que parte delas não aguentou o pico da crise e fechou as portas.>
Essa combinação de fatores é atípica para o setor. Apesar da safra recorde, a arroba do algodão pluma subiu 35% em 12 meses até agosto.>
Com o dólar a mais de R$ 5, as exportações são mais vantajosas e há menos produto para o mercado interno, reduzindo a quantidade de algodão disponível para a fiação. A fibra responde por 50% a 60% do custo da fiação.>
Fernando Pimentel, presidente da Abit, diz que há ainda defasagem entre a colheita - que praticamente terminou-- e o beneficiamento da fibra, que pode causar o que ele considera um "estresse temporário de abastecimento".>
Nas últimas três semanas, o movimento da cadeia produtiva se intensificou. No caso das pequenas confecções, que trabalham sem estoque, o repasse da alta dos preços pode ser praticamente imediato. Mas marcas grandes não estão imunes.>
Tito Bessa Jr, da TNG, diz que ter encontrado aumentos de 20% nos preços do tecido, patamar que ele considera inviável.>
Na semana passada, Amanda Santos da Silva, gerente-executiva da Ideia Crua, confecção de pequeno porte na zona leste da capital, percorreu dez lojas e fábricas de malhas de algodão no Brás, importante polo têxtil de São Paulo.>
Somente três tinham o produto a pronta-entrega. Os preços do quilo da malha vêm subindo a cada visita. Dos R$ 27 pagos há um mês, o tecido estava oscilando entre R$ 43 e R$ 48 na última semana.>
Com o aumento na matéria-prima, foi necessário reajustar o preço das camisetas, diz Amanda. A marca anunciou a alta de R$ 3,50 em uma rede social. "Temos um política de comunicação baseada na transparência. Se o algodão voltar cair, vamos voltar para o preço antigo", diz.>
O empresário Richard Narchi, da Rikwill, fechou na última semana as compras de moletom --item que virou o "uniforme" do home office no auge da pandemia-- para a coleção de inverno do ano que vem.>
Dos R$ 25 por quilo do tecido negociados em novembro do ano passado, pagou, ao fornecedor com melhor preço, R$ 35 há alguns dias.>
Além do preço do algodão, Narchi diz que o conjunto de imprevistos vividos pelo setor têxtil poderá resultar até em falta de produtos.>
"Você tem a situação de que os importadores trouxeram pouca coisa da China. No período de compras para a coleção de verão, a partir de março, os negócios pararam. Então vamos ter muito problema, falta muita coisa a pronta-entrega", afirma.>
Da China, explica, vêm tecidos, aviamentos e produtos acabados. A situação só não será pior para quem, assim como ele, tem sobras da coleção do ano passado, além de matéria-prima que ainda pode ser aproveitada.>
Ele relata que também vem percebendo uma sobrecarga das oficinas de costura. Como muitas não sobreviveram ao período mais crítico da pandemia, há menos gente para atender a produção, que só está sendo retomada agora.>
Nem todos os comerciantes, porém, devem subir os preços neste momento. Nelson Tranquez Jr, do CDL Bom Retiro, diz que ainda no pico da crise já havia a percepção de preços mais altos. Porém, afirma que as compras para o verão ainda estão começando. "Quando estava tudo fechado, houve quem quisesse cobrar aumentos enormes, mas a gente simplesmente não comprou.">
Ele diz que tradicionalmente há um aumento de preços nas matérias-primas no período entre estações, então alguma elevação já era esperada.>
No dia a dia do Bom Retiro, no entanto, ele diz que o esforço hoje é vender a coleção de inverno, que ficou praticamente parada na pandemia. Esses produtos começaram a aparecer no mercado após o Carnaval, que, em 2020, coincidiu com o início da crise sanitária provocada pela Covid-19, que contaminou a economia.>
Apesar de os preços estarem defasados, lojistas não veem muito espaço para remarcação enquanto o consumo apenas começa a ser retomado.>
O empresário Christos Kritselis diz que a coleção primavera/verão já está em produção e que os preços seguirão nos mesmos patamares. "Já tínhamos comprado [tecidos] para o verão. O que fizemos foi reduzir os volumes e negociar prazos", afirma.>
A produção de Kritselis é voltada principalmente para alfaiataria feminina e, por isso, os custos de matéria-prima são mais afetados pelo dólar do que pelo preço do algodão. Tecidos como poliéster, poliamida e viscose têm em abundância nos importadores.>
O difícil, no momento, é programar os custos. Grandes compradores pagam pela mercadoria quando ela chega ao Brasil --e a volatilidade do câmbio está dificultando o fechamento de contratos futuros.>
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