Publicado em 3 de junho de 2020 às 11:37
A perspectiva de uma renovada tensão em protestos de rua se somou ao embate entre o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e o Supremo Tribunal Federal, elevando a apreensão na cúpula do serviço ativo das Forças Armadas.>
Entre oficiais-generais, há a preocupação de que os clamores golpistas do bolsonarismo ganhem corpo se houver um acirramento sem controle de manifestações contra o presidente.>
A avaliação é preliminar, até porque os protestos começaram no último domingo (31), como reação aos atos pró-intervenção nos outros Poderes.>
Na memória está 2013, quando atos inicialmente pacíficos por questões de mobilidade, após serem catalisados por dura repressão policial em São Paulo, explodiram nos maiores protestos da história.>
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Há dois tipos de preocupação entre os militares da ativa, contudo, uma distinção que arrepia políticos com interlocução na área.>
A primeira, mais corrente, é a de que as Forças temem ser instrumentalizadas pelo seu comandante, Bolsonaro.>
O presidente já disse mais de uma vez que previa o risco de o Brasil virar um Chile, em referência à turbulência de violentos protestos enfrentados pelo governo de centro-direita local desde 2019.>
Esse temor já vem desde o ano passado, e a pandemia da Covid-19 parecia afastá-lo - até o fim de semana passado.>
Para Bolsonaro, a desordem viria de setores da esquerda, o usual espantalho de seu campo político. Por ora, os atos pelo Brasil são atribuídos a grupos antifascistas, mas o fato é que eles não são organizados de maneira centralizada.>
Com isso, teoricamente há maior risco de as coisas saírem do controle, como aconteceu em 2013.>
O roteiro a seguir já foi decantado pelo bolsonarismo, centrado no artigo 142 da Constituição, que prevê que um dos Poderes peça a ação pontual de militares para restabelecer ordem em caso de anarquia civil. Só que tal condição implicaria a perda de controle de polícias no país todo, o que parece um despropósito.>
O governo federal foi leniente com a insurreição da PM cearense no começo deste ano, mas não há sinais de revoltas locais neste momento.>
A desconfiança atinge os três ramos fardados. No Exército, há subjacente a questão do afastamento crescente do comandante, general Edson Pujol, de Bolsonaro e de seus ministros egressos da Força.>
Tudo começou no ano passado, quando a ala militar do governo se engalfinhou com os bolsonaristas ideológicos e perdeu o embate em boa parte das vezes.>
Já ali Pujol buscou mostrar distância. Os generais de terno deram a volta por cima em 2020 e se reforçaram, aumentando o estranhamento.>
A pandemia explicitou as divisões. Enquanto Bolsonaro ainda chamava a doença de "gripezinha", Pujol conclamava uma operação de combate.>
Bolsonaro passou a queixar-se do comandante em privado com alguns aliados.>
No dia 1º de maio, na troca de chefia do Comando Sul do Exército, a rixa veio a público.>
Pujol, primeiro da fila fardada a ser cumprimentada por Bolsonaro, estendeu-lhe o cotovelo, segundo o protocolo para evitar contato físico na pandemia, quando o presidente lhe deu a mão.>
O cumprimento virou uma forma informal, em algumas unidades militares, para identificar quem é bolsonarista (estende a mão) e quem não é (oferta o cotovelo).>
No dia seguinte, o presidente reuniu-se com os três chefes de Força e ministros militares, e sugeriu que poderia remover Pujol.>
O candidato especulado para o posto seria Luiz Eduardo Ramos, seu fiel escudeiro e secretário de Governo, que ainda é um general da ativa.>
O mal-estar foi tão grande que Ramos procurou Pujol e enviou dezenas de mensagens para negar a hipótese, revelada então pela Folha de S.Paulo.>
Alguns oficiais veem Pujol ainda mais isolado e ainda passível de ser substituído, mantendo o moinho de rumores alimentado.>
No sábado passado (30), Bolsonaro foi sozinho ao Comando de Operações Especiais do Exército, em Goiânia, num tipo de visita que costuma ser feita com comandante da Força presente. Havia também o simbolismo, que muitos veem como mera retórica de Bolsonaro, de o comando ser a unidade de reação rápida perto do centro do poder.>
Antes, o presidente havia visitado a Escola de Comando e Estado-Maior do Exército, no Rio, igualmente sem a presença de Pujol.>
A segunda preocupação entre os militares é o Supremo. Há um quase consenso entre fardados, estejam no governo ou fora dele, de que a corte age politicamente motivada contra o Planalto.>
A questão é o que fazer com isso. Para os entusiastas do intervencionismo estimulado pelo presidente, seria possível invocar o mesmo artigo 142 da Constituição em caso de novas ações como o veto à indicação do diretor-geral da Polícia Federal.>
Não há referência lá em fechar Poderes por isso.>
Mas a hipótese circula em grupos de WhatsApp de generais e coronéis com grande desenvoltura.>
Ela é amparada em uma leitura feita em artigo pelo jurista Ives Gandra da Silva Martins, que foi secundada em entrevista pelo procurador-geral Augusto Aras, que depois tentou se corrigir.>
Não é possível quantificar quais apoios são majoritários, embora a maior distância da Marinha e da Força Aérea do governo seja notória.>
Do lado dos militares no governo, dos quais Ramos é o único da ativa, a crise os fez fechar com Bolsonaro.>
O temor do fracasso que um impeachment colaria à imagem do grupo, a ampliação do poder e a defesa corporativa permitiram até uma aliança com o antes Grande Satã da política, o centrão.>
A radicalização de Bolsonaro ofuscou inclusive o caráter moderador sempre atribuído ao ministro Fernando Azevedo (Defesa), autor de notas de defesa da Constituição quando o chefe abraçava golpistas.>
Nas duas últimas semanas, ele apoiou uma nota ameaçadora do colega Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional) e sobrevoou uma manifestação antidemocrática com Bolsonaro.>
A sinalização foi muito malvista entre integrantes da cúpula da ativa e de interlocutores de Azevedo na política.>
Já aliados dele afirmam que é apenas um sinal de lealdade próprio da doutrina militar e lembram que ele já acompanhou a ascensão e queda de um presidente de perto.>
Azevedo era um jovem major quando serviu como ajudante de ordens de Fernando Collor, estando ao seu lado na fatídica fotografia em que o então presidente olha ao relógio para assinar seu termo de renúncia, em 1992.>
Por fim, observando o cenário está o vice-presidente, general Hamilton Mourão. Ele reitera em declarações e entrevistas a mistura de crítica ao Supremo e respeito à Constituição.>
Para um político que o conhece bem, a incógnita é a qual leitura da Carta ele vem se referindo.>
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