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STF julga nesta quarta caso sobre direito ao esquecimento

STF julga nesta quarta caso sobre direito ao esquecimento

Apesar de o conceito não constar na legislação brasileira, ele já foi reconhecido em algumas ações judiciais em tribunais

Publicado em 29 de setembro de 2020 às 12:00

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Supremo Tribunal Federal (STF)
Supremo Tribunal Federal (STF)  deve julgar nesta quarta (30) caso sobre direito ao esquecimento. (José Cruz/Agência Brasil/Arquivo)

O Supremo Tribunal Federal (STF) deve se debruçar nesta quarta-feira (30) sobre o tema do direito ao esquecimento.

Apesar de o conceito não constar na legislação brasileira, ele já foi reconhecido em algumas ações judiciais em tribunais.

Não há uma definição exata do que seja o direito ao esquecimento, mas, em linhas gerais, pode-se dizer que ele se refere ao direito de que uma pessoa não tenha um fato ocorrido em determinado momento de sua vida exposto ao público indefinidamente.

Há juristas que defendem que o direito ao esquecimento não existe e que decisões de remoção de conteúdo que seja lícito ou de proibição em se falar sobre determinado assunto podem representar ameaça à liberdade de expressão, tentativa de manipulação do passado histórico ou até censura prévia.

Com a internet e a possibilidade de encontrar facilmente informações antigas, a discussão ganha novos contornos no Brasil e no mundo.

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    O caso concreto se refere a um recurso dos irmãos de Aída Curi, jovem estuprada e assassinada no Rio de Janeiro em 1958 e que teve o episódio de seu crime reconstituído em 2004 pelo programa Linha Direta, da TV Globo. Os familiares pedem uma indenização pela exploração da imagem de Aída no programa e afirmam lutar pelo reconhecimento do direito de esquecer a tragédia.

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    De acordo com eles, "mais de 50 anos depois, com suas vidas em novo rumo e com a dor apaziguada pelos efeitos curativos de tão longo tempo, a recorrida [TV Globo] veiculou em rede nacional um programa televisivo explorando não só a história de sua finada irmã, como utilizando a imagem real dela e dos recorrentes, a despeito da notificação por eles enviada, previamente, opondo-se a sua veiculação".

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    A Globo, por sua vez, sustentou que o conteúdo abordado no programa se limitou a fatos públicos, retirados de arquivo e de livros, e que os direitos de intimidade e de imagem dos recorrentes e de sua irmã já falecida não se sobrepõem ao direito coletivo da sociedade de ter acesso a informações sobre fatos históricos. A TV Globo argumenta que "o defendido direito ao esquecimento é completamente incompatível com a plena liberdade de informação assegurada pela Constituição Federal".

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    O STJ (Superior Tribunal de Justiça) negou o pedido, pois considerou que os fatos expostos no programa eram de conhecimento público e que tinham sido amplamente divulgados pela imprensa no passado. Segundo a decisão, "o direito ao esquecimento (...) não alcança o caso dos autos, em que se reviveu, décadas depois do crime, acontecimento que entrou para o domínio público, de modo que se tornaria impraticável a atividade da imprensa para o desiderato de retratar o caso Aida Curi, sem Aida Curi".

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    O julgamento do Supremo tem repercussão geral. Isso significa que o resultado deverá orientar decisões de outros tribunais sobre o tema.

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Apesar de o caso em análise tratar de um programa televisivo, especialistas entendem que a decisão também deverá impactar o julgamento de episódios envolvendo direito ao esquecimento em publicações na internet.

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    Sim. Em outra ação, também envolvendo o programa Linha Direta, o STJ entendeu que o direito ao esquecimento se aplicava e que cabia a proibição de veiculação do nome e imagens de um dos acusados na chacina da Candelária, ocorrida em 1993. Quando o episódio do programa com a reconstituição do crime foi exibido, em 2006, o réu em questão já tinha sido inocentado.

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De acordo com a decisão, que determinou pagamento de indenização pela Globo, o autor da ação alegou que a exibição do programa trouxe a público uma situação que já havia sido superada e que o prejudicou em sua vida pessoal e profissional, "não tendo mais conseguido emprego, além de ter sido obrigado a desfazer-se de todos os seus bens e abandonar a comunidade para não ser morto por 'justiceiros' e traficantes e também para proteger a segurança de seus familiares".

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    Esse é um dos pontos que espera-se que o STF venha a definir. No geral, o direito ao esquecimento inclui três vertentes de pedidos à Justiça: remoção de conteúdo, proibição de que determinado conteúdo seja veiculado ou, nos casos de sites de busca, como Google e Bing, a chamada desindexação. Nela, o conteúdo continua publicado, mas deixa de aparecer nos resultados das buscas.

