Professora da Ufes, coordenadora da Cátedra Sérgio Vieira de Mello ACNUR/ONU para refugiados e presidente da Comissão de Direitos Humanos da Ufes

Pessoas trans: respeito e tolerância não dão conta, a palavra é reconhecimento

O que se defende é reconhecimento de identidades, do direito de ser e se autodefinir como quiser. Reconhecimento é aceitar as decisões individuais de cada um sobre o seu próprio corpo, sobre sua própria existência

Publicado em 04/05/2022 às 02h01
Vôlei
Tiffany Abreu, primeira mulher trans a participar da Superliga de Vôlei. Crédito: Divulgação/Vôlei Bauru

A palavra certa é reconhecimento, não é respeito, nem tolerância. Em diversas áreas da vida em sociedade a diferença entre esses conceitos importam cada vez mais. Tanto respeito como tolerância são comportamentos que trazem em si um contexto de poder. Respeito traz consigo uma noção de que temos o “normal” de um lado e o “anormal” de outro, este último sendo apenas respeitado por aqueles que se intitulam normais.

Já a tolerância carrega a ideia de que se deve tolerar o que é diferente do normal, do usual. Tanto quem se coloca na posição de exercer respeito, quanto na de exercer a tolerância estão numa posição de se impor como os normais e rotular as outras pessoas de diferentes, até mesmo como seres inferiores.

O que se pretende é reconhecimento de identidades, do direito de ser e se autodefinir como cada uma pretender. Reconhecimento importa em aceitar as decisões individuais de cada um sobre o seu próprio corpo, sobre sua própria existência. Por outro lado, quem apenas respeita e/ou tolera, traz implícito no seu discurso que a pessoa respeitada ou tolerada é destoante da normalidade.

Um dos grandes problemas do Brasil de hoje é justamente a falta de reconhecimento das diversas identidades e autoidentificações feitas pelas pessoas que aqui vivem. O Brasil é um dos países do mundo onde mais se matam pessoas trans. A transfobia é um problema concreto e que precisa ser entendido para ser superado. Demonstração disso é toda a discussão ao redor da atleta Tiffany Abreu, primeira mulher trans a participar da Superliga de Vôlei.

Leonardo Peçanha, educador físico e pesquisador da transfobia, vem demonstrando através de diversos artigos publicados, que a questão da participação de atletas trans (tanto mulheres trans como homens trans) está sendo polemizada no Brasil a partir de premissas erradas. Em especial, foi a carta aberta da ex-atleta de vôlei Ana Paula Henkel que causou furor entre a comunidade esportiva e fãs de esporte.

É preciso, pontuar, primeiramente, que a carta de Ana Paula é cheia de preconceitos e ideias arraigadas na sociedade brasileira sobre o que é ser uma pessoa trans. A ex-atleta faz comentários do tipo: a transição de Tifanny foi após os 30 anos, dando a entender que ela teria optado por ser uma mulher trans somente para se beneficiar indevidamente da sua condição no esporte. Isso não existe, a vida de uma pessoa trans é extremamente difícil, não só pelo risco de morte altíssimo no Brasil, mas também pelas dores física e psicológicas que vêm junto com a transição.

Como Leonardo explica no artigo “O voleibol e a participação de atletas trans: outro ponto de vista”, as mulheres trans fazem uma transição muito difícil, com uso de hormônios que fazem com que o seu corpo passe a ter todas as características de uma mulher na sua idade. Ao contrário do que se pensa, uma mulher trans está sob os efeitos de hormônios e quando está no esporte tem seus índices hormonais testados a todo tempo.

O COI (Comitê Olímpico Internacional) tem regras bem específicas para a participação de mulheres trans no esporte, conforme traz Leonardo em seu artigo: “o órgão recomenda que não seja mais necessária a cirurgia de redesignação sexual; que a atleta se reconheça na identidade de gênero mulher há no mínimo quatro anos, não podendo alterá-la; que a atleta mantenha o nível de testosterona abaixo de 10 nmol/L de sangue no mínimo 12 meses antes da primeira competição e durante as posteriores, sujeitando-se a testes frequentes para comprovação e estando passível de banimento por igual período até a sua regularização”.

Além da regulamentação oficial do COI, existe um estudo específico com corredoras trans que demonstra que elas não têm vantagens específicas em relação a outras mulheres pelo fato de serem trans (HARPER) Além disso, os dados referentes a outras jogadoras de vôlei na Superliga demonstram que há jogadoras com a mesma potência ou até maior que a de Tifanny Abreu.

Outro ponto importante é o fato de que homens trans também estão participando do esporte e sofrem preconceitos, mas de outra natureza, como é o caso de caso do Juliano Ferreira (fisiculturista).

No meu ponto de vista, as análises que temos até agora demonstram que não há vantagens específicas no esporte pelo fato de serem pessoas trans, pelo contrário, as transições hormonais feitas geram uma carga hormonal que pesa sobre as vidas das pessoas trans, o que se alia ao sofrimento causado pela falta de reconhecimento e o preconceito evidente que se tem no Brasil contra mulheres e homens trans.

Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.

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