É empresário do setor imobiliário, membro do Conselho Superior da Ademi-ES, mestre em Change pelo Insead (França), professor convidado pela Fundação Dom Cabral e 24º brasileiro a atingir o cume do Everest.

Você sabe o que é acupuntura urbana e como identificá-la?

Esse conceito é uma abordagem do urbanismo que, assim como a milenar medicina chinesa utilizada como metáfora, defende a ideia de que intervenções seletivas, quase cirúrgicas, são capazes de gerar mudanças significativas no espaço público

Vitória
Publicado em 05/04/2023 às 01h59
Ciclovia na Avenida Rio Branco, em Vitória, é entregue à população
Ciclovia na Avenida Rio Branco é um exemplo de acupuntura urbana. Crédito: Elizabeth Nader/PMV

Acupuntura urbana é uma abordagem do urbanismo que, assim como a milenar medicina chinesa utilizada como metáfora, defende a ideia de que intervenções seletivas, quase cirúrgicas, são capazes de gerar mudanças significativas no espaço público. A precisão destas ações está no fato de serem rápidas de executar, muitas vezes reversíveis, de baixo custo e pouca burocracia.

Ex-governador e três vezes prefeito de Curitiba, o urbanista e arquiteto Jaime Lerner foi um dos pioneiros na introdução e aplicação do conceito de acupuntura urbana no Brasil. Ao considerar as cidades um organismo vivo e que, não raro, encontram-se doentes, Lerner entende ser necessário fazê-las trabalhar de outra maneira: “assim como a medicina necessita da interação entre médico e paciente, em urbanismo também é preciso fazer a cidade reagir. Cutucar uma área de tal maneira que ela possa ajudar a curar, melhorar, criar reações positivas e em cadeia”.

Democrática, a acupuntura urbana pode ser realizada por vários atores, não restringindo-se ao poder público, embora este tenha mecanismos e ferramentas de potencializá-la, naturalmente.

A acupuntura urbana pode se manifestar através de uma construção emblemática, uma reciclagem, uma recuperação de uma paisagem natural degradada. Nem sempre, porém, ela se traduz em obras, podendo ser a introdução de um costume ou o reconhecimento de um elemento cultural.

Cruzamos com inúmeros exemplos de acupuntura urbana todos os dias e, saber identificá-los como tais, aumenta o nível da nossa consciência cidadã e nos ajuda a enxergar soluções simples que, após implementadas, parecem óbvias. Vejamos alguns exemplos:

Integrando pessoas por meio do lazer e do esporte

Pessoas atraem pessoas. Trazer gente para a rua, promover e catalisar encontros é resgatar a função principal da cidade. Melhor ainda quando isso é feito por meio do esporte e do lazer. Foi este o efeito causado por uma medida simples, hoje já assimilada pela população: fechar algumas ruas no domingo para que as pessoas possam vir pedalar, correr, brincar com os filhos, andar de patins ou skate.

Observando a avenida Dante Micheline, em Vitória, ou a Estudante José Júlio, em Vila Velha percebemos como a prática esportiva, competitiva para uns, lúdica para outros, é contagiosa. Enquanto as pessoas aproveitam as atividades ao ar livre, estão cuidando da saúde não apenas física, mas também mental.

Recuperando um marco degradado

Quer percebamos ou não, o homem tem uma relação simbiótica com a natureza e, nas cidades, marcos naturais tornam-se pontos de referência vitais para os seus habitantes. Assim é o mar, para nós, moradores de Vitória; as montanhas de Minas, para o morador de Belo Horizonte; o céu do cerrado, para o morador de Brasília.

Por vezes, estes marcos naturais são mais prosaicos e podem ter sido degradados pelo próprio homem. Nesses casos, recuperar estas áreas e trazer novos usos é uma forma de reciclagem urbana.

Foi este o caso da Pedra da Cebola. Após o encerramento de suas atividades como pedreira e ter ficado abandonada por décadas, a Pedra da Cebola foi recuperada e hoje é um dos parques mais queridos de Vitória.

Existem, também, os marcos arquitetônicos que, de tão identificados com seus moradores, fazem parte da paisagem. O Mercado da Capixaba, na Av. Jerônimo Monteiro, por exemplo, vem passando por uma restauração cujo objetivo vai além de simplesmente recuperar suas características originais, pretendendo ser um ponto irradiador de uma transformação tão necessária como desejada para revigorar as atividades comerciais de suas imediações, no Centro de Vitória.

Faça-se luz!

Para além da segurança, a iluminação cumpre um papel estético nas nossas vidas, tornando nossas casas e nossas cidades mais bonitas. Seria difícil imaginar a paisagem noturna de Vila Velha, por exemplo, sem a iluminação do Convento da Penha ou do Penedo.

Mas há uma obra recém-inaugurada em Vitória que é um primor de acupuntura urbana: a ciclovia da Av. Rio Branco, na Praia do Canto. Sim, o incentivo ao uso de bicicletas como meio de locomoção limpo e saudável é um fato, mas destaco aqui a iluminação da ciclovia, voltada para dentro, ou seja, iluminando o caminho por onde passa o ciclista.

Na verdade, a iluminação urbana sempre preteriu o ciclista e o pedestre em favor dos carros. Assim, quando uma ciclovia tem sua iluminação dedicada ao ciclista, sentimo-nos privilegiados. Penso quantas pessoas não se sentirão estimuladas a pegar uma bicicleta e fazer uso desta ciclovia.

Reforçando a identidade cultural

Para além das obras, hábitos, gostos e costumes também podem representar formas de acupuntura urbana. Uma feira livre, por exemplo, com seus cheiros, sons e sabores característicos, representam um bairro ou uma cidade mais do que muitos monumentos. Ou alguém pode definir o bairro de Jardim da Penha sem mencionar a sua feira de sábado?

A genial frase “moqueca é capixaba, o resto é peixada” gera uma identificação e um orgulho tão grande dos capixabas por sua tradição culinária que talvez nem mesmo o seu autor, Cacau Monjardim, pudesse ter imaginado tal impacto ao criá-la. Mais tarde, uma lei viria a considerar a nossa moqueca um bem imaterial da cultura capixaba, mas isso apenas para corroborar, de direito, o que todos os capixabas já haviam tomado posse, de fato.

Mas a maior acupuntura urbana é o amor à cidade que se vive. Quem ama cuida, preserva, vigia, cobra, defende, participa e é parte da solução e não do problema.

Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.

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