Crítico de cinema e colunista de cultura de A Gazeta

"Ratched", da Netflix, traz ótima origem para vilã inesquecível

Série criada por Ryan Murphy para a Netlflix, "Ratched" mostra a vida da enfermeira Mildred Ratched, grande vilã do clássico "Um Estranho no Ninho"

Publicado em 18/09/2020 às 18h10
Atualizado em 18/09/2020 às 18h10
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Série "Ratched", da Netflix. Crédito: SAEED ADYANI/NETFLIX

A enfermeira Mildred Ratched é uma das grandes vilãs do cinema. No clássico “Um Estranho no Ninho” (1975), de Milos Forman, conhecemos uma mulher fria, vingativa e calculista que manipula os pacientes e seus tratamentos em um hospital psiquiátrico para interesses próprios. Interpretada por Louise Fletcher, a enfermeira é assustadora e usa o medo como mecanismo de controle, mas vê seu poder minado com a chegada de McMurphy (Jack Nicholson), um paciente que causa uma revolução dentro do hospital. O filme, disponível no Amazon Prime Video e baseado no livro de Ken Kesey, é um dos únicos até hoje a levar os cinco principais prêmios do Oscar (Filme, Atriz, Ator, Direção e Roteiro).

Na onda de humanizar vilões e despertar certa empatia por eles, “Ratched” chega à Netflix para contar um pouco da vida da enfermeira no período que antecede o filme de 1975. A série criada por Ryan Murphy ("American Horror Story", "Hollywood", The Politician") acompanha os primeiros dias de Mildred no hospital, de sua chegada à tomada de controle da instituição. A protagonista é interpretada com maestria por Sarah Paulson, atriz que não se limita a imitar a interpretação de Louise Fletcher e se preocupa em conferir mais profundidade a ela.

Mildred Ratched é uma mulher misteriosa, mas suas motivações vão sendo conhecidas aos poucos, no decorrer dos oito episódios da primeira temporada - qualquer revelação a mais no texto, assim, pode estragar alguma das boas surpresas da série.

“Ratched” tem narrativa próxima do suspense, em pouco (ou nada) lembrando “Um Estranho no Ninho”. A série começa devagar, quando presenciamos o brutal assassinato de padres e o encaminhamento do responsável para uma instituição de saúde mental. Depois já somos apresentados à protagonista e passamos a acompanhá-la dentro e fora do hospital em uma trama que cresce a cada episódio.

A série tem início em 1947, no pós-Segunda Guerra e 16 anos antes dos eventos de “Um Estranho no Ninho”. Com uma segunda temporada já confirmada, “Ratched” foi pensada por Ryan Murphy para durar quatro levas de episódios, se encerrando justamente com os acontecimentos que dão início ao filme. A série nos faz lembrar do absurdo dos métodos e no quanto o tratamento psiquiátrico evoluiu a partir do final do século passado. A crueldade de algumas técnicas torna-se um prato cheio para os planos da protagonista.

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Sharon Stone em "Ratched", da Netflix. Crédito: SAEED ADYANI/NETFLIX

A assinatura de Ryan Murphy é facilmente identificável tanto em questões narrativas quanto em estéticas. “Ratched” é colorida, com cenários vivos e uma condução que emula o cinema clássico; trilha sonora, enquadramentos e transições parecem saídas do cinema hollywoodiano dos anos 1960, não muito diferente de “Hollywood”, outra série de Murphy para a Netflix. O cineasta também imprime à série um clima permanente de tensão sexual entre os personagens e algumas subversões já vistas em seus outros trabalhos; ainda assim, “Ratched” tem um Ryan Murphy mais contido, talvez respeitando o tom do material original.

Um dos aspectos legais de “Ratched” é que a série não tem pena de seus personagens, os fazendo sofrer ou ps eliminando sem muita piedade - não é como em “The Walking Dead”, por exemplo, que dá desenvolvimento a alguns personagens secundários apenas para matá-los em seguida.

O desenvolvimento de Mildred Ratched é interessante e sempre queremos conhecer seus próximos passos ou entender o que se passa em sua cabeça. Por isso, é uma pena que algumas situações se iniciem e se encerrem tão rapidamente e com tanta facilidade - elas até têm consequências, mas parecem sempre colocadas em segundo plano pelos outros personagens. Além disso, o texto confere à personagem aspectos mais humanos no decorrer da trama, assim, a Mildred de Sarah Paulson parece aos poucos se afastar daquela de Louise Fletcher, quando deveria ocorrer justamente o contrário.

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Série "Ratched", da Netflix. Crédito: SAEED ADYANI/NETFLIX

Além de Paulson, excelente, a série ainda traz nomes como Sharon Stone, Cynthia Nixon e Judy Davis em papéis de destaque. A força das mulheres na série não deixa de ser uma ironia, pois a enfermeira foi muitas vezes considerada um símbolo misógino, a criação de um homem para mostrar o que poderia ocorrer caso as mulheres conquistassem sua independência - a personagem, vale lembrar, foi criada na década de 1960.

Mesmo cheia de exageros, principalmente na falta de cuidado ao abordar doenças mentais, a série consegue manter um clima tenso e uma narrativa fortemente influenciada por Alfred Hitchcock. “Ratched” se propõe a lidar com causa e consequência de traumas e cicatrizes, mas acaba se saindo melhor como estudo de personagem - mergulhar na personalidade da protagonista e tentar entender seus atos e motivações torna-se uma jornada bem interessante.

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