Publicado em 11 de fevereiro de 2021 às 14:13
- Atualizado há 5 anos
O Ministério da Saúde usou a Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz) para a produção de 4 milhões de comprimidos de cloroquina, com o emprego de recursos públicos emergenciais voltados a ações contra a Covid-19 e com destinação prevista do medicamento a pacientes com coronavírus. >
Documentos da pasta obtidos pela reportagem, com datas de 29 de junho e 6 de outubro, mostram a produção de cloroquina e também de fosfato de oseltamivir (o Tamiflu) pela Fiocruz, com destinação a pacientes com Covid-19. Os dois medicamentos não têm eficácia contra a Covid-19, segundo estudos.>
O dinheiro que financiou a produção partiu da MP (Medida Provisória) nº 940, editada em 2 de abril pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) para o enfrentamento de emergência do novo coronavírus, como consta nos dois documentos enviados pelo Ministério da Saúde ao MPF (Ministério Público Federal) em Brasília. A MP abriu um crédito extraordinário, em favor do ministério, no valor de R$ 9,44 bilhões.>
Para a Fiocruz, que é vinculada à pasta, foram destinados R$ 457,3 milhões para "enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus".>
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Na exposição de motivos sobre a MP, não houve detalhamento de como o dinheiro seria gasto. O texto da Presidência da República enviado ao Congresso fala em "produção de medicamentos".>
Os documentos enviados ao MPF apontam gastos de R$ 70,4 milhões, oriundos da MP, com a produção de cloroquina e Tamiflu pela Fiocruz.>
Os ofícios associam a produção dos dois medicamentos aos recursos destravados para a pandemia. As drogas se destinam a pacientes com Covid-19, segundo os mesmos ofícios, elaborados por uma coordenação da Secretaria de Ciência, Tecnologia, Inovação e Insumos Estratégicos em Saúde.>
No Brasil, a Fiocruz é a responsável pela importação e produção da vacina desenvolvida pela farmacêutica AstraZeneca e pela Universidade de Oxford. A Fiocruz também desenvolve pesquisas para o desenvolvimento de uma vacina nacional.>
Segundo a instituição, a produção de cloroquina e de Tamiflu não impactou as ações voltadas a pesquisas, testes e desenvolvimento de imunizantes, por se tratarem de unidades distintas no órgão.>
Na sexta-feira (5), a fundação afirmou ao jornal Folha de S.Paulo que Farmanguinhos, o instituto responsável pela fabricação de medicamentos, produziu cloroquina para atender ao programa nacional de prevenção e controle da malária.>
"Farmanguinhos produz cloroquina somente para o que está previsto em sua bula. A bula descreve que a cloroquina é indicada para profilaxia e tratamento de ataque agudo de malária e no tratamento de amebíase hepática, artrite, lúpus, sarcaidose e doenças de fotossensibilidade", disse.>
Nesta quarta-feira (10), após questionamentos da reportagem sobre os novos documentos, a Fiocruz reafirmou o que disse na nota anterior. "Farmanguinhos não produziu em 2020 ou está produzindo o referido medicamento para outras indicações.">
Segundo a instituição, o Ministério da Saúde informou que poderia fazer uma solicitação, mas isso não teria se concretizado.>
Farmanguinhos entregou 16,8 milhões de doses de Tamiflu para "tratamento e profilaxia de gripe em adultos e crianças com mais de um ano" e outro lote será entregue em 2021, cita a nota.>
Nem a Fiocruz nem o Ministério da Saúde comentaram o uso dos recursos da MP voltada a ações contra o coronavírus para a produção dos dois medicamentos.>
Em nota, o Ministério da Saúde disse que a aquisição da cloroquina não foi concretizada, que a produção deve ser explicada pela Fiocruz e que o Tamiflu não é para Covid-19, mas para influenza. "Ao atuar no tratamento da influenza, ele favorece a redução da sobrecarga ao sistema de saúde em função do aumento de doenças respiratórias.">
Em 29 de junho, Farmanguinhos já produzia 2,5 milhões de cápsulas de fosfato de oseltamivir 30 mg, 2,35 milhões de 45 mg e 11 milhões de 75 mg, o que totaliza 15,85 milhões de doses. "Esses quantitativos em produção serão custeados por meio de recursos destinados à Fiocruz, pela medida provisória nº 940", cita o primeiro documento do Ministério da Saúde.>
O investimento previsto era de R$ 70,4 milhões. "Dada a capacidade produtiva do laboratório público e a necessidade deste ministério, esses medicamentos serão fornecidos ao longo dos próximos cinco meses.">
A mesma lógica valia para a cloroquina: "Também com esses recursos alocados à Fiocruz, por meio da Medida Provisória nº 940, está em processo de produção por Farmanguinhos/Fiocruz o montante de 4.000.000 de comprimidos de disfosfato de cloroquina 150 mg. Esse montante tem previsão de entrega nos meses de julho e agosto".>
Um novo documento, elaborado em 6 de outubro pela mesma área do Ministério da Saude, confirmou as informações de junho. Dessa vez, a pasta informou que "foi realizada a aquisição" do Tamiflu, em julho, junto a Farmanguinhos, com o uso de recursos destravados pela MP nº 940.>
"O Ministério da Saúde tem distribuído o fosfato de oseltamivir para o enfrentamento à pandemia e tem recomendado o uso concomitante com outros medicamentos por até cinco dias até exclusão de influenza, em pacientes pediátricos com diagnóstico de Covid-19", afirma.>
O protocolo de uso do medicamento o recomenda para gripe e síndrome respiratória aguda grave.>
O documento também dá o panorama sobre a cloroquina produzida na Fiocruz: "Com os recursos alocados à Fiocruz, por meio da MP nº 940, para a aquisição de medicamentos, encontra-se em processo de aquisição junto a Farmanguinhos o montante de 4.000.000 de comprimidos de difosfato de cloroquina 150 mg".>
O medicamento "está sendo distribuído de acordo com as orientações do Ministério da Saúde para manuseio medicamentoso precoce de pacientes com diagnóstico da Covid-19", afirma.>
A cloroquina da Fiocruz se soma a outras ofensivas do Ministério da Saúde. O Laboratório Químico Farmacêutico do Exército produziu 3,2 milhões de comprimidos de cloroquina, a um custo de R$ 1,16 milhão, a partir de pedidos feitos pelos Ministérios da Saúde e da Defesa. Já os EUA, ainda no governo de Donald Trump, doaram 2 milhões de comprimidos ao Brasil.>
No sábado (6), a Folha de S.Paulo mostrou que o governo Bolsonaro mobilizou pelo menos cinco ministérios, uma estatal, dois conselhos da área econômica, Exército e Aeronáutica para distribuir o medicamento.>
Com base na reportagem, o PDT ingressou no STF (Supremo Tribunal Federal) com uma notícia-crime contra o presidente nesta terça-feira (9).>
Dados do Ministério da Saúde mostram a distribuição de 5.416.510 comprimidos de cloroquina; 481.500 de hidroxicloroquina; e 22.380.510 de Tamiflu. O total gasto, segundo o Localiza SUS, foi de R$ 89 milhões.>
O ministro da Saúde, general da ativa Eduardo Pazuello, passou a ser investigado nas esferas cível e penal pela distribuição de cloroquina.>
Há procedimentos contra o ministro no MPF na primeira instância e na PGR (Procuradoria-Geral da República). Uma auditoria do TCU (Tribunal de Contas da União) apontou ilegalidade no uso de dinheiro do SUS com essa finalidade>
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