Crítico de cinema e colunista de cultura de A Gazeta

"O Diabo de Cada Dia", da Netflix, é um violento mergulho na fé

Comandado por um grande elenco, filme "O Diabo de Cada Dia" adapta para as telas  livro homônimo e mistura gêneros em um eficiente, mas irregular, thriller pelo interior dos EUA no pós-Guerra

Publicado em 16/09/2020 às 17h48
Atualizado em 16/09/2020 às 17h48
Filme
"O Diabo de Cada Dia". Crédito: Glen Wilson/Netflix

“O Diabo de Cada Dia”, lançado nesta quarta (16) pela Netflix, chama a atenção logo de cara por seu elenco cheio de rostos conhecidos principalmente pelo público mais novo. A lista é encabeçada por Tom Holland (o Homem-Aranha), Robert Pattinson (o Batman), Bill Skarsgård (o palhaço de “It - A Coisa”), Sebastian Stan (o Soldado Invernal) e Mia Wasikowska (“Alice no País das Maravilhas”), todos vivendo personagens marcantes do interior remoto do sul dos EUA durante os anos 1940 e 50, do pós-Segunda Guerra ao início da Guerra do Vietnã.

Dirigido por Antonio Campos (“The Sinner”), responsável também por adaptar o livro homônimo de Donald Ray Pollock para as telas, o filme oferece um mergulho em um interior conservador, fortemente influenciado pela religião, uma característica dos EUA pós-Guerra, mas cheio de maldade e corrupção moral.

Tudo começa quando Willard (Bill Skarsgård) retorna da guerra transformado pela violência que presenciou. Ele conhece uma garota, Charlotte (Haley Bennett), e logo forma uma família. O destino, porém, faz com que ele retome a fé perdida em batalha na tentativa de preencher o vazio interior e amenizar as dores. Ao mesmo tempo acompanhamos também a relação de Helen (Mia Wasikowska) e o pastor Roy Laferty (Harry Melling), pais da pequena Lenora. No meio do caminho, Carl (Jason Clarke) e Sandy (Riley Keough) um casal de serial killers que abusa sexualmente de viajantes na estrada e os mata. Fica claro, desde o início, que as três narrativas estão interligadas e irão se encontrar em algum momento - algumas soluções são criativas, outras, nem tanto.

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"O Diabo de Cada Dia". Crédito: Glen Wilson/Netflix

O que move “O Diabo de Cada Dia” é a maneira encontrada por cada núcleo para lidar com a fé e vivê-la. Há a religiosidade pelo desespero, o último recurso, assim como as distorções de compreensão, a ignorância e a devoção cega que abre portas para a exploração alheia. É Arvin (Tom Holland), justamente um jovem afastado da fé, que une esses caminhos.

Ao longo de seus 138 minutos, o filme de Antonio Campos tem momentos distintos. O primeiro ato é bem interessante, com a apresentação dos personagens e o choque causado pelos atos deles. O roteiro guarda uma estrutura narrativa bastante similar à do livro, inclusive com um narrador (Donald Ray Pollock, o autor do livro) interligando acontecimentos, situando o espectador e, às vezes, eliminando qualquer subjetividade ao descrever exatamente o que sentem os personagens e por que agem de determinada forma.

O Arvin de Tom Holland é quem consegue dar o tom violento e pesado do filme; ele tem que lidar com os fantasmas familiares e com a dor causada por isso, mas recorre à violência ao invés da fé para solucionar conflitos, é sua herança, é como gosta de lembrar do pai.

Já o pastor vivido por Pattinson parece fora de compasso com o resto da trama, e isso não ocorre por culpa do ator, que tem a entrega habitual ao papel, mas pela construção do personagem pelo texto. Ele surge como um gatilho para o desenvolver da trama e o início do terceiro ato e até cumpre essa função, mas de maneira abrupta e exagerada.

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"O Diabo de Cada Dia". Crédito: Glen Wilson/Netflix

O terceiro ato muda o tom do filme e o pesado drama sobre fé e violência dá lugar a um eficiente thriller. À medida que a jornada de Arvin se aproxima do fim, mais caminhos se cruzam para encerrar a trama sem deixar pontas soltas. O final, ainda que não seja brilhante ou inovador, é satisfatório.

“O Diabo de Cada Dia” se beneficiaria de mais ousadia narrativa e de um roteiro mais conciso - o arco do xerife Bodecker (Sebastian Stan), por exemplo, pouco acrescenta à trama e poderia ser encurtado. Ainda assim, trata-se de um bom filme, uma provocativa mistura de gêneros que funciona sustentada principalmente pelas atuações de Bill Skarsgard, Tom Holland e Riley Keough. O diretor Antonio Campos entrega um filme duro e até meio sinistro em que não há espaço para dúvidas ou contemplação.

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