É empresário do setor imobiliário, membro do Conselho Superior da Ademi-ES, mestre em Change pelo Insead (França), professor convidado pela Fundação Dom Cabral e 24º brasileiro a atingir o cume do Everest.

Os riscos das mudanças nas regras do FGTS para o setor habitacional

A proposta em análise no STF substituiria a correção do FGTS por outro índice inflacionário, como o IPCA, o INPC ou o equipararia à caderneta de poupança, ou seja, Taxa Referencial mais 6% ao ano

Vitória
Publicado em 03/05/2023 às 01h59
Dinheiro e imóveis
Com maior ou menor impacto, fato é que o mercado reagiu mal às mudanças nas regras do FGTS. Crédito: Belekekin /Getty Images/iStockphoto

Está em julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF) desde a semana passada a mudança na forma de correção do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS). Hoje, o FGTS rende a TR (Taxa Referencial) acrescida de 3% ao ano. A proposta em análise no Supremo substituiria a sua correção por outro índice inflacionário, como o IPCA, o INPC ou o equipararia à caderneta de poupança, ou seja, TR mais 6% ao ano. O placar até agora está em dois votos favoráveis à mudança, porém, o ministro Nunes Marques pediu vistas, o que deve atrasar a decisão final sobre o tema.

Aparentemente, parece bastante razoável que um dinheiro que pertence ao trabalhador seja remunerado, minimamente, de acordo com um índice que acompanhe a inflação, porém, os desdobramentos desta alteração podem trazer consequências opostas àquelas originalmente desejadas.

Isso porque o FGTS é a principal fonte de recursos para o crédito imobiliário destinado a famílias de baixa renda. Programas habitacionais de interesse popular como o Minha Casa Minha Vida, por exemplo, que permitiu a produção de 2,5 milhões de moradias entre 2009 e 2022 e gerou 2,7 milhões de empregos diretos e indiretos, poderiam ser inviabilizados.

São justamente os juros mais baixos propiciados pelo FGTS que permitem que as parcelas do financiamento sejam menores, logo, viáveis para as pessoas de renda mais baixa. Ao aumentar os rendimentos do FGTS, haveria um imediato encarecimento do crédito imobiliário e, consequentemente, das parcelas de financiamento para o cliente final.

Neste cenário, surge a primeira de duas perguntas que buscaremos jogar luz neste artigo:

Seriam os impactos destas mudanças severos o suficiente para inviabilizar as políticas habitacionais para baixa renda, em especial o Minha Casa Minha Vida?

Analistas dos bancos veem impactos limitados nestas medidas. Para a equipe de real estate do Itaú BBA, os riscos seriam limitados, uma vez que, por ser um dos carros-chefes do governo federal, as alterações levariam a uma revisão completa do Minha Casa Minha Vida. Para os analistas do Santander, o FGTS continuaria sendo capaz de sustentar o MCMV, mas comprometeria sobremaneira as medidas que o governo planeja implementar no Programa relacionadas ao aumento da acessibilidade do número de famílias aptas a aderí-lo. Visão semelhante tem os analistas do Bradesco BBI para quem “esta decisão deve elevar marginalmente o custo do financiamento do Programa, mas não o suficiente para inviabilizá-lo”.

A posição do setor da construção, por sua vez, é bem mais alarmante. Estudos da Associação Brasileira de Incorporadores (Abrainc), indicam que a alteração das regras vigentes tiraria o acesso à casa própria de aproximadamente 13 milhões de famílias de baixa renda. Nada menos que 75% das famílias que hoje poderiam adquirir um imóvel por meio do Programa Minha Casa Minha Vida seriam afetadas, uma vez que, com o aumento do valor da prestação, elas não comporiam renda suficiente para assumir o financiamento.

Com maior ou menor impacto, fato é que o mercado reagiu mal às mudanças na regra. As ações das construtoras que atuam no segmento de baixa renda caíram substancialmente durante a última semana.

Há, ainda, uma segunda pergunta que emerge desta discussão:

É justo que todos os trabalhadores subsidiem, através da baixa remuneração dos recursos do FGTS, políticas públicas de habitação popular?

O próprio presidente da Abrainc, Luiz França, busca responder a esta questão. Segundo ele, “a remuneração das contas do FGTS já foi elevada uma vez, nos últimos anos, mediante a transferência da maior parte dos lucros do Fundo (96% em 2021 e 99% em 2022) para os cotistas”. Esta medida teria, assim, feito a justiça pretendida aos cotistas sem criar obstáculos à oferta de crédito com recursos do FGTS.

França ainda chama a atenção para uma questão relacionada à própria composição das contas do FGTS: “os trabalhadores com carteira assinada e renda superior a 6 salários mínimos detêm 80% dos saldos do Fundo. Com tais recursos se torna possível financiar a maioria dos trabalhadores que recebem até 4 salários mínimos mensais. Uma alta dos juros traria benefícios concentrados às faixas de maior renda, ao mesmo tempo em que afastaria as classes de menor renda do acesso à habitação”.

As decisões para aplicação dos recursos do FGTS cabem ao seu Conselho Curador, que é um colegiado tripartite composto por entidades representativas dos trabalhadores, dos empregadores e do governo federal, cuja governança faz com que o FGTS, criado há mais de meio século, seja um bom e, infelizmente, raro exemplo de uma política pública que se mostrou eficaz ao longo do tempo.

Além de ter ajudado no acesso à moradia para milhões de brasileiros, o FGTS, ao estimular as contratações de pessoal com carteira assinada, é um instrumento fundamental na estabilização das relações de emprego. Sendo assim, ainda que mudanças possam ser implementadas, há de se ter o cuidado para, sob a louvável intenção de se fazer justiça social, não acabar por inviabilizá-la, prejudicando o trabalhador naquilo que lhe seja uma de suas conquistas mais preciosas: a aquisição da casa própria.

Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.

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