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A advogada Taís Gasparian atua na ação como representante da Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo), que é amicus curiae no processo. Ela sustenta que, caso se entenda que o direito ao esquecimento se refere à remoção de conteúdo, ele não se aplica ao caso de Aída Curi, pois o vídeo do programa do Linha Direta não está mais disponível.

Por outro lado, Gasparian afirma que, caso haja o entendimento do direito ao esquecimento como uma proibição de se falar de uma determinada pessoa ou de tratar de um determinado episódio que foi público, há censura prévia. "Se se tratar de uma proibição de falar de alguma coisa, estamos diante de um ato de censura prévia."

Para ela, o caso Aída Curi está muito mais próximo do caso das biografias não autorizadas, em que o Supremo entendeu que a publicação de biografias de pessoas públicas não depende de uma autorização anterior.

A professora de direito da USP Ribeirão Preto Cíntia Rosa Lima afirma que é difícil ter um conceito do que seja o direito ao esquecimento, porque, segundo ela, trata-se é uma ponderação de valores.

Cíntia Rosa foi uma convidadas em audiência pública realizada pelo STF em 2017 para discutir o tema. De acordo com a professora, é possível adotar ferramentas para proteger a liberdade de expressão sem expor as pessoas, sendo importante avaliar a utilidade social de determinada notícia.

"A imprensa responsável deveria tomar cuidado com isso, porque geralmente, quando tratamos desses casos, são casos supersensacionalistas."

"O debate de fundo é liberdade de expressão versus intimidade, vida privada e também identidade pessoal. É um conflito de direitos fundamentais importantes", aponta ela.

Já Gasparian se diz contrária ao direito ao esquecimento. "Todas as pessoas, pela Constituição Federal, têm direito à informação. Se você remove uma publicação ou se você proíbe que seja publicada, você viola esse princípio, que é um princípio constitucional do direito à informação."

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    Não. Um ponto importante do direito ao esquecimento, de acordo com Sérgio Branco, um dos diretores do Instituto de Tecnologia e Sociedade (ITS Rio), é que ele deve se referir à circulação de uma informação que é verdadeira e cuja veiculação inicial foi lícita.

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"O direito ao esquecimento seria um direito que alguém teria para controlar a circulação de informações do passado cuja circulação no passado era lícita, mas que agora no presente talvez não seja mais. É sobretudo o desejo de ter o controle sobre a circulação de informações do passado."

Isso quer dizer, segundo Branco, que pedidos judiciais de remoção de conteúdos ilícitos como "revenge porn" (pornografia de vingança) ou que contenham crimes contra a honra, como calúnia e difamação, não poderiam ser incluídos no conceito de direito ao esquecimento, até porque sua remoção pode ser solicitada por meio de outras bases legais.

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    No caso do julgamento desta semana, além da análise quanto à aplicação do direito ao esquecimento, há ainda outro ponto que gera controvérsia.

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A dúvida é se, além da própria vítima, também seus familiares poderiam reivindicar o direito ao esquecimento.

Sérgio Branco diz ter dúvidas sobre se o caso de Aída Curi seria de direito ao esquecimento, visto que ela já morreu. "Não é muito típico do direito ao esquecimento você pedir em nome de outra pessoa."

"O direito ao esquecimento, quando ele é invocado, é porque a informação do passado me traz algum prejuízo agora. A pessoa encontra dificuldade, por conta dessa informação antiga, em ter um emprego, em ter um relacionamento amoroso, passa a sofrer represália na rua, no trabalho", diz ele.

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    Um dos primeiros casos considerados como direito ao esquecimento ocorreu em 1973 e ficou conhecido como caso Lebach. O Tribunal Constitucional Federal da Alemanha proibiu a transmissão de um documentário sobre uma pessoa presa e que estava às vésperas de ser solta.

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A argumentação foi de que a divulgação poderia comprometer sua ressocialização e que, devido à passagem do tempo, não havia interesse público significativo em divulgar os fatos.

Outro caso emblemático ocorreu em 2014 e ficou conhecido como Mario Costeja González versus Google Espanha.

A ação de González se referia a publicações de 1998 noticiando o leilão público de uma de suas propriedades em razão de dívidas com a seguridade social. Ele argumentava que, com o decorrer do tempo e considerando que a dívida havia sido quitada, o fato tinha se tornado irrelevante.

O Tribunal de Justiça da União Europeia entendeu que um indivíduo poderia solicitar a remoção de resultados da busca envolvendo seu nome.

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