Publicado em 17 de agosto de 2020 às 15:30
O presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), vai usar mesma tese apresentada pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) para emplacar a reeleição em 1997 a cargos do Executivo para tentar ficar mais dois anos no comando da Casa.>
A proposta defendida por aliados do senador deverá ser encaminhada ao STF (Supremo Tribunal Federal) na ação impetrada pelo PTB para proibir a manobra sonhada por Alcolumbre. Caberá à advocacia da Casa enviar a manifestação.>
O presidente do Senado também quer um alinhamento com a Câmara para uma defesa conjunta da tese. A ideia é que, se Rodrigo Maia (DEM-RJ) não encampar o mesmo argumento, ao menos não o confronte perante o Supremo.>
Maia, embora negue publicamente que vá tentar se reeleger, já reconheceu a aliados em privado que se houver brecha ele poderia disputar a eleição.>
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A ação do PTB, partido comandado pelo ex-deputado Roberto Jefferson, recém-convertido ao bolsonarismo, visa a proibir a possibilidade de reeleição dos comandantes do Senado e da Câmara numa mesma legislatura.>
O relator do caso, ministro Gilmar Mendes, instou na semana passada as duas Casas a se manifestarem, além da AGU (Advocacia-Geral da União) e do MPF (Ministério Público Federal).>
Os mandatos dos presidentes do Senado e da Câmara se encerram em fevereiro do ano que vem, quando haverá novas eleições para as duas Casas. A Constituição veda a possibilidade de reeleição numa mesma legislatura, isto é, o período de quatro anos entre uma eleição e outra.>
Desde o ano passado, Alcolumbre articula junto aos pares, governo e até no próprio STF um meio de pavimentar um caminho para se manter na cadeira. Para isso, previa justamente fazer um questionamento à corte na esperança de que os ministros revissem o entendimento sobre o que diz a Carta Magna.>
O PTB, porém, ao provocar a corte, acabou por antecipar esse debate e tornou desnecessário que partisse do Senado a discussão.>
No início do mês, o jornal Folha de S.Paulo informou que a principal tese discutida pelos aliados do presidente do Senado era a de recorrer ao exemplo de FHC, o que, se aceito pelo STF, teria como consequência prática a possibilidade de eternizar dirigentes no comando da Câmara e do Senado, já que hoje já há possibilidade de reeleição se a legislatura estiver no começo.>
Parlamentares contrários à medida citam exatamente esse ponto, argumentando que pode ficar liberada a permanência ilimitada de políticos no comando da instituição, como ocorre em assembleias estaduais.>
Apoiadores de Alcolumbre discordam do argumento de opositores da ideia. Eles afirmam que a tese encampa a possibilidade que haja apenas uma única reeleição seguida, mantendo assim a equivalência da emenda constitucional que liberou FHC para disputar o pleito em 1998.>
Para se fiar nessa linha de raciocínio, auxiliares do presidente do Senado relembram que o dispositivo que brecou a possibilidade de reeleição dos cargos tanto no Executivo como no Legislativo tem como origem o Ato Institucional-16, de 1969.>
O documento foi elaborado pela junta militar que tornou vago o cargo do então presidente marechal Costa e Silva e cujo conteúdo foi introduzido na primeira emenda à Constituição.>
Anos depois, em 1988, argumentam aliados de Alcolumbre, a decisão por mantê-la na Constituição foi tomada porque, diante do cenário pós-ditadura, era preciso garantir a alternância de poder.>
A tese de pessoas próximas a Alcolumbre é a de que a intenção inicial de FHC ao propor a emenda que pavimentou seu novo mandato era restaurar também a possibilidade de reeleição nas Casas. Isso, segundo aliados do senador, está registrado nas notas taquigráficas da época.>
Antônio Carlos Magalhães era o presidente do Senado naquela época e já tinha a intenção de se reeleger.>
Havia, porém, resistências a essa possibilidade. Por isso, alegam auxiliares de Alcolumbre, ele decidiu retirar essa possibilidade de reeleição da PEC para facilitar a aprovação.>
No ano seguinte, em 1998, porém, ele conseguiu um parecer da CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) em favor de sua reeleição e foi escolhido. A decisão acabou questionada no Supremo, mas o ministro Celso de Mello deixou seguir.>
A expectativa dos aliados do presidente do Senado é mostrar que não há fundamentos para que se barre a reeleição. E que a presidência de uma das Casas do Congresso tem caráter de cargo executivo no Legislativo, por isso deve ser submetida às mesmas regras da Presidência da República, cargo máximo do Executivo.>
Fora esse, há outros argumentos, de caráter mais político, que devem ser utilizados caso essa tese não cole.>
Entre as justificativas, uma repetida por Alcolumbre é a de que, como o mandato de senador é de oito anos, esses parlamentares deveriam ter o direito a comandar a presidência da Casa por quatro.>
Aliados do presidente do Senado estão otimistas quanto ao debate no Supremo.>
Alcolumbre tem diálogo constante com integrantes da corte, como Dias Toffoli, Gilmar Mendes, Luiz Fux e Luís Roberto Barroso. Pessoas próximas a ministros dizem que, do ponto de vista pessoal e político, a melhor opção seria viabilizar uma nova presidência de Alcolumbre, mas afirmam que, juridicamente, o caso é complicado.>
A esperança do presidente do Senado é a de que o Supremo dê uma nova interpretação à Constituição e diga que é possível haver a reeleição ou defina que essa é uma matéria "interna corporis", ou seja, do Congresso.>
Segundo advogados consultados pela reportagem, isso poderia ser lido como uma forma de o STF não julgar essa uma questão constituicional e deixar para o próprio Congresso deliberar sobre a questão.>
No Supremo, auxiliares de pelo menos dois ministros defendem essa possibilidade.>
Além da corte, Alcolumbre conta também com o respaldo do governo para buscar mais quatro anos no comando do Senado. Bolsonaro vê no senador um aliado.>
A expectativa de pessoas próximas ao parlamentar é a de que a AGU, quando enviar manifestação ao Supremo no âmbito da mesma ação, referende a posição do Senado ou, ao menos, também não a conteste, definindo que esse assunto não concerne à União.>
Na avaliação de parlamentares e ministros do governo ouvidos pela reportagem, Alcolumbre venceria hoje uma disputa na Casa, porque tem apoio da maioria dos 81 senadores.>
Além de ter buscado manter bom diálogo com os pares, o senador fez concessões a eles. No ano passado, articulou créditos extras com o Executivo e distribuiu em emendas a parlamentares.>
Neste ano, segundo senadores, Alcolumbre teria dito aos líderes da Casa ter viabilizado valores entre R$ 10 milhões e R$ 30 milhões para que os parlamentares destinassem verbas a hospitais filantrópicos de suas bases para o combate ao coronavírus. Em ambas as ocasiões, ele foi acusado de favorecer aliados.>
A articulação lhe garantiu o apoio de pelo menos 54 votos, segundo cálculo de quem quer ver o democrata reeleito.>
A resistência a Alcolumbre é encontrada principalmente entre os senadores do grupo chamado Muda Senado, composto por cerca de 22 parlamentares, que prega a renovação na Casa e tem maioria pró-Operação Lava Jato.>
"A reeleição para a presidência da Casa na mesma legislatura é obviamente inconstitucional, mas o Brasil é um país onde o óbvio é reinterpretado conforme a conveniência", diz o senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE), um dos principais nomes do grupo.>
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