Publicado em 13 de junho de 2020 às 16:42
O ministro de Relações Exteriores, Ernesto Araújo, e o ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) da Presidência da República, general Augusto Heleno, convenceram o presidente Jair Bolsonaro de que o leilão do 5G deve oferecer restrições aos fabricantes chineses de equipamentos como a Huawei. >
Resultado dessa pressão, Bolsonaro afirmou em transmissão via internet, na quinta-feira (11), que o certame levará em conta a "soberania, a segurança de dados e a política externa".>
Ou seja, a escolha dos novos padrões tecnológicos da telefonia deixou de ser técnica e ganhou conotação geopolítica.>
Isso porque, com essa condição, o Brasil vai sinalizar seu apoio aos Estados Unidos, que travam uma disputa de forças políticas e econômicas com a China e exigem salvaguardas aos equipamentos da Huawei de países aliados.>
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O presidente Donald Trump chegou a proibir as teles americanas de adquirir aparelhos da gigante chinesa, mas teve de recuar por decisão judicial.>
Em uma reunião ocorrida nesta semana no Palácio do Planalto com a ala militar e o presidente Bolsonaro, o chanceler Ernesto Araújo enviou o parecer definitivo do Itamaraty sobre o assunto.>
Contrariando e surpreendendo os técnicos de sua pasta, que estavam alinhados com o Ministério da Ciência e Tecnologia, Araújo recomendou o banimento completo da Huawei.>
A reportagem teve acesso ao documento. Nele, o ministro não apresentou evidências técnicas de falhas de segurança que permitissem ataques de hackers ou roubo de dados pelo próprio fabricante - o que o governo chama de "segurança cibernética".>
A ala ideológica do governo afirma que a Huawei, maior empresa de equipamentos de telecomunicações do mundo, é controlada por autoridades da China.>
No documento, Araújo defende que o Brasil não sofreria nenhum tipo de sanção comercial porque a China possui como maiores fornecedores de matérias-primas e alimentos os Estados Unidos, o Brasil e a Austrália. Para ele, se os três se juntassem em apoio a Donald Trump, os chineses não teriam saída e continuariam importando desses países.>
A ministra da Agricultura, Tereza Cristina, que não participou do encontro, defende o contrário. Para ela, qualquer tipo de restrição à China na oferta de equipamentos de rede 5G terá efeitos danosos sobre o desempenho do agronegócio, único setor ativo neste momento de pandemia.>
Pessoas que acompanham as discussões afirmam que a ministra considera que as ameaças à China passaram do limite e cogita deixar o cargo se esse embate persistir.>
O maior defensor do embargo à China é o general Heleno, do GSI. Partiu dele a elaboração de um decreto, assinado por Bolsonaro em fevereiro, que instituiu o Plano Nacional de Segurança Cibernética.>
Foi preparada uma instrução normativa com as diretrizes principais, e o cumprimento da nova lei vale para todos os órgãos da administração pública direta.>
Cabe à Anatel, neste momento, preparar uma regulamentação dessas regras que terão impacto sobre o leilão do 5G. Isso porque, de acordo com o edital do leilão, as operadoras de telefonia que adquirirem as licenças de operação serão obrigadas a cumprir a regulamentação da Anatel.>
A agência se vê agora diante de um impasse político porque, de alguma forma, pretende atender ao Planalto, mas não aceita radicalizar, como pede Bolsonaro.>
Duas são as travas que o GSI quer ter incorporadas ao leilão de 5G e com as quais a Anatel não concorda.>
A primeira, considerada a mais controversa, prevê que, em uma mesma área geográfica, ao menos duas empresas concorrentes deverão operar com equipamentos fornecidos por fabricantes diferentes.>
Se, por um lado, isso restringe a participação de mercado da líder Huawei, que hoje é a marca presente em mais da metade das redes instaladas no país, de outro, induz a formação de um cartel de compradores, um crime passível de severa punição pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade).>
Isso porque essa diretriz obrigará as empresas a acertar com os fornecedores a divisão geográfica de suas vendas, prática que fere a liberdade econômica e a livre concorrência.>
Percebendo os danos po- tenciais, presidentes das principais operadoras, como Christian Gebara, da Vivo, foram a público defender os padrões de segurança cibernética da Huawei.>
Outro ponto que o GSI quer atacar via Anatel será a homologação e a certificação dos equipamentos 5G. Pela instrução normativa, só poderão passar os aparelhos que sigam, comprovadamente, as políticas de segurança agora definidas pelo decreto.>
Hoje, a agência tem total autonomia para fazer os testes. Com a nova lei, qualquer desajuste da política da fabricante com o código brasileiro já será motivo para reprovação.>
Caso sejam obrigadas a não adquirir Huawei nas mais diversas regiões, as teles afirmam ainda que terão de trocar os equipamentos da gigante chinesa que hoje operam no serviço 3G e 4G pelos de outros fornecedores.>
Hoje, todos os equipamentos "conversam entre si", mas, no 5G, as concorrentes têm problemas de intera- ção com os aparelhos da Huawei. Os chineses, ao contrário, dialogam com todas as outras marcas.>
Por isso, indagam se esse custo de desinstalação será considerado no cálculo do valor do leilão, já que essa medida não estava prevista quando o edital foi elaborado.>
Esses assuntos só serão discutidos pelo conselho da Anatel em julho, quando o presidente da agência, Leonardo de Moraes, apresentará seu relatório.>
Apesar disso, as operadoras decidiram aguardar porque sabem que o leilão, inicialmente previsto para novembro, não será realizado neste ano.>
A pandemia causada pelo coronavírus impediu que os técnicos da Anatel saiam às ruas para a realização de testes da nova tecnologia.>
Há três meses, eles interromperam os experimentos com filtros em antenas parabólicas para tentar impedir possíveis interferências entre os satélites (que enviam canais de TV, por exemplo) e o sinal das antenas 5G de celular.>
De acordo com o edital do 5G, se o filtro for viável, as operadoras terão de arcar com os custos da mitigação de todas as parabólicas do país para poder utilizar a faixa de frequência de 3,5 GHz, uma das que serão leiloadas. Caso contrário, será preciso leiloar outra faixa de frequência, que exigirá filtros muitos mais caros.>
Frequências são como avenidas no ar por onde as operadoras fazem trafegar seus dados. Fora dessas raias, ocorrem interferências não somente entre aparelhos mas também entre operadores.>
Esse atraso, que possivelmente se estenderá por mais dois meses ao menos devido à pandemia, não permitirá que os cálculos do leilão sejam concluídos a tempo e ele deverá ser adiado para o primeiro semestre de 2021.>
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