Advogada, coordenadora de Projetos CADH, mestranda em Direitos e Garantias Fundamentais (FDV) e especialista em Direitos Humanos e Segurança Pública

A água é um direito humano ou “gênero alimentício” a ser comercializado?

Enquanto mercadoria que é suscetível de compra e venda, a água urge ser preservada, para ser acessada por todas as pessoas, como condição básica de vida. Por isso, é um direito

Publicado em 16/11/2019 às 04h00
Atualizado em 16/11/2019 às 04h00
Acesso à água como direito universal. Crédito: Divulgação
Acesso à água como direito universal. Crédito: Divulgação

Experimentamos nos últimos quatro anos tragédias ambientais que colocam a água no centro do debate social, jurídico, político e econômico. Mariana, Brumadinho e o derrame de óleo no litoral do Brasil denunciam como os cuidados com esse elemento essencial para a sobrevivência da humanidade são negligenciados.

A utilização do fraturamento hidráulico por empresas de mineração é uma das maiores causas de consumo de água no mundo, acarretando envenenamento de reservas hídricas como bem nos alertou a socióloga holandesa Saskia Sassen em sua obra “Expulsões: brutalidade e complexidade na economia global”. Cabe ressaltar que a utilização irresponsável da água por grandes empresas cada vez mais ameaça a vida humana.

Destaca a citada autora que a demanda por água potável deverá aumentar 50% até 2030, e que alguns cientistas apontam a água como o “novo petróleo”. Segundo a socióloga, o presidente da Nestlé, uma das maiores engarrafadoras de água, em entrevista gravada em 2005, manifestou o entendimento de que considerar a água como Direito Humano seria solução extrema, e que entendia que a água é um “gênero alimentício”, e, portanto, passível de precificação.

Na sua manifestação, o mencionado presidente ainda sinalizava que medidas específicas deveriam ser adotadas para as pessoas que não tem acesso a água. Vale relembrar as informações de Sassen, de acordo com o Programa Mundial de Alimentos e a Unicef, que cerca de 870 milhões de pessoas são atingidas pela desnutrição e 780 milhões não tem acesso à água. Diante dessa informação, fico curiosa para saber quais seriam as “medidas específicas” adotadas para garantir o acesso à água para 780 milhões de pessoas.

A declaração do presidente da Nestlé, Peter Brabeck-Letmathe, não caiu bem, levando-o a recuar em sua posição, de acordo com Sassen. Contudo fica o ponto que merece relevo e reflexão, principalmente nesse momento em que milhares de pessoas experimentam as consequências das tragédias ambientais que atingem a água, que é condutora de vida e meio de sobrevivência de tantos, de forma impune por grandes empresas. A água é um Direito Humano ou um “gênero alimentício” que pode ser comercializado?

Embora a Unicef e o Programa Mundial de Alimentos tenham declarado, é de ciência ampla que o acesso à água não é universal, como deveria ser, o que de per si, se constitui uma grave violação. Garantir água de qualidade a todas as pessoas, é condição fundamental para a manutenção da vida e prevenção de doenças. Preocupar-se com a qualidade e existência da água é urgente para a preservação das gerações futuras, e por isso, implica a todos nós, considerando que compromete a vida de nossos descendentes.

E não se trata de garantir o acesso a uma mercadoria ou a um “gênero alimentício”, mas assegurar um Direito. É preciso que as mudanças sejam adotadas imediatamente, para que o futuro possa existir. Enquanto mercadoria que é suscetível de compra e venda por aqueles que detém o capital, a água urge ser preservada, para ser acessada por todas as pessoas, como condição básica de vida, por isso, um Direito.

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